quinta-feira, 14 de outubro de 2021

ARTIGO - A Defesa Intransigente do Bem (RMR)

 A DEFESA
INTRANSIGENTE
DO BEM
Rui Martinho Rodrigues*

 

A observação histórica mostra grandes torpezas praticadas em nome dos valores mais elevados. Vários fatores contribuem para tanto. Um deles é a cegueira e a incomunicabilidade dos paradigmas (Thomas S. Kuhn, 1922 – 1996); ou ao obstáculo epistemológico constituído pelo conhecimento prévio (Gaston Bachelard, 1884 – 1962). Kuhn demonstra que o conjunto de pressupostos e métodos pelos quais as informações são processadas impedem a compreensão do que é estranho ao referido conjunto. Bachelard percebeu que o conhecimento considerado válido gera convicção, certeza e resistência para com informações contrárias. 

Kuhn ressaltou: a comunidade científica nunca aceitou revoluções científicas, apesar de bem fundamentadas. Max K. E. L. Planck (1858 – 1947) teria dito que a Física só avança quando morre uma geração de físicos. A barreira cognitiva e a visão da diferença como torpeza se relacionam. Daí até o combate violento ao que supostamente é uma ignomínia é apenas um passo. Os meios intelectuais e até os círculos das chamadas ciência duras são vulneráveis à convicção e intolerantes. Louis Pasteur (1822 – 1895) foi considerado louco por contrariar a teoria dos miasmas, embora apresentasse robustas evidências da teoria microbiana. Sigmond S. Freud (1856 – 1939) foi expulso do Conselho de Medicina de Viena. 

A convicção acerca do que seja virtude e vício leva à pratica da violência porque percebe as razões do outro como ignorância ou má-fé. A primeira reação pode ser no sentido de conscientizar ou catequizar o alienado, ignorante ou preconceituoso. O passo seguinte, quando o alienado resiste, é excluir, intimidar ou desqualificar (queimar na “fogueira”). John Locke (1632 – 1704), nas “Cartas sobre a tolerância” adverte: a que convicção ignora a falibilidade humana. Atribui apenas ao outro a possibilidade de erro. O reconhecimento da própria falibilidade é um antídoto contra a intolerância. 

Mas não só a incomunicabilidade estimula a intolerância. Outro fator poderoso é a ética teleológica, que justifica os meios em nome dos fins. Uma teoria clássica do Direito Penal ressalta a ação finalista do agente, circunscrevendo o dolo aos objetivos do sujeito da ação. O desejo de fazer o mal tipifica o dolo. 

O propósito de fazer o bem, ainda que cause algum dano, substitui o dolo pela culpa em sentido estrito. Fazer o mal em nome do bem, nada obstante, não se confunde com negligência, imprudência ou imperícia, que são os elementos da culpa. Ainda que pensando defender os valores mais elevados, sem os fatores constitutivos da culpa o que temos crime doloso. 

A presunção de superioridade moral e intelectual, suposto fundamento de defesa do bem, não se confunde com pureza. Nem é apenas um obstáculo epistemológico. Arrogância e subterfúgio para defender interesses inconfessáveis e paixões pouco republicanas podem se ocultar sob os “mais elevados fins”. 

O artifício é antigo. Paulo já advertia contra a capacidade de enganar, do mal com aparência do bem: “não é de admirar, pois o próprio Satanás se transforma em anjo de luz (II Carta aos coríntios, 11; 14). A exibição de virtudes pode ser um gesto de quem se sente sujo. 

Bandidos praticam violência contra autores de certos crimes. A violência contra os que cometem alguns erros pode ser uma tentativa de afirmar virtudes inexistentes. A polarização da sociedade tem algo de exaltação de torcida de futebol, da incomunicabilidade dos paradigmas, do desejo de aparentar virtude e de artifício enganador.


terça-feira, 12 de outubro de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (11.10.2021)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
(11.10.2021)   




PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta segunda-feira, que teve duração de uma hora e meia, sete acadêmicos. OJornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos,o Bacharel em Direito e   Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel (Maricá - RJ)

Também  o Engenheiro Agrônomo e Poeta Paulo Ximenes, o Médico, Teólogo e Latinista Pedro Bezerra de Araújo,  o Físico e Professor Wagner Coelho, o Agente de Exportação Dennis Vasconcelos (Maringá-PR) e o Marchand Sávio Queiroz Costa.  
 


TEMA DE ABERTURA

Na abertura da reunião desta segunda-feira, Paulo Ximenes suscitou o tema das armas de fogo, aquelas que sejam lícitas, adequadas à proteção da cidadania, das famílias, do patrimônio, contra as armas bandidas que ameaçam a sociedade. 

Comentou-se o referendo de 2005, em que o povo votou contra a restrição ao acesso das pessoas de bem a sua arma de defesa, consulta popular cujo resultado foi depois desconsiderado pela Administração Pública, interessada em desarmar o povo para concentrar o poder coercitivo na mão dos Governos, em detrimento da segurança pública nacional. 

 OUTROS TEMAS ABORDADOS

Na sequência, tratou-se sobre o distúrbio psíquico da depressão, doença que atinge mais as pessoas inteligentes e sensíveis, notadamente as mulheres, pessoas mais suscetíveis às contradições da existência, aos dilemas filosóficos, às incongruências da vida moderna. 

Reginaldo Vasconcelos, a propósito dessa assertiva, lembrou a frase freudiana, provavelmente timbrada pela psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960)  "a depressão é o grito da personalidade querendo crescer".

Sobre o tema, Pedro Araújo, que é médico, e que, dentre outras especializações clínicas que ostenta, consta a psicopatologia, discorreu longamente sobre essa doença do humor, que acomete tanta gente em torno do Planeta, e que, não raro, leva ao suicídio.    


PERFORMANCES LITERÁRIAS

O tema da depressão inspirou algumas manifestações literárias, como a leitura de um excerto do livro de crônicas de Reginaldo Vasconcelos – Traços da Memória-Laços da Província (1990), feita pelo autor, em que ele relata a sua passagem pela depressão, trecho que abaixo reproduzimos. 


UM ANJO 

De repente me senti sabido para as coisas retas, para as coisas dessabidas, para as perspectivas dolorosas. Abandonei posições de ingenuidade saborosa; estanquei projetos deliciosamente fúteis; era preciso ser mais realistas que o sol. E, por fim, o corpo adoeceu, já que desaprendia o voo da vida. 

Debalde um Dr. Oswaldo Cruz, homônimo do grande médico, procurou a enfermidade. Concluiu enfim: patologia do humor somatizada. E indicou especialista. Carecia confessar, abrir o peito, expor cruamente as quinquilharias da alma. Enfim, eu precisava de um anjo, não de um médico, porque há médicos dos dois sexos. 

Seria uma mulher, que de dentro de seu pequeno drama feminino, me poderia tirar do poço? Como esse ser coberto de tinta e adereços, pisando sobre dois palitos, desnudando-se ou se cobrindo de mistérios para encantar os homens incautos, poderia me curar? 

Por outro lado, como um ser masculino, garotão desvirtuado pelo ranço varonil, vitimado em sua virilidade pelos grilhões do matrimônio, incurso no ridículo do adultério sempre que possível, tabagista vencido, mentiroso social, estaria à altura de ouvir as minhas verdades? 

Não... eu precisava de um anjo.


Traços da Memória - Laços da Província - Crônicas - Reginaldo Vasconcelos - 1990. 

 

Sávio Queiroz, por seu turno, lembrou uma frase do poeta russo Vladimir Maiakóvski: "Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa. Fica bem aqui no meio do peito. Mas comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração". 

Dennis Vasconcelos, a seguir, disse um texto de sua lavra, extraído de um momento de melancolia, como se verifica a seguir:




MISTÉRIO

 

Hoje sou… Amanhã , só a Ele… Ele sabe e diz tudo do que serei.

A dor no meio do peito me confunde. O que haverão de ser meus dias futuros?

Fico aqui a tomar meus vinhos de deleite, esperando o melhor…

Dores não me doem. Forte sou, mas “me poupa do vexame de morrer tão moço”!!! 

Sim. Dores, que eles não as tenham. Ou então, a dor dói mais em mim.

