sábado, 2 de maio de 2015

ARTIGO (CB)

O AÇUDE CASTANHÃO


NUMA  VISÃO PROSPECTIVA
Cássio Borges*


Quando fui Diretor Regional do DNOCS, na década de 70, à época em que era Diretor Geral daquele Departamento o saudoso e brilhante engenheiro José Lins de Albuquerque que, diga-se de passagem, apoiava e prestigiava todos os meus atos relativos à questão hídrica do Estado do Ceará, tomei a decisão de não instalar as comportas do Açude Orós, já adquiridas e vendidas como ferro velho.

A finalidade era reduzir a capacidade global de sua acumulação de 4,0 bilhões de m³, para a qual foi projetado e construído, para apenas 2,0 bilhões de m³ tendo, para isso, apresentado, na ocasião, as necessárias justificativas dessa minha decisão, entre as quais a inundação de significativa parte da cidade de Iguatu.

Relembro o fato acima, visto que, vez por outra, algum segmento (isolado) da sociedade cearense faz referência lisonjeira ao Açude Castanhão usando adjetivos monossilábicos como, por exemplo, chamando-o de “milagroso”, num claro propósito de blindar qualquer argumento contrário à sua existência e impô-lo, definitivamente, à opinião pública.

Nunca é demais lembrar que fui favorável a essa obra, porém defendendo a capacidade de 1,2 bilhão de m3.  E me pergunto: “milagroso” por quê? Terá sido porque ele desviou as águas do Rio Jaguaribe para a atmosfera com uma inconcebível evaporação de 20 m3/s? Será porque, apesar do seu gigantismo (o maior açude em regiões semiárida do mundo) sua vazão regularizada, de 10 m³/s é (pasmem!) inferior à do Açude Orós (12 m3/s), apesar deste ser 3,5 vezes menor em volume d’água acumulado do que ele? Que milagre é este?

Vejo nesses propósitos intencionais de blindar ou impedir qualquer argumento ou estudo que venha a ser proposto semelhante ao que foi decidido em relação ao Açude Orós na década de 70, acima referido. Aos que não se lembram, ou não tenham tido conhecimento, recordo que o Açude Castanhão foi condenado por razões técnicas, econômicas, sociais e ambientais, por sete votos a zero, no Tribunal da Água (nos moldes do Tribunal Internacional da Água, sediado em Copenhague, na Dinamarca), o qual foi realizado em Santa Catarina em abril de 1993. Em defesa desse empreendimento estiveram dois dos mais destacados engenheiros da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará.

Infelizmente, por razões estranhas e inexplicáveis, a Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará, desrespeitando o bem elaborado e correto planejamento do vale do Rio Jaguaribe, feito pelo DNOCS, substituiu a construção do Açude Castanheiro, no Rio Salgado, em Lavras da Mangabeira, afluente principal do Rio Jaguaribe por sua margem direita, pelo Castanhão, próximo do litoral, o que motivou amplo debate que durou 14 anos, tendo como pano de fundo, verdade seja dita, os interesses da portentosa empreiteira Andrade Gutierrez,  responsável pela construção dessa obra.

A verdade é que, em resumo, os colegas engenheiros que antes eram contrários à referida obra e comungavam comigo do mesmo pensamento, de repente passaram a ser os mais ferrenhos defensores desse empreendimento. 

Tudo isto contei em livro, de 331 páginas, do qual não retiro uma só vírgula, que escrevi em 1999, intitulado “A Face Oculta da Barragem do Castanhão – Em Defesa da Engenharia Nacional”, no qual consta, no Capítulo XXXI, os detalhes sobre o Julgamento no Tribunal da Água e tudo o que ali  está dito vem sendo comprovado pela história nesses onze anos de sua existência, para tristeza da população cearense que foi, lamentavelmente, enganada quanto aos reais  benefícios desse empreendimento, um Ceará Aquático, como dizia a propaganda oficial.     

Em síntese, o Açude Castanheiro, na cota (altura topográfica)  239m, portanto com amplas possibilidades de levar a água por gravidade, sem necessidade de bombeamento, para diversas regiões do Estado do Ceará, foi substituído, irresponsavelmente, pelo Castanhão, na cota 50m, o qual domina apenas cerca de 30% do Vale do Jaguaribe, justamente uma das partes menos sujeitas às secas, que é o litoral. Logicamente, o próprio Castanheiro, se tivesse sido construído, estaria também beneficiando esta mesma área, inclusive a Região Metropolitana de Fortaleza. A seguir, faço um breve estudo comparativo do Açude Castanheiro em relação ao Açude Castanhão:

1. A primeira coisa que devo ressaltar é que o volume d’água de acumulação do Castanhão é 3,5 vezes maior do que o do Castanheiro. O primeiro tem sua capacidade de acumulação de 6,7 bilhões de m3, enquanto o segundo acumularia, se construído, no máximo, 2,0 bilhões de m3;

2. O Castanhão tem sua parede, digo, sua barragem, uma extensão de 12.000 metros, enquanto o Castanheiro teria (pasmem!) apenas 40 metros;

3. O Castanhão foi construído num seção já perenizada pelos Açudes Orós e Banabuiú e mais recentemente pelo Açude Figueiredo, concluído no ano passado, o qual já fazia parte do planejamento do DNOCS desde a década de 50;

4. A bacia hidráulica do Castanhão é um mega espelho aberto exposto ao sol e aos ventos o que favorece à elevada evaporação de 20 m3/s, conforme observado no atual período de quatro anos de seca. Esta alta evaporação já era prevista por mim no livro que escrevi, acima referido;

5. A vazão regularizada do Castanhão, antes tida e havida como sendo da ordem de 30,00 m3/s, depois 19,0 m3/s, somente no final do ano passado foi reconhecida como sendo de apenas 10 m3/s, inferior à do Açude Orós que é de 12,00 m3/s, apesar deste ter um volume de acumulação d’água 3,5 vezes menor do que aquele. Repito: Que milagre é este?

É lamentável que os atuais dirigentes da política de recursos hídricos do Estado do Ceará não queiram reconhecer os erros que foram cometidos em relação ao projeto do Açude Castanhão, pois só reconhecendo a existência deles é possível corrigi-los ou minimizá-los. É fundamental terem a humildade de reconhecer as falhas e não se considerarem os donos da verdade. 

A construção, ainda que tardia, das Barragens do Castanheiro e Aurora, e outras de portes médios, poderão fazer parte do planejamento dos recursos hídricos, não só do vale do Rio Jaguaribe, como do próprio Estado do Ceará como um todo, considerando-se a vazão que deverá provir do Rio São Francisco.  Basta ter visão estratégica e vontade política. Não se deve desprezar a história, pois aprendemos com os erros do passado.


*Cássio Borges é engenheiro civil, 
formado pela Escola Politécnica de Pernambuco e 
especializado em recursos hídricos e barragens pela 
Escola Nacional de Engenharia e 
Pontifícia Universidade Católica-PUC, 
ambas do Rio de Janeiro.

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