A NOVA
ORDEM
MUNDIAL
E A HISTÓRIA
Luciara
de Aragão*
Discorrendo sobre a ordem mundial de Estados, Henri Kissinger, afirma que ela será legitima quando afirme a dignidade individual e uma forma de governo participativa, cooperando em âmbito internacional segundo regras previamente acertadas. Sem dúvida, um progresso assim delineado exigiria uma sustentação proporcionada por vários estágios intermediários. Tal como Edmund Burke, Kissinger aceita que podemos “nos contentar com algum plano limitado, que não atinja exatamente a perfeição da ideia abstrata, do que nos obstinarmos em conseguir o mais perfeito”, evitando o risco de provocar uma crise ou o de sofrer uma desilusão ao insistir de imediato na solução pretendida (Hugh Thomas. The Golden Age: The Spanish Empire of Charles V. Londres: Allen Lane, 2010. p. 23).
Para ele, uma reconstrução do sistema internacional é o maior desafio que se pode colocar diante dos estadistas contemporâneos. A punição pela ausência de sucesso nesta área, não será tanto uma grande guerra entre Estados -embora essa hipótese, em algumas regiões, não possa ser excluída- mas uma provável evolução para esferas de influência identificadas com estruturas internas e formas de governo determinadas. Como exemplo desta assertiva, temos o modelo westfaliano em contraponto à versão radical islamista. (Cf. H. Fichtenau. The Carolingian Empire: the Age of Charlemagne. Nova York: Harper & Row,1964. p. 60).
Na órbita das suas respectivas áreas de influência, cada sistema que o integra, poderia ser tentado a testar sua própria força contra outras entidades de ordens não consideradas legítimas. As duas ordens, conectadas em rede, em comunicação instantânea, imporiam seus conteúdos uma sobre a outra insistentemente.
Como consequência, aos poucos, as tensões oriundas deste processo, acabariam por gerar manobras “em busca de vantagens ou de status numa escala continental ou mesmo mundial” (Henri Kissinger in A Ordem Mundial RJ: Editora Objetiva, 2015). Na visão de Kissinger, uma luta entre regiões poderia vir a ser ainda mais extenuante do que têm se mostrado as lutas entre nações. Esperemos que essa experiência não se consubstancie a partir do desdobramento da guerra na Ucrânia.
Como especialista em estratégia e geopolítica, coloca a busca contemporânea por ordem mundial, como uma exigência que requer uma estratégia coerente para estabelecer um conceito de ordem no interior de tão várias regiões, relacionando essas ordens regionais umas com as outras.
Quanto a isso, os objetivos não são necessariamente idênticos ou passíveis de serem conciliados um com o outro: o triunfo de um movimento radical pode vir a trazer “ordem para uma região enquanto prepara o cenário para uma convulsão no interior e entre todas as outras” (idem. Ibidem p.274). Sem dúvida, a prática vem revelando, que o domínio de uma região por um país, por meios militares, mesmo quando proporciona a aparência de ordem, poderia produzir uma crise para o resto do mundo. É necessário, pois, uma reavaliação do conceito de balança de poder.
Em teoria, a balança de poder deve ser calculável, mas na prática, revela-se quase impossível harmonizar os cálculos de um Estado com os de outros Estados, atingindo-se, assim, um reconhecimento comum de seus próprios limites individuais. Acresça-se o elemento conjectural da política externa, a necessidade real de coordenar ações com uma avaliação prévia, impossível de ser posta à prova quando é feita, mas sempre se revelando verdadeira quando se trata de um período de convulsão social.
É nesse quadro de incerteza que a antiga ordem social está em movimento, enquanto paira grande incerteza sobre a forma do que irá substituí-la. Tudo fica a depender, de alguma concepção do que nos guarda o futuro. As variáveis estruturais internas pouco constantes, produzem, quase sempre, avaliações diversas dos significados aparentes das tendências existentes e, mais importante, os critérios conflitantes utilizados para resolver essas diferenças. “Esse é o dilema do nosso tempo” (Op. cit. Idem. Ibidem).
Sua notável visão sobre o século XXI, prevê que, com o passar do tempo, os EUA serão menos excepcionais do que agora, embora o seu poderio militar continue sem rival no futuro previsível, a projeção de seu poder sobre a miríade de conflitos de pequena escala será um desafio conceitual de sua política externa. A pergunta sobre quais princípios os EUA devem basear sua política externa, neste século, ele responde em seu livro Diplomacia (Op. cit., p.887).
É que a história não fornece um manual, nem analogias plenamente satisfatórias. Mas a história nos ensina através de exemplos, e à medida que os EUA se encaminharem para águas desconhecidas, seria bom examinar a era anterior a Woodrod Wilson (o Wilsionísmo, com premissas como segurança coletiva e a conversão de rivais ao modo americano) e ao “século americano”, em busca de pistas sobre as décadas vindouras.