Pior! O medo é que não deixa a certeza do que sentirão por mim. Saudade? Ou simples alívio? Não importa! Faço hoje e sempre farei…

O amor ao Pai me conforta e me mantém. 

Vivo até o último momento. E rogo: Senhor, Pai Maior! Ponhas-me perto de ti!

Tenho, sim, me entregue a Ele. A voz diz a mim o que pode ser de mim.

E continuo no mistério do meu amanhã, sentindo a minha sentida dor.


Dennis Vasconcelos 

Maringá-PR – 15/10/2011

 

Por fim, Pedro Araújo, trazendo de volta o astral descontraído, disse um belo poema de seu saudoso pai Alexandre, que meu próprio pai apreciava e sabia de cor, sobre o beijo apaixonado:



 
DEDICATÓRIA 





A reunião virtual da ACLJ realizada nesta segunda-feira foi dedicada ao arquiteto, artista plástico, cronista, poeta e comunicador Totonho Laprovitera.

Ele é Membro Titular da ACLJ, e seu excelente programa semanal de entrevistas, Mosaico, que vai ao ar pela TV Otimista, nesta semana completou um ano de sua estreia, marcada por essa fotografia abaixo, com Beto Studart e Karla Karenina. 

Acima, na noite de sua posse na ACLJ, no Iate Clube, em 2017, na imagem com a Benemérita Paula Queiroz Frota e o Presidente Reginaldo Vasconcelos. 



Totonho é, seguramente, uma das personalidades mais queridas da sociedade cearense, das mais bem relacionados nos meios artísticos, intelectuais e boêmios da cidade – artista brilhante, grande caráter, um agitador cultural sempre empenhado na preservação da cearensidade, da fala regional, da história do Estado. Coleciona imagens e fatos envolvendo celebridades locais, nacionais e internacionais, com as quais a sua geração se relacionou.


 


  
    

COMENTÁRIO 

Confrades e confreiras, quanta honra!

Essa dedicatória faz bater mais forte o meu coração e incentiva o meu espírito a seguir o caminho que a generosa Arte me desenha: o de promover o bem na vida! 

Sou-lhes muito agradecido. 

Abraço fraterno. 

Totonho Laprovitera

 


CRÔNICAS - Peixes e Aves (TL)


PEIXES
Totonho Laprovitera*

 

Quando se acende o dia, na praia cada pescador mareja com sonhos seus olhos que refletem a risca do mar. Partem na jangada, irmãos, até onde a vista alcança. Em cada casa espera cada Maria o sustento da família, o de comer. 

Suas calejadas mãos longe soltam a rede aos peixes, em arrastão a linha corre e desenha em cada onda o desejo de tornar. 

Nas águas brilha a esperança na derradeira luz do sol. Na volta o mergulho do infinito banha o céu de alvo luar. 

E suas vidas mansas continuam tal qual vela em calmaria, pois quem vive de precisão bem melhor reparte o pão. 

Entre luas e sóis, nos vaivéns das marés, na arte eu mergulho e pesco à mão desenhos de peixes. 






PÁSSAROS
Totonho Laprovitera*
 

Eu gosto de desenhar pássaros ouvindo música, pois assim eu voo por todos os cantos. 

Em quase todas mitologias as imagens de pássaros são comuns. Em referência ao divino, por terem asas e o poder de voar, eles são aves mensageiras entre o céu e a terra. Também representam a alma, porque voam para se libertar do mundo terreno. Os pássaros simbolizam a inteligência, a sabedoria, a leveza, o divino, a alma, a liberdade e a amizade. 

Caminhando pela cidade de Fortaleza, em cada bairro, em cada lugar, eu acho e guardo pássaros imaginários que pousam na inspiração de meus desenhos. É a poesia a partir da combinação de ideias e vivências. 

Os pássaros oferecem esperança e sorte. Seus cantos, muitas vezes cometidos enquanto voam, representam a felicidade e alegria de viver. Tais quais Sankofa, pássaro mítico africano, os “Pássaros de Fortaleza” simbolizam a volta para colher conhecimentos do passado, a sabedoria e a busca da herança cultural dos antepassados para estabelecer um futuro melhor. 

Como pássaro aprendi que...

Calma a natureza encanta, em paz o som ilumina e faz secreta a alma dos animais, abrigo que a vida encontra.

