quinta-feira, 17 de julho de 2025

ARTIGO - A Crise do Magistério (RMR)

A CRISE DO MAGISTÉRIO
Rui Martinho Rodrigues*

 

1 – Considerações preliminares

Professores eram respeitados e suas opiniões acatadas. Houve uma grande mudança. Mestres já não são chamados lente, que enxerga por nós ou nos faz enxergar e tem autoridade no campo dos saberes. A autoridade intelectual deve ser relativizada. A validação do saber deve ser obtida pela vigilância epistemológica, quando e se for bem sucedida.

A autoridade é necessária nos espaços escolares. Mas deve ser exercida nos limites da lei e ao abrigo dos costumes. Mas quais costumes? Os de antanho? Os fluidos marcos da sociedade líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017)? Os de utopia antevista entre as brumas do futuro? A sociedade pós-moralista (Gilles Lipovetsky, 1944 – vivo) tem padrões? 

2 – O caldeirão de bruxas da História

Caldeirão de bruxa, com asa de morcego e outros ingredientes permite a analogia com os fatores ligados às transformações históricas. O magistério sofreu o impacto do crescente prestígio do pensamento sofista, dando aparência de superioridade intelectual ao relativismo cognitivo e axiológico. 

Outro fator relacionado com a crise do magistério é a difusão do argumento de que tudo é política, se resolve por vontade política e toda neutralidade é um engajamento. A banalização dos mores, transformados em folkway vulgarizou valores, profissões e símbolos das instituições e estruturas sociais. 

 3 – O ensino pós-moderno 

O prestígio do professor, nos campos cognitivo e axiológico, tinha amparo no domínio dos conteúdos e na conduta pessoal do mestre. O relativismo desvalorizou estes sustentáculos do status do magistério. Os conteúdos foram desprestigiados. Ensino “conteudista” passou a ser coisa de ensino inferior. Conduta moral passou a ser confundida com moralismo, contrário a liberdade confundida com ausência de obstáculo ao desejo.

O domínio de conteúdos rebaixado como antiquado, abriu a porta para o animador de classe, substituto do mestre. O relativismo cognitivo leva ao descaso para com a formação do professor. O docente despreparado não inspira respeito A qualificação profissional não é cobrada por alguns, mas não tem o respeito de muitos. 

A conduta do professor sofre os efeitos da falta de referencial na sociedade líquida. A linguagem vulgar pode ser aprovada e o abandono da língua culta tolerado por uns e reprovado por muitos. O recato igualmente divide opiniões. O “professor povo”, engajado em causas revolucionárias, pode usar baixo calão e pode vestir-se e comportar-se de modo heterodoxo. Mas divide opiniões. 

4 – O ensino como proselitismo 

O engajamento apaga a separação entre magistério e proselitismo. A neutralidade axiológica pode ser facilmente praticada no campo das ciências da natureza. As ciências físicas, químicas ou biológicas levam – ou deveriam levar – o professor para o campo do juízo de fato. Não cabe – ou não deveria caber – atitude de pregador ou missionário nestes campos. Mas ocorre a prática de proselitismo até no campo da Matemática. Já se pode encontrar tal disciplina adjetivada politicamente. 

O proselitismo se manifesta abertamente nas ciências da cultura. Pregação se faz com juízo de valor. Juízo de fato se afirma por demonstração, não por apelo à justiça. Certamente os fenômenos sociais, no que concerne aos atos dos sujeitos da ação social, têm natureza de ação voluntária, dirigida e intencional, salvo se considerarmos tais agentes como incapazes para o exercício da cidadania. 

Conscientizar os incapazes, guiados por uma falsa consciência, é próprio do proselitismo. Mas quem prega o relativismo cognitivo e axiológico na sociedade líquida não pode proclamar uma consciência verdadeira contrária à falsa consciência dos alienados. Salvo se disser que só as suas palavras expressam a consciência verdadeira. Juízo de fato tem amparo nas demonstrações – empíricas ou racionais – verificáveis. 

Conteúdos de consciência são juízos valorativos. Não são susceptíveis à verificação empírica. Como falar em consciência verdadeira ou esclarecida, sem aceitar dogmatismo? Pregar o relativismo e ministrar dogmas é contradição. Não reconhecendo verdades, como pregar certezas? 

Conscientizar é verbo incompatível com pluralismo democrático. Consciência não existe sem autonomia. Citando a frase de Sócrates, “só sei que nada sei”, alguém dizia: nós, os mais conscientes, devemos esclarecer o povo. Sem nada saber ela era mais consciente? Quem deveria ser doutrinado era subalterno na hierarquia de consciências. 

5 – A crise do magistério: catequista versus catecúmeno 

A hierarquia de consciências pode existir legitimamente, mas no tocante a juízos de realidade. Calcular a resistência da coluna de um edifício cabe a engenheiro calculista, posicionado na hierarquia do saber, cujo trabalho pode ser julgado como certo ou errado por ser juízo de realidade. Professor de cálculo não tem problema com liberdade de consciência, nem diz que tudo é política. 

Proselitismo é coisa de escola confessional. Toma o caminho dos juízos valorativos que têm natureza política. Esta não trata apenas dos negócios da polis: é aquilo que não é técnica, mas juízo de valor. Não se faz eleição para saber o sexo de um passarinho, por ser um problema técnico. Nem se consulta um especialista para decidir se é importante saber o sexo do passarinho, porque esta não é uma questão técnica. Política é juízo de valor. Técnica é juízo de fato. 

Quem troca juízo de fato por juízo valor não faz magistério, mas catequese. Juízo de valor não é ciência. Catequista não tem a legitimidade do magistério. Democracias não têm consciências oficiais. A política apaixona e divide. Tudo é política? Então tudo é discutível, apaixona, divide e a autoridade intelectual falece. O fiscal de consciência, formado na escola que despreza os conteúdos, agrava a crise do magistério. 

As redes socais quebraram o monopólio da informação resultante do aparelhamento do ensino desde as universidades até o ensino infantil. Professores e jornalistas perderam o controle das massas. A internet deu oportunidade ao pensamento divergente. Professores e jornalistas seguiram o mesmo caminho e vivem a mesma crise. 

6 – O debate acerca do poder e as razões da resistência 

Economia, estrutura social e justiça, sem passar pelo crivo da crítica, era discurso sedutor. Sentindo-se poderosos em razão do aparelhamento do ensino e dos veículos de informação, os diretores de consciência julgaram haver chegado a hora de completar a destruição das instituições que podem oferecer alguma opção ao poder do Leviatã na assistência e na formação das consciências: a família e as igrejas. 

Todo o poder ao Leviatã é entregar o comando ao estamento burocrático-patrimonial (Raymundo Faoro, 1925 – 2003); à elite citada na obra A elite do poder (C. Wright Mills, 1916 – 1962) composta, nos EUA, por super-ricos, senhores da guerra (elite militar), celebridades e intelectuais. Gaetano Mosca (1858 – 1941), na obra La classe política, enumera as elites: política, econômica, guerreira, sacerdotal e intelectual. Elas podem ser excluídas ou formar alianças. A teoria da circulação das elites (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) descreve as mudanças de regime político pelas transformações nas alianças entre elas. 

A concentração de atribuições nas mãos do Estado fortalece o poder das elites que controlam o Leviatã. O poder corrompe e o poder absoluto corrompe de modo absoluto (Lord Acton 1834 – 1902), isto é: o poder absoluto é corrupto, abusivo, controlador, ilimitado. Estado é controlado pelo estamento descrito por Faoro; pela plutocracia apontado por Wright Mills como super-ricos; e pela cleptocracia de que fala Lamberto Maffei (1936 – vivo). 

Maffei, na obra Elogio da rebeldia, trata da cleptocracia como um grupo minoritário, que explora a maioria (exploração como fenômeno incidental, não como exploração imanente ao trabalho assalariado) com objetivos econômicos e em razão do poder. A hegemonia da aliança da plutocracia com o patriciado em alguns países degenerou para cleptocracia, que convencia e dominava. Proponha o Estado provedor, paraíso terrestre com igualdade, sem excluir os “mais iguais” da obra A Revolução dos bichos (George Orwell, 1903 – 1950) e a “fraternidade” da guilhotina, demonstrada na Revolução Francesa. Sentindo-se seguros, os senhores das consciências passaram ao ataque aos costumes, como gestores da consciência e da moral pública. Valores passaram à condição de preconceito, embora sejam conceitos ex post facto. 

As massas encontraram forças nas redes sociais e ensaiaram alguma resistência. Costumes não ensejam argumento de autoridade de professor ou especialista convidado de jornalista. Criticar o Banco Central é diferente de defender o uso de drogas psicoativas ou de práticas sexuais inspiradas nos textos do marquês de Sade (1740 – 1814). 

Imprecar a sociedade “injusta”, como excludente de culpa dos nossos fracassos é delicioso. O trabalho de catequista da revolução dos costumes, porém, soprado nos ouvidos de filhos, no campo dos costumes, estimulou a resistência que as redes sociais viabilizaram. A transparência da política fez o resto. O povo agora sabe como se fazem as linguiças e as leis (Otto von Bismarck, 1815 – 1898).

domingo, 13 de julho de 2025

NOTA CULTURAL - Ceará Francês

 CEARÁ FRANCÊS
O FILME

UM RESGATE HISTÓRICO IMPORTANTE
 

O estúdio Zoom Digital, do produtor de vídeo Eduardo Barros, lançou, com grande sucesso de público, na noite deste dia 12 de julho, no Cine Teatro São Luiz, em Fortaleza, o documentário intitulado “Ceará Francês”, idealizado e dirigido pelo jornalista e pesquisador Roberto Bomfim, Membro Titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. 

Esse primoroso trabalho audiovisual, que marca os 200 anos das relações diplomáticas França-Brasil, foi realizado sob patrocínio da empresa franco-brasileira QAIR Brasil (Quer Brasil) e do Grupo BSPAR.

 

Contou com o apoio institucional do Governo do Estado do Ceará, da Prefeitura de Fortaleza, da Academia Cearense de Letras, do Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico, Antropológico, do Museu Tertuliano de Melo e da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo.


Na plateia numerosa se destacaram dois imortais da Academia Cearense de Letras – o empresário e bibliófilo José Augusto Bezerra (Presidente Emérito daquela veterana e veneranda casa literária), acompanhado pela consorte Bernadete e pela filha Margarete, e o Professor Batista de Lima. 

Além deles: o Consul da França em Fortaleza, Serge Gas; o representante da Câmara de Comércio França-Brasil, Advogado Ilo Marques; Cira Leona e Rocélio, da CL Produções; e o Maestro Potiguar Fontenele, Membro Honorário da ACLJ, enlevado com a reportagem realizada na bela e aprazível cidade serrana de Viçosa em que nasceu, uma das locações do documentário.




Representando a ACLJ, além do seu presidente Reginaldo Vasconcelos, que proferiu discurso de abertura do evento, e do documentarista Roberto Bomfim, que também se pronunciou, os confrades Humberto Ellery e George Tabatinga, além do candidato eleito para a quadraginta numerati da entidade, o motociclista desbravador internacional, pesquisador e escritor Franzé Cavalcanti Façanha, o célebre Bozoka.


Antes do início da projeção, Reginaldo Vasconcelos autografou a sua autobiografia recém-editada aos confrades da ACLJ que compareceram, obra intitulada Arrebóis e Plenilúnios – 25.000 Diasque resolveu distribuir aos seus afetos, no sereno dos eventos culturais, em vez de promover noite do autógrafos.


