Caligrafia Esmerada e Exposição Didática
Primorosa
[Acerca
de Sem Vontade de Voltar para Casa, de Gilda Freitas]
Vianney Mesquita*
Os escritores superficiais, como as toupeiras,
julgam frequentemente ser profundos, quando, no entanto, estão demasiado perto
da superfície.
[Guilherme Shenstone, poeta. Halesowen – UK –
18 de novembro de 1714 – 11 de fevereiro de 176]
Em
lance recente, ensaiei a dita de deparar a leitura de uma composição postulante
a batismo, no Jordão editorial brasileiro, bem distinta, sob a óptica
estrutural e no concernente ao jeito privativo de a esmerada escritora Gilda
Freitas manifestar inspirações e enunciar desígnios.
Mencionada pretensão, depois de lapso breve, se configurou efetiva realidade, por via da certificação editorial do volume, quando remansa editada a obra, sob minha interpretação ligeira e, neste corredor, a modo de antecomeço, submissa às considerações ora aduzidas.
Conquanto
não me arvore de exegeta neste mister, representa ufania tamanha deitar uma
conjunção de glosas, malgrado limitadas em consequência da míngua de conjuntura
e espaço, acerca do bem originado do talento de uma demandista de alento, pouco
habitual no concerto das produções coestaduanas, na senda dos variados móbeis
entremeados nas seis artes ensaiadas, aqui disposto no âmbito da Literatura.
Contabilizo
na coluna do crédito, todavia, a conceição de que aludidas opiniões, quiçá por
haverem negado luz à minha inábil lanterna, se achem até meio apartadas dos
pontos imaginados onde estão circunscritas as preciosas ideias da autora,
magnificamente exprimidas sob a umbela dinda e protetora da Língua Portuguesa.
Procedo,
contudo, à manifestação de um vexame configurado neste instante assaz crítico e
desagradável pelo qual desliza o idioma camoniano, o qual não é recebido com a obrigatória
deferência, muito menos dotado da justa e essencial atenção no concernente à
sujeição às regras operadas pelos especialistas dos nove países lusofônicos, em
particular Brasil e Portugal.
Tal
sucede, aquando, infelizmente, no curso desta quadra de travessia conturbada –
seja isto reiterado – não se consagra ao mencionado sistema linguageiro de
procedência latina a indispensável veneração, não sendo a esta codificação
votado, sequer, o exigido respeito, sobrando encostado a uma circunstância de
desarrimo, abeirando-se à desonradez e acostando-se a um malogro perto de se
consumar, porém, que não vai de modo algum acontecer...!
Na
estação ora transitada, no Brasil, pelo Código Glossológico Lusitano, abraçado
com determinação e rigor, desde instantes imemoriais, pelos escritores de
alteado padrão, bem assim por parte de seus lentes, preceptores e adeptos – onde
se entranha com propriedade a escritora sob comento – conforma-se real estado
de descaso, conducente ao verossímil padecimento de quem o admira e obedece.
Registra-se,
então, a oportunidade na qual certas pessoas lhe desprezam os ditames, desobedecem
ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – o VOLP oficial, castigando e
abandonando palavras e expressões vigorantes, assentes em razões linguísticas e
históricas, no mesmo passo em que inventam outras sob incontáveis sem-razões, criticam
os cânones e notações obrigatórios e investem numa má sorte infinda de
procederes amplamente aversos às determinações corretas e oficiais.
Distante
aqui de não reconhecer sua positividade e lhe aceitar a alçada capacidade de
acerto, lógica conferida pela realidade certificada pelo conhecimento
parcialmente ordenado (a Ciência ao modo de Herbert Spencer), impende-me
evidenciar, por oportuna e forçosa a conjunção, a magna e refalsada potência
global da I.A. – inteligência artificial – ao juízo da maioria, como motriz a
transportar respostas a quaisquer indagações e oferecer soluções para resolver
enigmas de todos os gêneros, algo bem remoto de acontecer.
Este
engano é um artifício desonesto da banda de parcela dos comportamentos antrópicos,
ao menos por enquanto, e nele somente se insertam algumas universidades,
instituições de investigação e terrenos de prova, nomeadamente em teses de doutoramento,
dissertações de mestrado e tarefas acadêmicas no estalão lato sensu, enjeitando,
mesmo repudiando, a vigilância e a solicitude relativas às revelações da
instrução nova, arrimada no conceito do saber natural.
De
efeito, “pseudoautores” e refalsados orientadores de agora largam as tarefas
demandantes de conhecimento ao reboque da inteligência artificial, repelindo o
incremento e a propagação do tino natural, acreditando, despropositadamente, no
fato de “mente”, “alma” e “espírito” desse formato de
intelecção serem adequados ao transporte do entendimento renovado ao máximo de
sua valoração, ao desfigurar por completo os saberes ingênitos procedentes das
concepções hominídeas, conformados no entendimento racional.