E na sede da eternidade, quem se vê no poço do desejo tem claro nos olhos o ensejo do brilho de mais uma saudade. 

São beijos que marcam o pescoço como quem de vez o doce fruto devora da casca ao caroço.

E chega a coragem de voar, que vem com o medo de cair, eis os pássaros a nos ensinar. 






 

domingo, 10 de outubro de 2021

ARTIGO - Aporias do Pensamento Político (RMR)

APORIAS DO
PENSAMENTO POLÍTICO
Rui Martinho Rodrigues*

 

O pensamento político se fixa nos mesmos pontos desde a Antiguidade: pobreza, exploração, emancipação, legitimidade política, igualdade, liberdade e a historicização integral do homem. A modernidade introduziu conceitos como exército de reserva, pauperização; novas pautas, como a liberdade de ser, ao lado da liberdade de agir, a redução da História ao conflito, cientificismo amparado no monismo metodológico, progresso, engenharia social e novo homem. 

Pobreza pode ter sentido objetivo, medida pela renda, acesso aos bens, esperança (estatística) de vida ao nascer, mortalidade infantil, analfabetismo, anos de escolaridade. Outra é a pobreza comparada, medida pela concentração de renda, diferenças de oportunidades interpretadas como desigualdade (injustiça) e até participação política. Pobreza comparada tem dois aspectos: oportunidades na linha de partida; e resultados na linha de chegada. 

Desigualdade tem o sentido de injustiça, em “Igualdade e diferença” (José D’Assunção Barros, 1957 – vivo). Diferença é apenas variação fática. Justiça é conceito indeterminado, tem contornos polêmicos. A diferença havida como injustiça não é matéria pacifica. O direito universal ao desfrute das mesmas coisas, independentemente do que tenha feito ou deixado de fazer, é matéria controversa. O mínimo existencial padronizado, por sua vez, enfrenta o desafio da singularidade dos aspectos subjetivos. A reserva do possível é assunto evitado no discurso político. Tais lacunas são fugas da realidade e de aporias? 

A exploração pode ser incidental no trabalho assalariado, como sonegar direitos assegurados em lei, a exemplo da remuneração adicional por hora extra. Pode, ainda, ser do tipo supostamente imanente ao trabalho assalariado, conforme a tese da expropriação da mais valia, com base na teoria do valor-trabalho. O socialismo real nunca adotou tal critério na remuneração do trabalho. Não é valor de troca, dizem os seus defensores, mas de uso. Logo, não é valor econômico nem afetivo. Nem considera as práticas sociais observáveis. Não sendo funcionalidade também não pode ser valor de uso. Não é fenomênica. É uma ontologia do valor (metafísica). Logo, não é ciência. 

O cientificismo da engenharia social é uma “engenharia metafísica”. É impasse, é aporia. As teorias da exploração e da pauperização são contrariadas pela melhoria dos índices de pobreza objetiva. Refugiam-se na pobreza comparada, prestigiados pelo índice de Gini (Corrado Gini (1884 – 1965). Pressupõe uma exigência de igualdade material na reta de chegada, algo muito polêmico, posto como matéria pacífica. A tese do exército de reserva, associada ao tema da pobreza, ignora a dinâmica da economia moderna, que tende a optar pelo trabalhador qualificado, mais produtivo, pagando melhores salários. Quem poupa nos salários sacrifica ganhos de produtividade, é economia arcaica, tendente ao fracasso. Os clubes de futebol de sucesso, o agronegócio e as empresas modernas em geral pagam altos salários a quem é produtivo. O exército de reserva é típico dos negócios antiquados. 

Igualdade também leva a impasse. A equiparação material não convive com liberdade. Pessoas livres se diferenciam. É preciso esclarecer se cogitamos da igualdade de todos em tudo (sem experiência histórica); de todos em algo (todos são obrigados a obedecer a lei); de alguns em tudo (os reis filósofos da “República” de Platão (428 a.C. – 348 a. C.); ou de alguns em algo (aposentadoria para quem preenche certos requisitos). Igualdade como palavra solta nada esclarece, mas é usada assim.

