O SOCIALISMO FABIANO
Rui Martinho Rodrigues*
A sociedade fabiana foi fundada por intelectuais britânicos (Hubert Bland, 1855 – 1914; Edith Nesbit, 1858 – 1924; Frank Podmore, 1856 – 1910 e outros) nos anos oitenta do séc. XIX, logo após a morte Karl H. Marx (1818 – 1883). As influências teóricas de sua formação foram o marxismo e o liberalismo inglês. Recusaram o Estado classista e a tomada do poder pela força, diversamente dos bolcheviques.
Diferente da social democracia, não visavam conquistar cargos nos governos. Queriam reformar a sociedade modificando a cultura, atuando nos estabelecimentos de ensino, na imprensa, igrejas de modo semelhante ao que Louis Althusser (1918 – 1990), no século seguinte, chamaria de aparelhos ideológicos do estado (por indiferenciar Estado e sociedade por influência hegeliana).
O modo de realização da reforma social dos fabianos é a reconstrução da sociedade (reengenharia social e antropológica, criando uma nova sociedade e um novo homem) pela via das possibilidades morais, enfatizando valores humanísticos, sem pensar na produtividade e na eficiência, oferecendo bem-estar, não por uma economia mais produtiva ou pela solução de problemas técnicos, sem premiar os mais eficientes, aquinhoando a ineficiência com o desfrute do Estado provedor.
Mudar a ênfase do desenvolvimento cognitivo para a sensibilidade emocional e reforma psicológica, em nossos dias, descrita com farta documentação por Pascal Bernardin (1960 – vivo), na obra “Maquiavel pedagogo”, que cita documentos da ONU, da União Europeia e do Ministério da Educação da França, é semelhante ao modelo fabiano, sem que necessariamente haja uma inspiração direta dos reformadores britânicos.
Distributivismo fiscal, criação de emprego por meio de obras públicas e estatização de empresas eram os instrumentos de realização política do desiderato socialista, que não se limitava aos aspectos econômicos. A transformação da cultura estava entre suas metas. Influenciaram as políticas sociais britânicas até os anos oitenta do Século XX e quase todo o mundo até hoje. Aposentadorias, pensões, seguro desemprego, serviços de saúde e outros benefícios eram fins e ao mesmo tempo meios de fazer prosélitos, no que foram muito bem-sucedidos.
O controle da linguagem foi largamente praticado. Tributos foram eufemisticamente renomeados como “contribuições”, proprietários pejorativamente redefinidos como “privilegiados”, gastos governamentais como “investimentos”, de modo semelhante ao léxico ortodoxo politicamente correto de hoje, mas sem a agressividade dos nossos dias. Elogiavam o regimente soviético pelos fins almejados, não pelos meios empregados. Não buscavam os benefícios do livre mercado, da ordem espontânea descrita por Friedrich Hayek (1899 – 1992), da competição pela eficiência premiando os mais produtivos.
As boas intenções dos fabianos não lograram obter sucesso. O crescimento do Estado eleva custos, cria uma burocracia privilegiada e conduz a crise fiscal. Os indicadores de qualidade de vida, tais como esperança de vida, mortalidade infantil, escolaridade e analfabetismo e acesso aos bens e serviços não param de melhorar desde a Revolução Industrial havida como desumana. Hong Kong, uma ilha e um pedaço de península sem nenhum recurso natural, em meio século, sem enveredar pelo caminho dos “direitos sociais”, criou bem-estar produzindo para os seus cidadãos uma renda maior do que a dos britânicos.
O Estado provedor só foi possível depois que a ordem espontânea estimulou a produtividade, gerou riqueza, a riqueza gerou empregos e financiou o Estado que assumiu a paternidade da melhoria da qualidade de vida. A inexistência de benefício sem custos limita o desfrute sem vínculos com a produtividade. A crise fiscal do Estado do bem-estar chegou depois de um longo tempo, graças aos avanços da produtividade e da eficiência em geral da sociedade aberta (Karl Raymond Popper 1902 – 1994). Mas as reivindicações tendem a crescer, já que as aspirações são infinitas e os recursos finitos.
As trocas internacionais assimétricas possibilitaram aos europeus o desfrute sem ônus, transferindo custos para os países periféricos. Mas o modelo enfrenta dificuldades com a transformação da divisão internacional do trabalho reduzindo as assimetrias nas trocas internacionais. Então a crise fiscal chegou.
Os custos do Estado do bem-estar europeu, com enorme carga tributária, contribuíram para deslocar indústrias para a Ásia. O desemprego estrutural não decorre da ordem espontânea, mas principalmente do Estado provedor. A automação não é a principal responsável pelo desemprego, pois gera riqueza e riqueza gera emprego.
A sedução do pensamento fabiano é
poderosa. Oferece a autoimagem de altruísmo sem ônus, terceirizando a
solidariedade, transferindo-a para o Estado a ser financiado por outros; permite
confundir desejo com direitos; transforma em arauto da justiça quem se incomoda
com a condição dos mais aquinhoados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário