sexta-feira, 23 de agosto de 2024

RESENHA - Eutimia (VM)

 EUTIMIA
Vianney Mesquita*

 

Malgrado nos tenhamos reformado, há alguns anos e por tempo de serviço formal (emprego), vemo-nos de braços com mil quefazeres, na informalidade, no cuidado com as leituras e outras res do espírito, de maneira que, após alguns anos de publicado, somente agora tivemos o lance de nos deliciar com ler, sob vagar e meditação desvelada, Eutimia – o Segredo da Felicidade Essencial.

Desta feita, entretanto, ainda nos não impendeu comentar no que toca ao cerne teorético do livro, o qual detém nos seus haveres o pormenor da disrupção, porque interrompe o curso normal dos seus entendimentos, entrelaçando as compreensões, razão por que, sendo, assim, afeito à contra intuição, não agrada à pluralidade dos leitores, conforme atesta o autor. 

Nosso propósito, neste passo, resulta em fazer remissões ao Escritor, por quem detemos admiração muito singular, deixando remansar para lance posterior os comentários atinentes aos teores de Eutimia. 


Convém, todavia, de saída, atentar para a noção de que, no raciocínio do próprio R.V., a obra desagrada os agnósticos pelo fato de acatar o espiritualismo, enquanto os espiritualistas não se aprazem com sua obliquidade cientificista, exempli gratia, por não considerar a fé como algo místico, mas feita ocorrência saudável e necessária. Seus entendimentos insertam as Escrituras configuradas na elevada sabedoria, não expressas, porém, como simples revelação extraterrena. Algumas outras razões subsistem, pois, para inserção, a posteriori, em prováveis exegeses pelos meios para difusão maciça. 

Decidimos perfilhar como bordão, em tudo aquilo que nos é dado referir ou deixar de o fazer, quando impraticável, o anexim de procedência helena – Sapateiro, não passe do calçado! – correspondente na língua do Lacio à dicção Ne, sutor, ultra crepidam! 

Na informação extraída do Lello Universal – Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro (Porto, 1983: 568), dita expressão, transposta para o latim, tem assento na obra História Natural, 35-36, do naturalista romano Caio Plínio Segundo, o Antigo (79 d. C), ao se reportar a um evento ocorrido com Apeles, o mais renomeado dos pintores da Hélade. 

Conforme a letra basta da História, Apeles, nascido em Cólofão, Lídia, teve existência no Séc. IV a. C, vivendo na casa de Alexandre Magno, de quem reproduziu retrato. Consoante retromencionada fonte librária, o Pintor se diferençou dos demais pelas cores brilhantes das figuras. 

Apeles era muito severo consigo. Aceitava sem se ofender qualquer crítica e até a provocava. Dizem que expunha seus quadros ao público, escondido atrás da tela, para ouvir as reflexões de cada qual. Certo dia, um sapateiro achou o que criticar na sandália de uma das figuras, representadas no quadro, e logo Apeles corrigiu o defeito. No dia seguinte, aquele chumeco audacioso entendeu que lhe era dado criticar igualmente outras partes do quadro, mas Apeles saiu do seu esconderijo e disse: – Não vá o sapateiro além da chinela. (IDEM, IBIDEM). 

Eis que, então, acedemos de imediato ao aconselhamento do Artista, referido por Plínio, o Antigo, pois não é cometido a quem não conhece enunciar opiniões em ultrapassagem aos chinelos do sapateiro apelesano. Assim acontece porque conceitos deste modo emitidos, sem substrato na verdade, recorrentemente, conduzem o leitor a penetrar a falácia e reproduzi-la por via da imensa força propagadora da comunicação massiva, exatamente em razão do despropósito do comunicador na transferência de mensagens de cujo teor não guarda certeza. 

Tal não intenta exprimir, porém, a ideia de que não haja lido e compreendido o conteúdo de Eutimia, absolutamente bem refletido pelo intelectual coestaduano Reginaldo Vasconcelos, senhor da facilidade de arrumar as palavras em todas as suas classes gramaticais e arranjos elocutórios e de quem somos admirante, desde a primeira vista d’olhos sobre um texto seu.

Consoante, muito apropriadamente, descreve o Dr. Arnaldo Santos, no antelóquio à Eutimia (Fortaleza: RDS Editora, 2013), o sentido de circunstância feliz da pessoa como destino da vida; a situação do ser humano e seus recontros; a realidade transcendental, considerando-se a relação das compreensões da atividade científica em seus decursos físico-químicos; bem assim a certeza da onipresença do Criador, configurado na Trindade Santíssima – entre outros temas saudáveis – constituem parte das abordagens do Autor de O passado não passa, agora também sob intelecções filosóficas acertadas e consistentes, a julgar pela clareza lógica com que explana suas certezas, postado (nós) na condição de imperito temático.