CRÔNICA - O Inesperado Acontece (PX)

          O inesperado acontece...
Paulo Ximenes*

 

Nove horas da manhã e o sol já importunava o mundo. O terreno era longo, sinuoso, acidentado e a mata rala não dava conta de aliviar a quentura. O velho apressava os passos, empinava a coluna, criava a impressão de um homem esguio. Ofegante, centralizava o chapéu de couro na cabeça e enxugava o suor com a manga suja da camisa. Seu vigor era impressionante. Quem já viu um sertanejo nordestino ter medo de alguma coisa ou esmorecer no caminhar? Mas nada justificava aquela espingarda calibre 12 e aquele facão preso à sua cintura, que de tão grande se arrastava pelo chão. E, ainda por cima, a cartucheira cruzada ao peito, que lhe emprestava um ar de jagunço.

O velho ia sempre na frente, abrindo caminho com o facão.  O terreno logo se embrenhou pela mata. Era a subida de um serrote. Com um olhar desconfiado, de vez em quando ele fazia uma parada brusca e pedia silêncio. Alguns segundos de total imobilidade e vigília. Examinava o matagal como quem procurasse por um demônio. Depois, com um leve aceno de braço, liberava o engenheiro agrônomo que lhe acompanhava (realizando serviço de regularização fundiária) para prosseguir viagem. A marmota levou o técnico a se lembrar daqueles velhos filmes americanos da Segunda Guerra em que fuzileiros navais avançam em terrenos minados. 

O técnico, calejado e corrido no mundo, armado apenas com uma caneta e uma prancheta, começava a estranhar aquela estratégia de guerra. Mas não fazia perguntas. Não queria demonstrar medo nem dar cabimento às crendices. Nem descartar quaisquer outras hipóteses. E se fosse o caso de um serial killer socado naquelas matas?  

O trabalho de demarcação e avaliação de terras, até que um novo conjunto de conhecimentos científicos se apliquem a ele, será sempre algo fatigante. Requer disposição, vigor físico e coragem por parte de quem o executa. Para dar conta desse recado, muitas vezes é preciso se palmilhar distâncias, que se abram caminhos à golpes de foice, que se salteiem cercas de arame farpado, que se metam os pés nos rochedos das cobras, que se tangenciem casas de maribondo... 

Mais uma vez o “nosso jagunço” levantava o braço e tornava a interromper a caminhada. Sua investigação misteriosa sobre algo vivo e invisível dentro da mata, já se tornava uma parvoíce: dedo no gatilho, olhos e ouvidos atentos, contração muscular de um predador camuflado na iminência de um ataque. Cena digna de um Alfred Hitchock. Contudo, entre uma suspensão e outra, o trabalho deu-se por concluído.  Mas com a aproximação do pôr-do-sol, o velho recomendou a apressar os passos. “É muito perigoso ficar nessas matas a essas horas!”. 

Aí já era demais! Passados alguns minutos de uma quase correria, o técnico, já meio ofegante, não se conteve: 

– Perigoso? Por quê?  

– Tem um leão enorme nessa mata. Eu mesmo vi! 

– Um leão?!!! 

– Sim senhor. Tem um leão aqui. Ontem ele comeu o garrote de compadre Joaquim. Só sobrou o couro e os ossos! 

Depois de ponderar que talvez o velho fosse um alienado mental ou um alguém a sonhar que estava no “Parque dos Dinossauros”, ele insistiu nas perguntas: 

– Não foi uma onça que o senhor viu? 

– Não! Foi um leão.  

– Mas, meu senhor, nós estamos no Ceará! Só existem leões na África. O senhor está enganado! 

– Tô não senhor! Eu já vi onça. Esse era um leão. E dos grandes. E, arqueando os braços, complementa: “a juba é desse tamanho!!!”.  

Ó bípede acéfalo! Como esperar de ti uma manifestação de senso? Assim fremiam as linhas do pensamento deste avaliador de terras, vendo-se obrigado a caminhar rápido numa atitude desarrazoada, com o dia já virando noite, vendo a hora de tropeçar nas pedras da vereda... Na avaliação dele, aquela conversa já descambara para a chacota. 

