sábado, 10 de abril de 2021

ARTIGO - A Condição Humana (RMR)

 A CONDIÇÃO HUMANA
Rui Martinho Rodrigues*

 

O sonho de emancipação humana vive. Criar uma sociedade apta a produzir um novo homem, cuja sociabilidade supere os problemas mais agudos da vida em sociedade, é parte da imaginação política desde de Platão (428/427 – 348/347), com “A República”, que a muitos entusiasma até hoje. O pensador ateniense, desiludido, retratou-se da quimera na obra “As Leis”. Mas a lucidez é menos sedutora do que a fantasia. 

A retratação é abandonada pelos que divulgam obras dos pensadores. “As leis” suscitam uma reflexão fundamental, apresentando “a república” como uma ordem social para anjos, não para homens. Seria a condição humana um fator limitante das possibilidades de organização social? 

Caso seja assim, a sociedade terá o demiúrgico de criar e um novo homem. Hannah Arendt (1906 – 1975), na obra “A Condição Humana”, ressalta o labor, a possibilidade de ação apta a modificar situações ao desenhar o perfil da nossa condição. Modificar situações é capacidade pacificamente reconhecida como atributo do Homo Sapiens. A retratação de Platão propõe o problema dos limites de tal capacidade, não a negação de tal atributo.

Renê Nöel Theophile Girard (1923 – 2015), na obra “Do Mimetismo à Hominização”, discorrendo sobre a ruptura radical do processo pelo qual nos fizemos humanos, ressalta o conflito mimético. Somos o animal que imita e conflita com quem imita. Ser o outro, tomar o seu lugar leva ao conflito, diz o pensador citado. Acrescente-se que a identidade construída pelo mimetismo tem a função de suprir lacuna. 

O tubarão nasce para ser um predador do seu meio. O homem nasce sem um perfil definido, podendo ser muitas coisas. John Locke (1632 – 1704), na obra “Alguns Pensamentos Sobre Educação”, descreve a condição humana, ao nascer, como uma página em branco, na qual se pode “escrever” coisas muito diferentes. A página em branco pode ser a lacuna que o mimetismo preenche. 

Mas seria a tal “página” totalmente em branco? O interdito do incesto e o próprio conflito mimético parecem indicar fatores típicos da continuidade superpostas as rupturas. Expressões faciais, também conhecidas como máscaras de expressão, são observadas em crianças de tenra idade, sorrindo, reagindo às expressões dos comunicantes, como algo já dado. 

Haveria um núcleo mínimo, não histórico, constitutivo da natureza. As leis dos antigos códigos, a despeito do isolamento geográfico, guardam grande semelhança entre si. A longa duração é um fenômeno histórico sugestivo da existência de algo estável, mais do que uma condição fortuita, uma natureza humana. 

A literatura reúne ambiente, personagens com seus atos ao lado dos fatos, compondo um enredo. Obras literárias multisseculares, de povos de culturas diferentes, apresentam aspectos comuns aos dramas contemporâneos. 

As mesmas paixões, medos ambições e conflitos, até personalidades parecem atuais, passando por cima das diferentes formas de organização social, ou distintos modos de produção, se preferem. 

Até “O Mal-Estar na Civilização”, de Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939), insatisfações do convívio social são universais e atemporais. Sugerem a existência de uma natureza humana. 

A existência de uma natureza humana é obstáculo ao projeto de reengenharia social e do homem. Sonhos políticos são semelhantes aos mitos tradicionais, conforme Raoul Girardet (1917 – 2013), na obra “Mitos e Mitologias Políticas”. São mais primitivos do que racionais. O impedimento aludido frustra os nefelibatas e desgraça os seus seguidores.

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