De acordo com o expresso nas obras lexicográficas de referência da língua portuguesa – e conforme o livro do Dr. Reginaldo ensina – em leitura livre, eutimia denota a exata tranquilidade espiritual, a sereníssima felicidade, conquanto tenham curso as intercorrências naturais da existência, como, num exemplo nosso, o advento inexorável da morte. Repisadamente, em situações vexatórias, estas fazem balançar o edifício eutímico, i. é, o endereço da pessoa feliz, embora, passada a borrasca, se retorne – após o lapso do nojo, o decurso penoso do luto – à circunstância de experimentação do bem-estar e da ventura. 

O étimo desse vocábulo é do grego euthumia/as = coragem, alegria, de eu = bom, bem + thumós/ = sopro, princípio vital, alma, vida, ânimo. Seu inaugural registro em livro de referência sucedeu em 1836, com a grafia euthimia, conforme demarcam os lexicólogos Antônio Houaiss e Mauro de Sales Villar, no Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2001). 

Consoante se depreende da doutrina de Reginaldo Vasconcelos, quando cuida, entre outras ideias e com distintas palavras, de fé, paz, morte e condição ideal, a noção científica de eutimia está inserta na ciência psicológica e na psiquiatria médica, como limite de equilíbrio entre a distimia (humor perenemente baixo e sua feição mais intensa, a depressão maior), como da hipotonia, a qual denota a disposição de espírito constantemente elevada, com seu perfil mais intensivo – a mania

Constitui, por conseguinte, noutra interpretação conotativa, o objetivo da terapia das desordens de humor, como ciclotimia (ou psicose maníaco-depressiva) e transtorno bipolar, psicopatologias de cuidado da psiquiatria médica e da psicologia clínica, cujos limites – onde termina um destes saberes e começa o outro – não é simples estabelecer e até mesmo resta inviável precisar. 

Aportadas às sandálias do Pintor, estamos dispensado de prosperar com escólios mais demorados, em decorrência das razões há pouco manifestas, muito embora se expresse clara a ideia de que qualquer bom decodificador de escritos deste mérito está habilitado a adentrar com sucesso o assunto, louvado nos argumentos consentâneos do Autor e dos ensinamentos por este expendidos, porém fora dos domínios de seus consulentes, em especial, dos jejunos (como nós) em relação à matéria, sendo-lhes interdito deitar cátedra, até que se aprontem convenientemente para tal. 

Desta maneira – mesmo para não subtrair dos leitores o tempero da novidade trazida por Eutimia – eximimo-nos de prosseguir com notas relativas à nossa descodificação do teor do volume, porém devemos esposar o fato de que somos admirador do escritor Reginaldo Vasconcelos, pela facilidade de muito bem se expressar, quer em língua prosa ou noutros expedientes artísticos – como a poesia e a pintura, por exemplo – porquanto, para isso, se prontificou nos desvãos da procura do saber, de custosíssima apreensão – e disto só têm certeza aqueles que sabem. 

Efetivamente, o consideramos pessoa eclética, haja vista a variedade argumentativa coberta por suas apreciadíssimas crônicas, os poemas, artigos, ensaios, pinturas e outros gêneros de expressão literária e artística, onde se demonstra o analista percuciente, o cronista romântico, o pintor ideativo, o poeta eutímico, o epistológrafo atilado, interessante e alegre. Tal sucede até mesmo nos correios eletrônicos, os conhecidos e-mails, endereçados aos seus pares, quando sugerimos, quase sempre, transformá-los em escritos para socialização pelos meios de propagação coletiva, de alteada axiologia no modo como resultam, ao ponto de não deverem ir para a sarjeta e posterior recolha, feitos ciscos indignos, descartes desprezíveis, rejeitos inservíveis, pois, no nosso sentir, aproveitáveis são como material literário de prima essência e deleite de quem aprecia composições de significados tão singulares e estésicos. 

Tomamos tento, ainda, em deixar de ir avante, não apenas em obediência à parêmia romana de que cuidamos no começo destas notas, mas, também, como revelado há pouco, para não subtrair do público ledor em potencial o hors d’oeuvre, o prato de entrada, precedente do repasto principal, configurado no exame do recheio de Eutimia, mesmo ao esposar juízos de pessoa laica nesse sub-ramo do saber ordenado. 

Impõem-nos, por conseguinte, a responsabilidade e a ética de comunicador de que devamos transmitir o sentimento veraz de que o autor do volume sob relação é um escrevinhador fecundo e facundo, conhecedor dos recursos estilísticos da língua portuguesa e de sua gramática, com larguíssimos haveres morais e faculdades intelectivas, habilidades a lhe permitirem versar, exempli gratia, sobre matéria de sublime elevação, como ocorre ser esta repassada em Eutimia – o Segredo da Felicidade Essencial. 

Isto porque foi transitado por excelentes escolas formais, bem assim pelas ensinanças dos exercícios prescritos na vida diária, do que se aproveita para conceder aos seus bens artísticos os requisitos da certeza e da estesia composicionais, que sequestram o consultante do início ao termo das suas produções. 

Conforma, sem dúvida, para nós, um regozijo ter a ensancha de expressar contentamento por privar do comparecimento, em cátedra de sodalício, de pessoa de tal modo agraciada pelo Alto, que, ao jeito de Camões, cantando, espalha por toda parte, se a tanto o ajudam engenho e arte.

 

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