O
LEGADO POLÍTICO
DA
PRINCESA DIANA
Luciara
de Aragão*
Neste momento de partida da rainha Elizabeth II, sucedida pelo filho, ecologista daqueles que desejam a Amazônia internacionalizada, o polêmico e ainda impopular Charles III, apesar dos investimentos de sua assessoria de Relações Públicas, cabe uma reflexão sobre Diana, a inesquecível Princesa de Gales.
A partir mesmo da observação de que a riqueza, o glamour, as possibilidades de consumo da Princesa de Gales contrastavam com o seu desejo íntimo de atuação política e pessoal. Suas potencialidades não foram notadas como significativas pelo governo centralizante da Grã-Bretanha, na década de 1980 e início dos anos 90. No final do Século XX a crise política, expressa na globalização da economia, evoluiu do declínio dos partidos com base em classe, ou ideologias com base na transformação “de homens e mulheres em cidadãos politicamente ativos” (Hobsbawn). A identificação coletiva desses cidadãos com os seus países passou a ser feita mais facilmente por meio de equipes esportivas, figuras e símbolos não políticos, do que pelas instituições estatais. Ainda, as tendências governamentais de evasão dos processos eleitorais aumentaram a função política e o poder da mídia. Dentro deste fenômeno recente, insere-se a figura da Princesa de Gales.
O problema da marginalização proletária urbana desempregada foi um dos pontos da ação denunciatória da Princesa. Visitando os slum, manifestando a sua condenação às condições de vida dos excluídos, contribuiu para a intensificação de projetos governamentais e propostas de combate e redução da pobreza, influenciando o Primeiro Ministro britânico John Major, político conservador e sucessor de Margareth Thatcher (1990-1997) (Programa Para o Fim da Pobreza do Neoliberal John Major) pois, então, já eram visíveis os sinais de baixo efeito redistributivo do Estado do bem-estar, em grau cada vez menor.
Favorável a uma melhor distribuição social da riqueza, o alcance do seu trabalho junto à Cruz Vermelha e à obra de Madre Tereza de Calcutá foi reconhecido de imediato, com as doações para a criação de um Fundo de Benemerência. Com capacidade de influir no processo de mudança, mas, com a ação política pelas próprias limitações legais, impostas ao papel da realeza, mesmo após lhe ter sido dada a punição com a perda de algumas prerrogativas (como o título de Sua Alteza Real), Diana continuou a bater-se, vigorosamente, pelo seu ideário em favor dos menos favorecidos.
A Princesa teve, a partir daí, uma visão de futuro. Sua vocação foi, certamente, derivada do que hoje começa a se reconhecer como uma visão progressista e antecipatória de problemas e soluções sociais. Ação decorrente de como ela via o seu futuro e, de como viria a influir no papel de mãe do futuro rei William, ou, ainda, como se dissesse: “Vejam que papel de rainha eu poderia desempenhar e a Inglaterra está perdendo”. Hoje, certamente, estas reflexões não estão ausentes, sobre como uma contribuição desta natureza melhoraria a visão sobre o espirito de serviço e o papel da monarquia.
Perdida esta alternativa de possibilidade pelos súditos, inclusive pelos neoliberais, Diana deixou um legado já aceito, publicamente, como contribuição positiva pelo gabinete trabalhista de Tony Blair. Partiu do seu gabinete lembrar a rainha Elizabeth da chamada “semana perigosa”, quando ela, de fato, não desejava prestar homenagens à princesa e reconhecer o preito de saudade que, espontaneamente, lhe rendia o povo do Reino Unido. Suas principais ações, sempre lembradas, deram nome a um projeto de homenagens a jovens entre 9 e 25 anos, envolvidos com projetos humanitários ao redor do mundo. É o Diana Awards, colocando os jovens no “centro do futuro”, como quer seu filho, o príncipe Harry.
Sua campanha pelo fim das minas terrestres provocou debates e admiração no Reino-Unido quando, em visita a Angola, caminhou por um campo que acabara de ser desminado, como parte de uma campanha para tornar ilegal o uso de minas terrestres ao redor do mundo levada a todos pela Cruz Vermelha Internacional. Com visitas de apoio a Angola e Bósnia.