Fotografias: Margarete Bezerra, R. Bomfim e Cira Leona       

 

ABERTURA
 REGINALDO VASCONCELOS 


Minhas Senhoras e meus Senhores, boa noite. Como já anunciado, eu estou presidente da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, uma das instituições culturais apoiadoras dessa brilhante iniciativa audiovisual, no projeto intitulado Ceará Francês, que marca 200 anos de relações diplomáticas Brasil-França. Instado a fazer a abertura desta solenidade de lançamento do referido documentário, peço a sua atenção e a sua paciência para uma rápida contextualização da matéria, talvez cometendo algum spoiler

A partir do Século XV, ingleses, portugueses, espanhóis e holandeses se aventuravam pelos mares na direção do Oriente, procurando fazer negócios com civilizações desenvolvidas da Ásia, através das chamadas rotas da seda e das especiarias, como também, já nos séculos XVI e XVII, em busca de territórios ainda incultos que pudessem ser colonizados – e foi a essa saga colonizadora que se incorporaram os franceses.


A Inglaterra colonizou a parte setentrional da América do Norte, onde fundou os Estados Unidos, ficando os holandeses na América Central, assim como os franceses, que também colonizaram a região de Quebec, no Canadá, e do Golfo do México e regiões do vale do rio Mississipi (e mantêm hoje uma extensa fronteira com o Brasil, entre a Guiana e o Estado do Amapá) – enquanto Portugal e Espanha conquistaram e partilharam a Sul-América. 

O Ceará foi visitado antes do descobrimento do Brasil por navegadores espanhóis, teve um enclave militar holandês, mas prevaleceram os portugueses, muito sincretizados com os indígenas locais, com pouca presença africana e com ascendência dos chamados cristãos novos europeus, que eram judeus aculturados.

Já no Século XIX, Fortaleza teve duas famílias europeias de destaque, a do Barão Smith de Vasconcellos, uma fusão britânico-lusitana, e a família do Barão de Studart, essa com origem na Inglaterra.

Mas por todo esse período colonial a cultura francesa predominava, a começar pelo idioma, pois o francês era o que se chama “língua franca”, aquela que as pessoas aprendem e usam para a comunicação universal, entre falantes de idiomas diferentes. Mas também na culinária refinada, nas artes, na moda, nos costumes, sob os eflúvios da renascença francesa, da bella époque, e do humanismo em geral, principal motor do iluminismo.

Por isso mesmo foi intensa a influência da França no mundo todo, tal sorte que os itens automotivos eram designados em francês – capô, giclê, tabeliê, chassi, chofer, etc. 

Inclusive na cultura nordestina – onde se dançava a quadrilha em francês – mormente no Ceará, que teve a sorte de receber o polímata Pierre François Théberge, nascido em Marceille, que se fixou no sertão central, em 1845, e deu ares parisienses à arquitetura da cidade de Icó – a cidade do Brasil que tinha mais pianos nas residências, em proporção aos habitantes, e que influenciou outras urbes importantes do Estado, inclusive a Capital. 

Nos negócios de comércio exterior, a família Boris abriu em Fortaleza, em 1869, filial de sua empresa sediada em Paris, e um ramo desse clã de empresários franceses prosperou em Fortaleza, e se radicou definitivamente no Ceará, com ilustres descendentes até hoje entre nós. 

E por inspiração francesa, o Ceará fundou as primeiras arcádias literárias do Brasil, inclusive a Academia Cearense de Letras, mais antiga do que a Academia Brasileira de Letras. Esta última adotou o fardão da congênere francesa, que a nossa Arcádia Alencarina, da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, também copiou.

Esses fatos explicam o significado e demonstram a relevância da peça cinegráfica que vai ser lançada a seguir, e a que nós vamos ter o privilégio de assistir, intitulada “Ceará Francês”, idealizada e realizada por dois talentosos cearenses, nosso confrade Roberto Bomfim, jornalista e documentarista, e o Eduardo Barros, o Dudu, prodigioso videomaker.

Esse seu trabalho vislumbra pontes históricas de sensibilidade artística, numa obra que reconstrói, valoriza e eterniza as antigas e profundas relações entre o nosso povo cearense e a cultura francesa. 

O principal mecenas desta iniciativa cultural é a empresa Qair Brasil, cujo apoio, mais do que financeiro, é meritório, porque representa o nobre compromisso com o resgate da memória, a preservação da história e a promoção da nossa identidade cultural.

