VIANNEY MESQUITA
PALMACIANO OURIVES DO VERBO
Márcio Catunda
A flexa deixa de pertencer ao arqueiro, quando
abandona o arco. Entrementes, a palavra já não pertence a quem a profere, uma
vez que passe pelos lábios (CHRISTIAN JOHANN HENRICH HEINE, poeta
tedesco. Dusseldorf,13.12.1797; Paris, 17.01.1856).
O
exímio sonetista Vianney Mesquita é um ourives do verbo. O polimento com que
ele cinzela a palavra é arte reservada a poucos buriladores da parole
imaginária.
Provém
da estirpe poética de Luís de Gôngora. Sua experiência na composição de
decassilábicos portugueses remonta aos anos de 1970, tempo em que o conheci na
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Nesses quarenta e tantos
anos de amizade, aprecio seu esmero nas simetrias dos ritmos. Eis que o louvo
pelo competente exercício estético da palavra, generosa ascese reservada aos
hierofantes e oráculos.
A
destreza desse bardo brasileiro, cearense e palmaciano faz-se notar,
especialmente, na transição dos quartetos, que fluem de maneira espontânea para
se integrarem aos trísticos, sem que se perceba ruptura ou dissonância. Tudo é
sonoro, precioso e lúdico, nas partículas sintagmáticas, compositivas do
conjunto todo dos catorze versos. Essa conjunção métrica respira e brilha como
um organismo vivo.
A
erudição ao serviço da espontaneidade, o léxico seleto e primoroso, as imagens
sempre surpreendentes, eis a forma da impecável Poesia, na escorreita
conjugação do significado e dos significantes. É assim que Vianney Mesquita nos
faz, dando-nos esta dádiva de grandeza, que é.
Trabalho
de recôndito monge visionário, o soneto do Árcade Novo Jovem Khrónos, da Arcádia
Nova Palmaciana, é o acúmulo de todas as virtudes prosopopeicas do gênero,
desde as provençais, rudimentares práticas dos catorze apolíneos, passando pelo
Iluminismo de Dante Alighieri, até o denominado Modernismo, em que o soneto
apenas se renovou parcialmente, mantendo, porém, intacta sua estrutura.
Vianney
Mesquita celebra as personagens mais clarividentes do Ceará e do Mundo. Sua
erudição transpõe fronteiras de toda sorte.
De permeio, rende homenagens aos
melhores amigos. Os poemas estão intercalados de notas esclarecedoras e cultos
epigramas, que deleitam os leitores sedentos do conhecimento.
O
seu lúdico sonhar traslada-se, portanto, aos temas eternos e fraternos: as
festas das amizades, em que os amigos são enaltecidos, mostrando o Humanismo
que transforma em poesia o axioma de Cícero: “[desfrutamos melhor as benesses
do gênio e da virtude, se os compartilharmos com os amigos mais próximos”].
Cumpre,
ainda, evidenciar o fato de que estes sonetos adquirem sabor de epitalâmios,
porquanto se motivam na celebração do Jubileu do casal Socorro Mesquita (também
escritora) e Vianney. E essa é mais uma ocasião de alegria para os diletantes
da leitura deste livro.
Vianney
Mesquita é também um poeta místico, um devoto da mais elevada espiritualidade.
Essa condição o qualifica ao nível de expressão de filosofia moral (vide as
peças Cordialidade, Ode à Discrição, Proveito do Silêncio, Perigo da Fama
e outros), fundado em doutrinas de mestres da estirpe de Tácito, Juvenal,
Pascal, Diderot, Benjamim Franklin et alii.
Em
todos os aspectos, nos sentidos denotativo e conotativo, os conjuntos poéticos
de VM ressoam nos níveis fônico e semântico, uma oitava acima da poesia média
contemporânea, e põem em realce em seus corolários os ideais mais belos.
O
cotidiano é elevado ao plano metafísico. A sátira e a paródia assumem ares de
elegante estesia. Nas lúdicas conceições literárias deste vate, tudo se reveste
de uma sublimidade melódica e de uma expressão verbal intensa e brilhante.
Feliz
o leitor que adentre o mundo deslumbrante das páginas deste livro!
Márcio
Catunda
Genebra,
14 de maio de 2024.
Nota da Redação
Mesmo sem ser fração do livro comentado pelo
escritor brasileiro-cearense, o intelectual e diplomata Márcio Catunda, e a fim
de o leitor alcançar por completo seu entendimento, transferimos para cá este
decassílabo português de VM.
Verbo Justo
Vianney Mesquita
Palavra solta! Nem cavalo a galope é capaz de
alcançá-la. Cuidado, pois, com o que proferes!
(Provérbio chim)
Desconvém desprezar o verbo justo,
Tampouco bendizer a logorreia.
Más dicções derruem a panaceia,
Malsãs mezinhas para um mal vetusto.
Frase dissolta, sem nexo robusto,
A endentação da lógica debreia,
Ao corromper as intenções da ideia
De liberar um bem já tão angusto.
Concedamos, então, tino às palavras,
Dando azo a tenções sob hábeis lavras
De límpidas linguais águas hissope.
Soltemos, pois, as intenções escravas
E arremessemos o ilogismo às favas,
Cedendo ensejo ao pégaso em galope!
***
Auxílio
para a Decodificação o Soneto
Primeiro
quarteto
Visando
a se proferir algo racional, no âmbito da lógica discursiva, é inconveniente
deixar de empregar alocuções justas, pois é preferível abandonar as expressões
inúteis, sem sentido – as chamadas logorreias. Isto porque estas
desconsideram o pretenso remédio, a panaceia, para todos os males, no caso, uma
falsa mezinha contra um mal antigo.
Segundo
quarteto
Em
continuidade, divisa-se a noção de que palavreado descomposto, dissolvido
(dissolto), não tem ligação vigorosa, vocábulo a vocábulo, de sorte que a
engrenagem (endentação) da lógica, da ideação racional, sobra desconectada,
corrompendo as intenções ideativas produzidas para deixar livre um bem, hoje,
já tão estreito, de tal modo constrito.
Primeiro
terceto
Então,
deve-se conceder razão, ideias racionais, às palavras, para que, sob o prisma
linguístico, sejam elas, poeticamente, um aspersor dos líquens da Língua
Portuguesa (hissope) com vistas a refrescar quem fala e escreve.
Segundo
terceto
De
tal modo, a ideia é de que as intenções escravizadas pela idiossincrasia das
dicções mal formuladas sejam libertas, abandonando-se o ilogismo e concedendo
oportunidade a que o cavalo do provérbio chinês, expresso na cabeça do soneto,
a epígrafe (bem como os leitores), alcance o que intentam exprimir as noções
expressas.