domingo, 31 de agosto de 2025

REFLEXÃO - A Sublime Fase das Memórias (PN)

  A SUBLIME FASE
DAS MEMÓRIAS
Pierre Nadie*

 

Pare de reclamar se seu pai, mãe ou parente idoso lhe contam a mesma história várias vezes. Ao envelhecermos, o círculo de amigos vai diminuindo, em geral pelos coevos que se vão, e a extensão de relacionamentos se estreita. Alguns ainda remanescentes permanecem fiéis à amizade sincera d’outrora. Uns poucos podem também surgir nas encruzilhadas sociais.

Mas, são diminutos e, nem sempre, como dantes. Aqui entra um entrevero da solidão depressiva – estar solitário não sinonimia solidão – mas isto é para um outro capítulo. 

Pois bem, em toda a travessia, fomos escrevendo a nossa história, ora com alegria, ora com percalços ilusórios, ora com lágrimas de amor, de raiva e de dor inglória, ora com o fervor da fé, ora com a dúvida da esperança, que o viver, muitas vezes, nos lança. 

Saudades foram ingressando em nossas mentes e tomando assento em nossos corações, umas mais cativas que outras, umas no óleo do amor e da amizade, outras no azedume do ódio. 

Daí que, divisando bem menos horizontes, revisitamos os passos que galgamos e debruçamo-nos em nossa história amarelada pelos pingos do tempo, mas não destruída. 

Relembrá-la é ter sentimentos plenos de emoções. É rever amigos, reviver amores, chorar mágoas e lamentar dores, rir, rir sozinhos como loucos alucinados, mas degustando cenas gravadas nas longas estradas e, num átimo de tempo, vívidas, fresquinhas, como se as estivéssemos vivendo novamente.males que sofremos e os estragos que fizemos, se nunca foram resolvidos, abalroam-nos e vão nos matando por dentro, quais vírus de tamanha virulência. Pois, conviver consigo mesmo talvez não fora tão importante, não se constituíra prioridade de vida. 

Resgatamos dias de sol e escuridão de noites, palmilhamos percursos que gastaram nossos sapatos, adentramos trilhas que serpejaram certos momentos, sentimos o medo das encruzilhadas que arrostamos, ouvimos o troar das sandálias, somos tomados de suores frios, relembrando os becos que rasgaram nossas estradas. Aspiramos o ar saudável das margens verdejantes e floridas e o olor ozonizado das chuvas caídas, que fertilizavam roçados, várzeas e vazantes e rejubilavam vidas. 

Ouvimos o sussurrar de animais, o gorjeio de pássaros, admiramos a beleza das plumas coloridas de tantas aves, apreciamos o adejar de colibris e outros passarinhos. 

Memórias comprimidas, desfalecidas, que se erguem e tecem a nossa história.  Pare de reclamar se seu pai, mãe ou parente idoso lhe contam a mesma história várias vezes. Eles necessitam reviver sua história. Seu passado é o presente que lhe traz os amigos. E o presente não estoura o passado, mantém-no sempre presente, como uma eterna festa de congraçamento ou brinde de ano novo. 

Todavia, se os momentos reverenciados forem de dores, mágoas, remorsos e sofrimentos – história triste e cruel que construíram – os desequilíbrios, que sua lembrança gera, são algozes indomáveis que precisam, diuturnamente, de cuidados médicos e psiquiátricos. 

O envelhecer não muda, segue a vida, para uns, com mais maturidade, para outros, com as incongruências do verdor dos anos... Cenário de consequências irreversíveis.




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