Exaltamos ainda a Câmara de Comércio França-Brasil, por acreditar no potencial transformador da arte como vetor de aproximação entre os nossos povos, e ao empresário Beto Studart, cuja sensibilidade cultural e o espírito de mecenato têm sido exemplos de cidadania, comprometido com as raízes do Ceará.

O apoio institucional de entidades culturais prestigiosas para o sucesso deste projeto: além da nossa Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, a Academia Cearense de Letras, o Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico e Antropológico, a Aliança Francesa e o Museu Tertuliano de Melo. Elas somaram esforços para garantir a legitimidade e o alcance dessa produção cultural.

Reverenciamos também os pesquisadores, historiadores, artistas e cidadãos em geral, que colaboraram com suas memórias e saberes – gente do povo, que enriquece a narrativa com autenticidade e alma – e a presença institucional do Governo do Estado do Ceará, bem como da Prefeitura da Capital – e do senhor Serge Gas, Cônsul da França em Fortaleza, cujo apoio moral reafirma os laços culturais que unem nossas nações.

Finalmente, importante ressaltar que este projeto não se encerra com este lançamento. Ele se prolonga – e se amplia. Ceará Francês seguirá sendo compartilhado em escolas, bibliotecas, instituições culturais, no Brasil e na França, onde será lançado em versão transcrita em Paris para o francês, perpetuando esse elo de amizade e intercâmbio.

O filme não é dos que produziram, mas de todos nós... Cearenses e franco-cearenses.

Tenho dito,

Merci beaucoup. 

sábado, 12 de julho de 2025

CRÔNICA - Sinuca de Bico (RV)

 SINUCA DE BICO
Reginaldo Vasconcelos*

  

O Supremo Tribunal é a mais elevada instância do Poder Judiciário, vocacionada a dirimir dúvidas constitucionais e competente para julgar denúncias de afrontas à Carta Magna da República, bem como para processar casos de natureza penal, no âmbito da Administração Pública Federal. 

Sendo assim, essa Colenda Corte da magistratura brasileira, em prol de sua legitimidade institucional e respeitabilidade pública, faz presunção absoluta de que se conduza sempre com a mais perfeita lisura e com total isenção, com base nos fatos reais trazidos aos autos, subsumidos à letra de leis positivadas no ordenamento jurídico brasileiro. 

O mundo civilizado moderno, que adota os preceitos democráticos, composto pelo concerto das nações que atingiram os estágios supinos do humanismo antropológico, este certamente espera e considera que a Suprema Corte Brasileira siga, rigorosamente, o devido processo legal. 

Espera que aquele Egrégio Tribunal garanta sempre amplo direito de defesa, decidindo em favor dos réus quando restar a mínima dúvida sobre a sua culpabilidade (pois, em processo penal, nada se pode apenas presumir).

 

Acredita que o Augusto Pretório leve em conta o lema latino clássico segundo o qual “reus sacra res est”, respeitando a premissa de que se devem preferir mil culpados livres a um só inocente condenado. 

Agora o homem mais poderoso do Planeta, presidente eleito da mais pujante democracia mundial, país que detém, inclusive, a maior potência militar entre todas as nações, acusa o nosso Supremo Tribunal de promover perseguição política contra o principal adversário do Governo, inclusive os seus apoiadores. 

Ora, ao se manter em silêncio quanto a isso, o STF assume a pecha gravíssima lançada contra ele, como se admitisse que realmente está a operar injustas condenações em massa, realizando de fato uma “caça às bruxas” – analogia à perseguição da Igreja medieval a quem lhe antipatizasse, durante à chamada “santa inquisição”. 

Calada, a Corte enfrenta uma grande “sinuca de bico” de cunho moral, pois, se condenar o líder político de metade da Nação, ainda que justamente, vai ratificar a acusação que lhe é feita por aquela importante personalidade mundial. Por outro lado, se concluir pela inocência dos réus, vai produzir forte presunção de que, amedrontada, desistiu dos propósitos nefandos que lhe teriam sido atribuídos.  

Caberia, portanto, ao STF, vir a público imediatamente, “urbe et orbi”, dizer que pode o País e o Mundo ficarem tranquilos, pois o referido processo penal será conduzido com total consciência jurídica. 