Inumeráveis
cabeçadas, ainda, são, para complemento destas notas, passíveis de ser trazidas
a cotejo, porém não as comento, pois, decerto, iriam encompridar excessivamente
a reflexão e, quem sabe, os consultantes a enjeitariam, eliminando a intenção, restando-me
na expectativa de esta proceder, mesmo assim, sem disto guardar a certeza.
Cumpre,
todavia, celebrar esta verdadeira graça, configurada no caso de terem curso,
insistentemente, produções e atitudes da agricultura de escritores e outros advogados
da espécie avessos às posições há pouco desaprovadas, os quais exaltam os
excepcionais haveres da Língua Nacional e logram salvá-la do descaso,
imoderação e incongruências tão fora de propósito, mas em crescente espantoso.
Na
lista de combatentes pela grandeza, perfeição e continuidade de usança salutar
da LP (bem sobrevinda é arte maior), salvante professores, gramáticos,
imortais de sodalícios de literatura, língua lusitana, jornalismo e
assemelhados, ajustam-se os inventariantes de volumes literários no âmbito de
seus diversos expedientes, escriturando-se romances, poesias, contos, ensaios e
outros esquadrinhamentos acadêmicos lato e stricto sensu,
tratados e demais modalidades de enredo.
Aí
se insere a magnificamente dotada escritora Gilda Freitas, manufatora deste Sem
vontade de voltar para casa, simpaticíssima conjunção de estâncias
claras, alvura do cisne artístico a aplicar-se em concomitância a um exequível
romance – ou conto, pois constitui narrativa ligeira e concisa – haja vista a
mescla inteligente, culta e de estese amena do artefato, requisitos que lhe
enroupam genericamente os cabedais, transpostos para seu já amplo e notório portefeuille.
Aliás, com a sobeja capacidade intelectual por ela detida na feitura de
engenhos escriturais, arbitra-se bem simples que transponha para qualquer molde
da literatura o bem sob escólio, ora, por querer seu, no padrão de versos
brancos.
É
descabido, no entanto, a fim de não subtrair do acólito ledor a ocasião de
decodificar as expressões autorais, projetadas para ele, que eu adiante
deduções, as quais, inclusivamente, instigado pelas insinuações, seriam
suscetíveis de o conduzir a uma descodificação diametralmente diversa daquela
por ele imaginada, ideia amplamente avessa àquilo tencionado pelas ideações de
Gilda Freitas.
Vai-se
divisar, ao ser oferecida a peça aos consultantes, o desvelo de Gilda Freitas
em relação ao seu exigente acompanhamento do estandarte que a “... brisa do
Brasil beija e balança ...” (Navio
Negreiro – Castro Alves) conduzido linhas atrás.
Tal
ocorre porque ela patrocina, resolutamente, a correção linguística e moureja em
prol da estilística, ao não repetir vocábulos nem expressões, e ainda rebate o
emprego desazado de manias e chavões, os quais borram de vileza lingual o texto,
menos em poemas do que noutros motivos literários.
Impõe-se
exprimir o fato de a escritora se desprover do exagero, na oportunidade em que
lavra de tal modo, pois existe a licença poética, configurada na
autonomia autoral de se afastar das normas da gramática para fins de estesia e
expressão, achegando-se, exempli gratia, ao discurso do cotidiano,
ocorrência indene de juízo crítico, acobertada pela expressa permissão
inspiradora.
Ela
não faz acepção de palavras e dicções e emprega a magnificência do Português porque
o consulente, passível de as não conhecer, é alcançado na qualidade de aprendente,
obrigado a recepcionar positivamente aquilo exprimido pelo autor, por considerar
o escrito literário mensagem produtora de cultura, dádiva de saber, estudo,
instrução etc.
Constantemente, se reflete como a seguir.
– De que adianta ler e escutar meramente o
que já se sabe?
De
tal sorte, sob a circunstância crítica confessada em passagem anterior, Gilda
Freitas se louva no bom discurso, vasto, fecundo e magisterial, como é
apreciável no Sem vontade de voltar para casa, a fim de oferecer uma
escrita deste quilate, a enobrecer, pela profusão de ideias vazadas em uma
manifestação escorreita, opósita à exageração e recheada de tropos linguísticos
magnificamente aplicados, para enricar sempre mais o caixa-forte da apurada
reserva literária brasileira.
Aprecie
com detenção, estimado consulente, este desemparelhado produto editorial da
exímia produtora literária Gilda Freitas, a qual, sobre se constituir escritora
a mancheias, modela, também, uma componente da parede, refletida em passagem
anterior, como obstáculo aos posicionamentos de invalidação e apoucamento
axiológico do Código Linguístico Português, feita moto paredista.
Sob
o expresso movimento, animoso e resistente, com a maior determinação e
segurança, tendo por compartes damas e cidadãos dotados de tanta grandeza, e
com produção multíplice, retenho a convicção de que, desde o pódio, o espumante
será repetidamente balançado e por todos os vãos esparzido.
Fortaleza,
outubro de 2025.