Advogando o papel dos Estados Unidos como líder de uma nova ordem mundial, pede uma estratégia e uma diplomacia à altura da complexidade dessa jornada — que façam jus tanto ao caráter elevado da meta. Para desempenhar um papel responsável na evolução de uma ordem mundial para o século XXI, segundo ele, os Estados Unidos precisam estar preparados para responder a perguntas, que elucidam a estratégia a ser adotada.
Certamente, fica óbvio, que para os Estados Unidos, líder dessa ordem, a busca por uma ordem mundial funciona em dois níveis: a celebração dos princípios universais precisa ser acompanhada pelo reconhecimento da realidade das outras regiões e culturas. Mesmo ao examinar as lições suscitadas pelas décadas mais difíceis, a afirmação da natureza excepcional dos Estados Unidos precisa ser sustentada, pois a história não concede tréguas a países que deixam de lado seus compromissos ou seu sentido de identidade para poder trilhar um caminho aparentemente menos árduo. Os Estados Unidos — na condição de mais decisiva articulação do mundo moderno na busca humana pela liberdade e de uma força geopolítica indispensável na defesa dos valores humanos precisam conservar seu senso de direção, manter e cumprir seu papel, fator geopoliticamente imperativo para os desafios do nosso momento histórico vivido.
Reconhecendo que a ordem mundial não poderá ser obtida por qualquer país que aja sozinho e seja uma genuína ordem mundial, Kissinger nos fala da necessidade de ter seus componentes, ainda que mantendo seus próprios valores, precisando adquirir uma segunda cultura que seja global, estrutural e jurídica — um conceito de ordem que transcenda a perspectiva e os ideais de uma única região ou nação. Neste momento da história, isso significaria uma modernização do sistema westfaliano incorporado as realidades contemporâneas.
É possível traduzir culturas divergentes num sistema comum? O sistema vestfaliano foi delineado por cerca de duzentos delegados, nenhum deles reconhecido pela história como um grande personagem, que se encontraram em duas cidades do interior da Alemanha separadas por 64 quilômetros uma distância então significativa, em dois grupos separados. Eles superaram seus obstáculos porque compartilharam a experiência devastadora da Guerra dos Trinta Anos e estavam determinados a evitar sua recorrência. Por óbvio, nossas possibilidades de ação são ainda mais difíceis.
Discorrendo sobre a ordem mundial de Estados, Kissinger afirma que ela será legitima quando afirme a dignidade individual e uma forma de governo participativa, cooperando em âmbito internacional segundo regras previamente acertadas. Um progresso assim delineado exigiria uma sustentação proporcionada por vários estágios intermediários Tal como Edmund Burke, Kissinger aceita que podemos “nos contentar com algum plano limitado, que não atinja exatamente a perfeição da ideia abstrata, do que nos obstinarmos em conseguir o mais perfeito”, evitando o risco de provocar uma crise ou o de sofrer uma desilusão ao insistir de imediato na solução pretendida (Hugh Thomas. The Golden Age: The Spanish Empire of Charles V. Londres: Allen Lane, 2010. p. 23).
Sabemos que desde a mais remota antiguidade temos a visão da vida humana irremediavelmente marcada por mudança e conflito. A “ordem mundial” era comparável ao fogo, “ardendo e se apagando conforme a medida”, com a guerra produzindo as mudanças no mundo. Mas “a unidade de todas as coisas jaz sob a superfície; e depende de uma reação equilibrada entre opostos”. (Op. cit. p.275) Decerto, o objetivo de nossa era deve ser o de alcançar o equilíbrio ao mesmo tempo em que se execute uma política de contenção contra a guerra e contra e contra o que ele denomina “cães de guerra”.
Graduado em 1950, com a tese Reflexões: Spengler, Toynbee e Kant, um preito a história é feito no encerramento do seu livro A Ordem Mundial. Referindo-se aos objetivos de nossa era, escreve: “temos de fazer isso em meio à corrente impetuosa da história. Para expressar essa ideia, ele usa a metáfora na qual se afirma que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. A “história pode ser imaginada como um rio, mas suas águas estarão sempre mudando, e acrescenta, há muito tempo, quando era jovem, fui arrogante o bastante para me julgar capaz de um dia emitir um juízo sobre O Significado da História.
Hoje sei que o significado
da história é algo a ser descoberto, não declarado. É uma pergunta a que
devemos tentar responder da melhor maneira possível, reconhecendo o fato de que
a questão permanecerá aberta ao debate; de que cada geração será julgada por
ter enfrentado ou não as maiores e mais relevantes questões associadas à
condição humana, e as decisões adequadas para fazer frente a esses desafios
precisam ser tomadas pelos estadistas quando ainda é impossível saber qual será
seu resultado”.
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