Garantir que o Tribunal opera de forma independente e imune a quaisquer interferências e interesses políticos, de modo que, não restando cristalinamente provada a culpabilidade de cada um dos réus, eles serão devidamente inocentados, a bem da democracia e da justiça.

 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

ARTIGO - Academia Cearense da Língua Portuguesa (VM)

 ACADEMIA CEARENSE
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Matéria para a Hora do Vernáculo -30.06.2025

 

INDÚSTRIA ESPIRITUOSA E SUTIL 
DA POESIA BRASILEIRA
Destaque para o Nordeste


Vianney Mesquita – Cadeira número 37
(Patrono: Estêvão Cruz).

 

 

Eu me chamo Zé Limeira 
De lima, limão, limança.
A estrada de São Bento,
Bezerro de vaca mansa...
Valha-me, Nossa Senhora!
Ai que me lembrei agora:
Tão bombardeando a França!


A correção de estilo consiste em aplicar as locuções mais naturais e mais imediatamente representativas dos objetos. (FREI BENITO J. FEIJOO. Religioso, polígrafo e ensaísta da Galícia. Ourense, 08.10.1676; Oviedo, 26.09.1764). 


ACIONE O LINK PARA ACESSAR 

O PLENO TEOR 


https://drive.google.com/file/d/1sik670Vc8vzfoQw_nASXPO3AMO4S_GAB/view?usp=sharing

quinta-feira, 3 de julho de 2025

NOTA LITERÁRIA - Pierre Nadie em o "Sol ao Luar".

 PIERRE NADIE
EM O
“SOL AO LUAR”

 

Pedro Bezerra de Araújo, nas letras Pierre Nadie, lançou livro, na noite desse dois de julho, no Terraço da Cultura do Ideal Clube de Fortaleza. 

A obra, “Sol ao Luar”, é composta por uma sequência de “trilhas” reflexivas, vertidas em filosofia aplicada, a bordo da melhor prosa poética que a lavra literária do autor consegue haurir. 


A larga vivência de Pierre Nadie se constitui em uma saga de epopeias – menino no sertão maranhense, jovem no seminário clerical, rapaz entre os frades capuchinhos, acadêmico cursando medicina, estudante em universidade de Paris. Médico, oficial da Aeronáutica. Latinista, proposto e aclamado para a ACLJ.

 

A noite de autógrafos, brilhantemente conduzida pelo confrade Vicente Alencar, foi muito agradável e bastante concorrida, reunindo um seleto grupo de amigos e parentes do autor, notadamente acadêmicos de letras das confrarias que ele integra. Nos registros de Roberto Bomfim, o autor e alguns de seus convidados. 

Como sempre acontece, os convidados que prestigiaram o evento denotaram a grande importância que representa a sua presença, enquanto os ausentes evidenciaram que não fazem falta alguma.


O musicista Cesar Barreto, ao final do evento, brindou os presentes com a interpretação, em voz e violão, de duas canções que ele compôs, em parceria com o protagonista da noite, musicando trilhas do seu livro, tratando, respectivamente, da felicidade e do amor, conforme os vídeos que aqui se reproduzem.



domingo, 29 de junho de 2025

ARTIGO - A Crise do Jornalismo (RMR)

A CRISE DO
JORNALISMO
Rui Martinho Rodrigues*

 

1Jornalismo, informação e conhecimento

O jornalismo é legitimado por oferecer informação factual e epistemologicamente válida. Transformações históricas modificaram o entendimento do que seja verdadeiro, proveitoso, justo, apropriado, conveniente ou certo como fundamento de validade de sua prática.

Informar ou formar? Acatar o entendimento do destinatário da informação ou guiar o entendimento e convencer? As duas opções remetem ao problema da neutralidade axiológica; da relação entre cidadania e presunção de capacidade; e do desafio da distinção entre conhecimento válido e opinião.

