Graças
a Deus!
Altino Farias*
Um
fio, uma agulha: difícil passar um por outra. Nova tentativa frustrada. Afinou
o fiapo de linha com saliva, e mesmo assim não conseguiu. Olhos gastos, mão
trêmula, pensar distante.
Iria
cerzir roupas do filho que, desempregado, procurava nova oportunidade de servir
a um senhor e precisava boa apresentação. Sem grana para roupas novas, o jeito
era arrumar as que tinha. E ela estava ali para isso. Mais uma vez dentre
tantas. Aliás, por toda a sua vida.
Enfim,
linha na agulha, e logo um dedo furado. Não usava dedal há tempos. Até antes
mesmo de o falecido partir para outra. Mais um costume que ficara para trás.
Sangue!
Parou.
Lágrimas! O sangue trouxe-lhe à memória uma porção de acontecimentos. Coisas da
vida de todo mundo, de qualquer um, nada especial. O tempo ficou
congelado por alguns instantes.
Sangramento
estancado com o cuidado de não manchar a roupa a consertar, o trabalho seguiu
em frente. Um ponto aqui, uma lançada ali, uma aparada em fios soltos, mais um
jeitinho de mãe, um leve sorriso. Pronto!
Foi
dormir com a ponta do dedo um pouco dolorida, mas nem lembrava mais da agulha a
lhe perfurar a pele, apenas queria sonhar com um novo e lindo dia, ainda que a
própria vida lhe estivesse por um fio.
Mais
uma manhã por vir. Preocupações, pequenas alegrias, dores, limitações,
lembranças e mais um “graças a Deus”. Quem sabe teria o privilégio a mais um
dia completo, com direito a agulhas a lhe furar as pontas dos dedos e cerzidos
perfeitos.
*Altino Farias
Engenheiro Civil - Empresário - Cronista - Blogueiro
Editor do jornal virtual Pelos Bares da Vida
Titular da Cadeira de nº 16 da ACLJ
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