domingo, 17 de maio de 2015

CRÔNICA (AM)


PRECISA-SE DE UMA VOVÓ
Assis Martins*


Precisa-se, com urgência, de uma senhora idosa, bem velhinha, de preferência que tenha o cabelo bem nevado, como daquelas vovós antigas que a gente encontrava nas cartilhas, filmes e histórias da carochinha. É necessário ter todos aqueles atributos que hoje nos dão saudade: a voz meiga, os olhos cheios de ternura e com o dom de compreender os nossos defeitos, a qualquer hora. Esses predicados serão suficientes para fazer a felicidade de um pobre cristão carente de afeto, que busca em cada esquina o refúgio e o consolo da voz da experiência. 


Quando vocês encontrarem algum anúncio semelhante a este, saibam que é, com certeza, de um amigo meu, cujo nome não vem ao caso, intransigente defensor dos costumes antigos. Ele é radicalmente contra o gosto atual das pessoas idosas de pintarem o cabelo, cuidarem da pele e da postura, enfim, de darem uma retocada no visual.

Não concordo com suas posições e argumento que acho muito bonita a atitude das pessoas, que, apesar da idade avançada, alimentam a autoestima, seja com a indumentária ou o físico. É gratificante ver, pelas áreas de lazer da cidade, venerandas senhoras e sisudos senhores, sozinhos ou em grupos, às vezes sob as ordens de um instrutor, realizando atividades físicas e lúdicas com o maior entusiasmo.

Essas cenas, hoje tão comuns, eram inadmissíveis no passado. Os idosos, aliás, os integrantes da melhor idade, procuram assimilar tudo veiculado pelos media, tanto nos atos de vestir e calçar, quanto no aspecto da estética, da beleza física.

É formidável ver uma senhora setentona frequentando academia, andando aprumada, cabelo arrumado e o astral lá nas alturas. Sem essa do casal de velhinhos ficar confinado nas alcovas, remoendo lembranças e transformando a vida a dois numa eterna liça!

A ciência operou grandes saltos na busca de uma vida mais saudável e, a cada dia, avança mais na peleja contra o envelhecimento humano, por meio de um sub-ramo científico novo – a Gerontologia, a qual estuda os fenômenos psicológicos, fisiológicos e sociais relacionados ao envelhecimento do ser humano. Acolheu, também, uma especialidade médica para examinar e tratar as patologias ligadas à decadência humana advinda da idade cronológica.

Muitas novidades surgem em todas as áreas. São tratamentos intracelulares, drogas para combater os radicais livres e prevenir a longevidade das células, distintos métodos de hidratação da pele para diminuir manchas e rugas, próprias da idade.

Contou-me o amigo, Prof. Vianney Mesquita, que, revendo uma dissertação de mestrado acerca de assuntos gerontológicos, deparou a fala de uma senhora de 89 anos que, indagada pelo pesquisador sobre o que é ser velho, respondeu: qualquer pessoa com cem anos ou mais, que vive reclamando de dor em todo canto do corpo, não come, não dorme direito e vive tomando meizinha ...

O grande perigo dessa época de ViagraCialis e outros estimulantes milagrosos é a propagação de doenças sexualmente transmissíveis por um velhinho mais afoito, o que era outrora "privilégio" dos jovens.

Meus argumentos não conseguem mudar a opinião do meu amigo, que vai mais além, acentuando que até os clássicos infantis serão mudados. Por exemplo, a Vovó de Chapeuzinho Vermelho não será salva pelos caçadores, ela própria liquidará o lobo mau com potente golpe de caratê! 

O cúmulo a que chegou foi dizer que o explorador espanhol Ponce de Leon, descobridor da Flórida, obcecado a vida toda para encontrar a água da Fonte da Juventude, não foi tão infeliz no seu intento, porquanto conseguiu ainda, pouco antes de morrer, inventar um genérico: a tintura para cabelos.

*Assis Martins 
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador. 
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do Ensino Superior 
pela Universidade Federal do Ceará.

Um comentário:

  1. Eis uma reflexão bem humorada!! Todos os dois tipos são interessantes: a vovó modelo antigo, e a vovó moderna - contanto que ambas tenham muito carinho e atenção para dar aos seus queridos...
    Parabéns, Assis, pela crônica!
    Abraços,
    Karen R.

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