2Primeiro devemos sanear o problema

A atividade forense segue a norma do saneamento do processo, que consiste em retirar de pauta os conteúdos não litigiosos. A analogia entre a vigilância epistemológica e a técnica processual tem fundamento na busca da verdade, que é comum à ciência, à Filosofia e ao processo. Saneemos a nossa reflexão retirando de pauta o direito à informação, por ser incontroverso.

3Informação, opinião e conhecimento válido

Atender à demanda por informação leva ao problema da qualidade do jornalismo. Ser verdadeira, proveitosa, certa, justa, apropriada, conveniente, oportuna são alguns atributos da informação jornalística. Examinemos o que sejam tais predicados na perspectiva do jornalismo. A verdade objetiva ou correspondência entre o que é dito e o fato aludido tem como antônimo o erro. Não é legítimo nem válido buscar amparo no engano, salvo quando prevaleça o polêmico critério teleológico, que em nome dos fins pretende justificar a incorreção. Então passamos a cogitar da compatibilidade entre o que se sabe ou pensa e o que é dito, entrando no campo da verdade moral, que é o oposto de mentira. Falsear a realidade em nome dos fins é mentir.

A qualidade da informação leva, ainda, ao exame da verdade lógica, oposta ao erro. Os caminhos da lógica continuam sendo a dedução e a indução. Quem queira informar ou filtrar tais verdades deve levar em conta os princípios da racionalidade aristotélica: identidade, não contradição e terceiro excluído, podendo ainda considerar o princípio da razão suficiente, de Gottfried Leibniz (1646 – 1716). Críticas razoáveis à indução, como as que são proferidas por Karl Popper (1902 – 1994), não eliminam inteiramente a sua aplicação, porque não escorregam para o relativismo laxista. O mesmo ocorre com a dedução.

Quando os relativistas fazem silogismos para desacreditar a lógica, praticam argumentação suicida, porque precisam da lógica para combater a lógica, destruindo a própria argumentação. Quando invocam a metafísica da Filosofia romântica alemã, valendo-se da dialética hegeliana, incorrem na prática do titanismo, que despreza os limites da condição humana e da realidade, optando pela fantasia.

A verdade ontológica também deve ser considerada na discussão sobre informação válida. Defender o bem ou combater o mal, implícita ou explicitamente, está presente no jornalismo engajado. Nesta perspectiva a verdade não é claramente verificável. A metafísica é estranha ao campo da ciência. Esgrimida por quem se diz materialista torna-se contraditória.

O conhecimento válido é o fundamento de validade do jornalismo. A mentira e a restrição da verdade são conflitos entre o que sabe e o que se diz. Manipular da percepção do destinatário da informação não é honesto. A honestidade faz parte do jornalismo, como da ciência, do processo judicial ou da Filosofia. 

4O conhecimento válido e jornalismo

Conhecimento científico é o que se submete ao teste de falseamento. Tales de Mileto (séc. VI a.C.) buscou validar o conhecimento. Tratou de superar a opinião, que é expressão da subjetividade. Adotou a vigilância epistemológica, que Popper, mais tarde, nomearia como falseamento da tese. A vigilância epistemológica faz parte do jornalismo. 

Conhecimento válido respeita a neutralidade axiológica, porque é preciso distinguir juízo de valor de juízo de realidade. Um legista diz que a vítima de um homicídio apresentava uma ferida perfurocortante no terceiro espaço intercostal, enumera vasos sanguíneos e órgãos lesionados, relata hemorragia e hipovolemia como causa do óbito. Formulou juízo de realidade, não escolheu lado e do contrário seria desonesto. O Ministério Público diz que o réu esfaqueou covardemente a vítima. Fez juízo de valor, escolheu um lado e estaria errado se não o fizesse. 

Informar, no sentido de relatar, é emitir juízo de fato, é ato axiologicamente neutro. Opinar, interpretar e valorar o noticiado, substituindo os cidadãos, é considerar incapazes os destinatários da informação. Despreparo técnico, conflitos de interesses e viseiras ideológicas inviabilizam o papel de jornalista gestor de consciência. A complexidade do mundo é argumento favorável ao proselitismo no jornalismo, por apontar para a incapacidade dos cidadãos. Mas os jornalistas precisariam ter preparo multidisciplinar para tutelar consciências. Convidados que colaboram com o jornalismo trazem de volta o problema da isenção, tanto quanto a quem os convida como por parte do convidado. 

