sábado, 2 de maio de 2015

ARTIGO (RV)

O LOBO DO HOMEM
Reginaldo Vasconcelos*


"Lupus est homo homini non homo" (Titus Maccius Plautus - 230-180 a.C.)

                         
Quem  assistiu ao primeiro episódio da série cinematográfica americana “O Planeta dos Macacos”, de 1968, lembra que o protagonista, um astronauta, vivido pelo ator Charlton Heston, acidentalmente viaja no tempo e aporta na Terra do futuro, dominada por macacos, que escravizam seres humanos, os quais desaprenderam a falar.

No filme se observa que os símios, embora inteligentes e falantes, dotados de grande boçalidade, se colocam no centro do universo planetário, considerando que os demais seres, inclusive os humanos, como animais inferiores, despersonalizados, não são sujeitos de direitos.

O argumento da história, retirada do livro homônimo do escritor francês Pierre Boulle, escrito em 1963, impõe uma reflexão grave sobre a concepção humana tradicional de que subjugar a natureza e os outros seres vivos é apanágio de uma única espécie, aquela capaz da comunicação e do raciocínio.

O antropocentrismo, que é essa tendência de considerar a superioridade absoluta do homem enquanto espécie, vem sendo mitigado ao longo do tempo, como consequência mesma da evolução moral e espiritual da sociedade, com repercussão jurídica, embora a diversidade cultural ainda apresente resistências, notadamente em regiões mais atrasadas do Planeta.

Não se admite mais a exploração “desumana” de animais nos circos, por exemplo, e há movimentos contra o uso cruel de cobaias nos laboratórios, enquanto alguns animais domésticos ganham status de “pessoas”, credores de carinho e respeito, objetos de atenções sociais e de excepcionais cuidados médicos.

No campo alimentar, entretanto, a humanidade demorará muito para superar a necessidade de abater animais para suprir a sua ração de proteína, essencial ao seu organismo. A caça e a pesca foram praticadas por milênios, sem restrições, mas isso vem se tornando inviável, em função do crescimento demográfico.
  
Tendemos então para criatórios intensivos, de modo a preservar os estoques de fauna e o meio ambiente, e para o emprego de modos mais caridosos de manejo e de abate, prezando pela paz psíquica dos animais irracionais, e não lhes infligindo dores físicas – além de garantir a preservação de suas espécies, que é o grande desiderato natural.


Porém, obviamente, haverá sempre uma necessária gradação entre as esferas jurídicas dos seres, umas superiores às outras por direito natural – que primeiro salvem-se os homens e depois os golfinhos e os cavalos, as galinhas e as baleias, as abelhas e as raposas. Nos lugares do mundo onde ainda existem grandes feras, embora protegidas da caça, elas são eliminadas quando passam a atacar seres humanos.   

Nessa mesma linha, mesmo entre os homens, uma hierarquia ética se impõe: primeiro se protejam, de forma incondicional, os cidadãos idôneos, e somente depois se cotejem e apliquem as prerrogativas humanitárias dos delinquentes em geral.

Assim, se o indivíduo revela disposição de atacar a integridade de inocentes, em qualquer medida, precisa ele ser reprimido com energia, indiferentemente de sua condição social, mental ou etária, até com letalidade, se flagrantemente necessário.

Principalmente, o predador da cidadania deve ser submetido a custódia estatal imediata, seja ele gente ou bicho, adulto ou criança – não para que expie sua culpa penal pelo sofrimento – mas até que não traga mais nenhum perigo à sociedade.

No mundo todo, o Direito Penal ainda traz a mesma lógica da empalação e do açoite, do suplício e das masmorras, com o fito de disciplinar o infrator atual, e, a um só tempo, exemplar o eventual futuro delinquente, para que, temendo o castigo, ele se abstenha de sua sanha delitiva.

Nos países desenvolvidos a privação da liberdade e a pena de morte prevalecem como punição máxima e como soluções civilizadas, contudo é a filosofia medieval da vingança social pela tortura psicológica e pela extinção física que permanece latente nessas práticas modernas.

A verdade é que, vendo bandos de meninos vagabundos atacarem cidadãos de bem e trabalhadores honestos pelas ruas do Brasil, deixemos à parte essa questão jurídica brasileira sobre as leis penais e a sua execução. 

Ao contrário do que discutem com grande volúpia os penalistas, o foco central do Estado deveria ser a pessoa de bem e a sua segurança, e não o criminoso e o seu castigo.

A priori não interessa como, quando, quanto e a quem sejam aplicadas as penalidades, mais ou menos rigorosas, para nos determos sobre um fato insofismável: os agressores precisam ser imediata e eficientemente segregados pela máquina governamental repressiva, para que se evitem novas vítimas, para que se garanta a incolumidade de inocentes.

Diante disso, não interessa toda essa infindável discussão sobre a redução da maioridade penal; a respeito do desarmamento da população civil; sobre a constatação da tibieza das penas cominadas e a grande flexibilização do seu cumprimento; sobre a grita pelos direitos humanos dos delinquente e dos presos.

Na verdade, nada disso supera a importância urgente de manter os cidadãos a salvo dos bandidos, de separar o joio do trigo, de proteger os homens dos lobos, sem espaço para as infindáveis e inócuas lucubrações filosóficas, sociais, políticas e jurídicas sobre o sexo dos anjos, no campo criminal. Delinquiu com violência? É prender e deixar preso – seja quem for, tenha que idade tiver – até que, seguramente, ele não traga mais perigo à cidadania e possa vir a ser devolvido à sociedade. Innocens  sacra  res est.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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