Exaustos, chegam à choupana. Finalmente um ar de sossego e paz. Hospitalidade de sertanejo nordestino é outro nível. Cheirinho bom de comida, barulho de pratos e talheres. Mas do nada, a dona de casa reascendeu o assunto: “Não deixei o meu neto ir pra a aula hoje, mode o leão!”. E olhando para o agrônomo, querendo incluí-lo na conversa, emendou: “ontem quase ninguém dormiu aqui com o rugido da besta-fera!”. O técnico respondeu com um sorriso amarelo, e, decidido a não tocar mais no assunto, depois da janta, armou sua rede na varanda da casa, lá fora, quase ao relento. Seus anfitriões, assustados, pediram para ele dormir dentro de casa, na sala. Insistiram muito. Mas o forasteiro, querendo mostrar que não existe leão africano no Ceará, estava decidido a pernoitar na varanda.

No dia seguinte, após o café da manhã e os agradecimentos pela boa acolhida, com um longo e calado aperto de mão, ele olhou fundo nos olhos do velho e tomou o rumo da cidade de Itapipoca. E, no breu do seu âmago, pareceu-lhe ter deixado nos moradores da humilde casa a lição de que a falta de conhecimento e as crendices andam juntas e que, via de regra, elas nos levam a lugar nenhum. Chegando à cidade de Itapipoca, defronte a uma banca de revistas, estava lá estampada na primeira página de um jornal para todo mundo ver: “Leão foge de circo em São Bento de Amontada”


 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (05.10.2021)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
   (05.10.2021)




PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta terça-feira, que teve duração de uma hora e meia, nove acadêmicos. O Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Bacharel em Direito e Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel (Estado do Rio)

Também  o Engenheiro Agrônomo e Poeta Paulo Ximenes, o Médico, Teólogo e Latinista Pedro Bezerra de Araújo, o Advogado e Sionista Adriano Vasconcelos (Fazenda Três Corações), o Físico e Professor Wagner Coelho, o Jornalista Wilson Ibiapina (Brasília), o Professor e Procurador Federal Edmar Ribeiro e o Jornalista e Sociólogo Arnaldo Santos. 
 

TEMA DE ABERTURA

Wilson Ibiapina  abriu a reunião virtual da ACLJ, nesta terça-feira, estimulando a retomada do projeto "Um Livro Aberto", iniciado em fevereiro de 2019, quando então foi interrompido pela pandemia de Covid. 


A ideia é produzir entrevistas videográficas com intelectuais cearenses veteranos, já tendo sido realizadas três edições. A primeira com o jornalista Lúcio Brasileiro, que é recorde mundial de colunismo de jornal ininterrupto, por mais de 60 anos; a segunda com o advogado, político, Presidente Emérito do Tribunal de Contas da União, o Ministro Ubiratan Aguiar, dito "O Poeta dos Guardanapos"; e a terceira com o museólogo Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, ex-diretor do Museu da Imagem e do Som do Ceará, dono da maior coleção de documentos fotográficos, cinegráficos e fonográficos do Estado  o Arquivo Nirez. 
     

OUTROS TEMAS ABORDADOS

Reginaldo Vasconcelos comunicou ao grupo a reabertura do Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras e da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, fechado por dois anos em razão da pandemia, evento singelo e simpático, na manhã desta terça-feira, dia 05 de outubro.



 

Em reunião simbólica promovida pela Academia Cearense de Letras, tendo à frente o seu Presidente, Dr. Lúcio Gonçalo de Alcântara, e sua consorte, a poetisa Beatriz, foram homenageados com  placas "Guardiães da Cultura" os dois mais antigos "alfarrabistas" cearenses – Geraldo Magela e Geraldo Duarte.



O Dr. Lúcio Alcântara – médico, ex-Prefeito de Fortaleza, ex-Governador do Ceará, ex-Senador da República, Presidente da Academia Cearense de Letras, quis agraciar velhos livreiros que, por muitas décadas, dedicam-se à venda de livros usados, os famosos "sebos", frequentados pelos amantes da leitura em todas as cidades do planeta, aonde intelectuais vão procurar exemplares de edições esgotadas de obras livrescas importantes. 