5A origem da crise do jornalismo 


A verdade, seja adjetivada como moral, objetiva ou lógica, foi abandonada em nome da defesa do bem. A exumação do pensamento sofista, como as ideias de Protágoras de Abdera (490 a.C. – 415 a.C.); e teses contemporâneas, como as de Ludwig Wittgenstein (1889 – 1951), com os jogos da linguagem, cuja versão vulgarizada caiu no relativismo grosseiro, resultaram na ruptura com a realidade. No jornalismo isso é fatal.

O Titanismo dos românticos rompeu com a realidade. Então um homem acha que é um cachorro ou alimenta outro delírio. Diversos motivos encorajaram o voluntarismo de que trata Isaiah Berlim, na obra Ideias políticas na era romântica Afastada a verdade prevaleceu o pragmatismo político e a preocupação com o que se deveria fazer. A preocupação exclusiva passou a ser com o que se faz. O dever ser passou a ser visto com o caminho da ruina, por inspiração de Nicolau Maquiavel, 1469 – 1527, na obra O príncipe. 

Paradoxalmente o romantismo foi misturado a um maquiavelismo adaptado à política dos nossos dias por Antonio Gramsci (1891 – 1937), na obra Maquiavel, a política e o Estado moderno, encorajando o jornalismo engajado. Nas redações dos jornais a motivação é ideológica, na diretoria das empresas de comunicação o faturamento é o motivo. Todos se aliaram e entraram para a grande aliança hegemônica. 

Houve um casamento poligâmico. A tecnocracia do estamento burocrático de inspiração patrimonialista contraiu núpcias com o segmento social que Milovan Dilas (1908 – 1995) descreveu na obra A nova Classe. Também se consorciou com a plutocracia, artistas, celebridades e intelectuais. Formou assim o “sistema”, “Estado profundo”, grande aliança heterogênea ou regime. O jornalismo do himeneu polígamo. Então adotou técnicas de manipulação de consciência. 

6A crise do jornalismo 

Situações emocionantes e ambivalência dos conceitos indeterminados facilitam o proselitismo e ensejam arbitrariedades. Fake News substituiu boato, sofisma, falácia e mentira. Não é um estrangeirismo de enfeite. Nos EUA também é novidade nos noticiários. Até outubro de 2016 não passava de onze pontos nos registros das buscas. Chegou a noventa e dois pontos em março de 2020, quando Donald Trump derrotou Hillary Clinton em 2016. 

Jornalistas anteciparam a vitória de Hillary, mas aconteceu o contrário, por larga margem. Como explicar? Notícias falsas das redes sociais eram o argumento que salvaria o jornalismo. A grande aliança tornou-se hegemônica. O argumento das redes sociais, como bode expiatório, valeu para o mundo todo. 

Vocábulos indefinidos povoam todos os escaninhos da sociedade. Facilitam falácias e dominam tudo, sempre sob o controle do patriciado do Estado patrimonial, até que as tecnologias digitais mostraram ao povo como se fazem as linguiças e as leis, contra a advertência de Bismarck. Então foi preciso censurar as redes sociais para que o jornalismo não perdesse o monopólio do ludibrio. 

Empresas e equipes profissionais perderam credibilidade. Abraham Lincoln dizia (1809 – 1865): é possível enganar todos algum tempo, alguns por todo tempo, mas não é possível enganar todos todo tempo. A cegueira dos paradigmas, de que fala Thomas Kuhn (1922 – 1996), na obra A estrutura das revoluções científicas, não é universal, só alcança quem é inoculado por um paradigma. 

O poder é o objetivo da política. Não sendo possível ser amado? Então seja temido, diz Maquiavel. O poder pode ser alcançado e mantido por meio de subterfúgios que vão desde sofismas sofisticados até a mentira grosseira e a intimidação por diferentes meios de que dispõem o “Sistema”. 

Mas a crise do jornalismo é visível a olho nu. Descrédito é o nome dela.