CORDEL ENCANTADO
Chega aos seus capítulos finais o mais bem elaborado folhetim da teledramaturgia brasileira, Cordel Encantado, que ocupa o horário das seis na grade de programação da Rede Globo, e que fugiu à mesmice dos dramalhões açucarados que costumam freqüentar o horário, quase sempre variações sobre o mesmo tema, as paixões e as intrigas contemporâneas da classe média carioca, ou as recorrentes futricas comezinhas da vida social e política da província.
Curiosamente, não é em si a trama da novela Cordel Encantado que faz dela uma verdadeira obra prima. A história é deliberadamente banal, o roteiro é propositadamente simplório, e nisso já reside o inspiradíssimo enfoque artístico que esse trabalho recebeu.
Se a novela se inspira na literatura de cordel, a profundidade psicológica e a complexidade filosófica da narrativa não seriam o foco principal, pois a estética da arte naïfe se concentra mesmo no onírico imaginário popular.
O novelista tentou uma alquimia perigosa e por sorte chegou a um resultado mágico, combinando a elegância épica que se relaciona à monarquia, a riqueza étnica do ambiente nordestino, o clima romântico que envolve a vida no cangaço, finíssimas pitadas de humor, um pouco de religião e misticismo, tudo imerso na delicadeza da belle époque – sem descurar da fórmula básica de todo folhetim.
Obrigatoriamente, os folhetins têm que versar sobre ricos cruéis que empobrecem, ou se redimem, e pobres virtuosos que evoluem, ou enriquecem, e precisa ter um par romântico, pelo menos, que depois de muita dificuldade conquista a paz e a união definitiva, via de regra em um pomposo casamento, naquilo que no jargão do cinema se convencionou chamar “final feliz”.
Em Cordel Encantado tudo isso está presente, e tudo isso involucrado em temas musicais bem selecionados, que vão de Gilberto Gil a Djavan, passando por Alceu Valença, em belíssimo figurino, em primoroso trabalho de fotografia artística, e no mais perfeito sotaque sertanejo já obtido por um elenco da TV e do cinema brasileiros, por mérito dos especialistas em prosódia da emissora platinada.
Tamanhos foram os cuidados líricos e a bravura artística dos autores da novela que eles tiveram a ousadia de concentrar referenciais importantes, em primorosas adaptações estéticas, como, por exemplo, a adoção de vistosos gibões de vaqueiros na indumentária dos cangaceiros, com magnífico resultado. Se isso fosse feito por ignorância antropológica seria inaceitável, todavia tudo foi deliberadamente programado, em busca do melhor efeito, dentro de um clima de fetiche.
Mais ou menos de trinta em trinta anos a linha de produção da teledramaturgia brasileira marca um tento como esse - lá atrás Irmãos Coragem, mais na frente O Bem Amado, depois Roque Santeiro, em seguida Pantanal, a única que não teve o logotipo global, mas o símbolo da Manchete.
Reginaldo Vasconcelos