Na oportunidade, por sugestão do Dr. Lúcio,  o empresário Pio Rodrigues e o Administrador de Empresas Júlio Santos, Secretário da Prefeitura da Capital, responsável pela administração do Centro da Cidade, comprometeram-se a organizar e passar a promover o Festival Anual do Livro, na Praça dos Leões, que pertence ao histórico conjunto arquitetônico de que o Palácio da Luz é o prédio principal – estreando no próximo período natalino. 

Compondo a mesa, da esquerda para a direita, o Dr. Júlio Santos, o representante do Sesc-Senat Dr. Gastão Bitencourt, o Bibliófilo José Augusto Bezerra,  o Dr. Lúcio Alcântara, o escritor Juarez Leitão, o Jornalista Reginaldo Vasconcelos e o Professor Edmilson Caminha. 

Na Tribuna de Honra o empresário Pio Rodrigues, o radialista Vicente Alencar, o escritor Barros Alves e as poetisas Lourdinha Leite Barbosa e Beatriz Alcântara. Como Mestra de Cerimônia a competente administradora da ACL, Regina Fiúza, acolitada pela Secretária Cláudia.       



PERFORMANCE LITERÁRIA

Edmar Ribeiro  apresentou um precioso exemplar da Revista "Leitura para Todos", edição de outubro de 1919, e dela leu um poema do imortal da Academia Brasileira de Letras Olegário Mariano, intitulado "Primavera". 

Olegário Mariano (Olegário Mariano Carneiro da Cunha), poeta, político e diplomata, nasceu no Recife, PE, em 24 de março de 1889, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1958. 

Em concurso promovido pela revista Fon-Fon, em 1938, Olegário Mariano foi eleito, pelos intelectuais de todo o Brasil, Príncipe dos Poetas Brasileiros, em substituição a Alberto de Oliveira, detentor do título depois da morte de Olavo Bilac, o primeiro a obtê-lo. 

Além da obra poética editada em livros a partir de 1911, e enfeixada nos dois volumes de "Toda Uma Vida de Poesia" (1957), publicados pela José Olímpio, Olegário Mariano publicou, durante anos, nas revistas Careta e Para Todos, sob o pseudônimo de João da Avenida, uma seção de crônicas mundanas em versos humorísticos, mais tarde reunidas em dois livros: "Bataclan" e "Vida, Caixa de Brinquedos". 

Sua poesia lírica é simples, correntia, de fundo romântico, pertinente à fase do sincretismo parnasiano-simbolista de transição para o Modernismo. Ficou conhecido como o “poeta das cigarras”, por causa de um de seus temas prediletos.



  
DEDICATÓRIA 




A reunião virtual da ACLJ realizada nesta terça-feira foi dedicada ao jornalista veterano Alexandre Garcia, Membro Honorário da ACLJ, reconhecidamente o mais importante homem de imprensa brasileiro contemporâneo, com mais de 60 anos de militância jornalística.

O jornalista gaúcho, radicado em Brasília, teve passagem pela assessoria de imprensa da Presidência da República, e pelas maiores empresas jornalísticas do País, dentre elas o Jornal do Brasil, para o qual cobriu a crise argentina por três anos, e a Rede Globo, na qual trabalhou por 30 anos, e em que foi Diretor de Jornalismo.

Alexandre Garcia, durante os anos 80, foi correspondente de guerra em conflitos internacionais – Líbano, Malvinas, Angola, Namíbia  experiência que é a pedra de toque para atestar a gloriosa biografia de um repórter. 

A fotografia acima é uma arte realizada pela editoria deste Blog, como pleito de carinho ao nosso ilustre Membro Honorário, que ainda virá ao Ceará receber solenemente a sua pelerine ritual. 

Nesta semana Alexandre Garcia foi objeto de diversas entrevistas e reportagens na imprensa brasileira mais isenta, bem como centuplicou o número dos seus seguidores nas redes sociais 
– que já eram milhões  por ter desbancado o principal slogan da emissora americana CNN, que, apesar de se dizer "Líder em Independência", censurou a sua participação no quadro "Liberdade de Opinião", tendo em vista a sua absoluta isenção ideológica ante o "negacionismo" da realidade, no momento vigente em parte da grande mídia nacional. 




  
    

CRÔNICA - Sereia, o Deó (TL)