A recém-conferência de Oslo, sobre Condições de Uso, produção e Estocagem de Minas, reconheceu o seu trabalho, homenageando-a com um minuto de silêncio. A campanha promovida por Diana, apoiada pelo Partido Trabalhista, na oposição era contrária à do Partido Conservador, mantendo a posição de que a Grã-Bretanha só deveria adotar uma posição contrária à colocação de minas nos territórios em conflito quando houvesse um consenso entre os outros governos para que elas fossem proibidas.
A visita da Princesa chamou a atenção do mundo para os males causados pelas minas e o imenso sofrimento humano resultante. Um ano depois, a ONU aprovou uma proibição internacional ao uso das minas terrestres. Apoiando à ação de sua mãe, o príncipe Harry defende a continuidade da desminagem em Angola, refazendo todo o trajeto feito por ela.
No plano externo, a condenação explícita à política de armamento na África Sul, leva o Presidente Mandela a considerá-la “a maior embaixadora que a Grã-Bretanha já teve”. Sensível ao alargamento do fosso entre os países ricos e pobres do mundo levantou bandeiras em favor dos desabrigados (frutos da pressão da competição salarial global); contra as causas da prostituição, chamando a atenção da Corte Inglesa para os problemas do homem comum. Com o seu modo atuante de ser, pensar, agir, deixou em aberto, para o povo inglês, a discussão política sobre as possiblidades de mudança das posições distanciadas da família real, da validade da monarquia e da continuação monárquica com o então príncipe Charles como rei.
A sua obra assistencial vastíssima em favor dos aidéticos, cancerosos, idosos, mutilados, desabrigados, principalmente crianças carentes e abandonadas que ela visitava, escutava e prestava ajuda, indo desde o carinho demonstrado em suas visitas até a ajuda material prestada. O legado dessa figura pública, marcante e carismática, limita-se para alguns, aos romances, à beleza e elegância distintas. Para outros, o haver conferido popularidade à monarquia que, por sua vez, a criticava por não ser uma aristocrata perfeita.
Sem dúvida, ela sempre quis ser mais do que uma simples figura decorativa, verdade expressa na estátua em sua honra, (01-07-22), quando faria 60 anos, é homenagem dos dois filhos, William, hoje príncipe de Gales e Harry, o duque de Sussex. Aberta à visitação pública, nos jardins do Palácio de Kensington de autoria do escultor Ian Rank- Broadley, está fundida no processo de cera fundida revestida de pátina verde azulado sobre preto, pela Castle Arts Foundry – a Princesa está com três crianças, representando a universalidade e o impacto de seu trabalho nas gerações que virão, tem a proposta de capturar um pouco do seu calor e humanidade. Com sensibilidade, o local escolhido nos jardins foi o redesenhado The Sunken Garden, o seu preferido. Numa pedra, em frente à estátua da princesa, está gravado o trecho de um poema intitulado The Measure of a Man, de Albert Schweitzer: “...Estas são as unidades para medir o valor / Desta mulher como uma mulher independentemente do seu nascimento. / Não qual era a posição dela? / Mas, ela tinha um coração? / Como ela desempenhou seu papel dado por Deus?”.
Em Paris, onde faleceu, ainda se reverencia a memória da princesa, diante da Flama da Liberdade, monumento erguido em sua homenagem, acima da Ponte d’Alma (31 de agosto de 1997). Adotado pelos admiradores, turistas de todos os países, e pelos nacionais, como um lugar de peregrinação, ali, sempre há flores, bilhetes e velas, todos demonstrativos do afeto popular pela princesa do povo.
Analisado
o conjunto da sua obra, a partir das próprias críticas de alguns políticos
ingleses sobre intrometer-se em “assuntos privativos dos políticos”, conclui-se
que assiste razão à resposta da Princesa: “Não sou uma figura política, sou um
ser humano e sempre serei”. A Princesa de Gales, com o seu comportamento, deu
um tom humanístico à política interna e externa da Grã-Bretanha. Ela foi de
fato a “Rosa da Inglaterra” (Goodbye
England’s Rose – Elton John) que floresceu para o mundo.
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