A MONTANHA
Reginaldo Vasconcelos*
Não se pode interferir na obra de Deus, naquilo em que se impõe sua vontade soberana, como fato imprevisível e consumado, muitas vezes na forma de provação de nossas almas. Retroceder o destino, fazendo o mundo girar em sentido oposto, só é possível nos recursos do cinema americano e no devaneio do poeta brasileiro.
Super-heróis da ficção podem reverter os
fatos, mas aos pro-homens da vida real cabe apenas criar e edificar, em tempos de bonança,
e, cumprindo a tarefa de Sísifo, reconstruir sobre os escombros, a cada vez que a má sorte surpreenda e venha o caos.
Todavia, parece que os insuspeitados
superpoderes de alguns seres comuns lhes proporcionam às vezes a capacidade de
receber sinais daquilo que ainda virá, como que a prevenir-lhes de missões que
o futuro lhes reserve.
Reminiscência interessante de Mino Castelo
Branco veio a lume na mensagem que ele gravou para saudar Igor Queiroz Barroso, no
telão da solenidade de posse deste na ACLJ, a que aquele, titular da
instituição, por motivo de força maior, não poderia comparecer.
Narrou o Mino no telão que, certa feita, o
Igor ainda menino passeou com ele de automóvel pela região de Maranguape,
fugidos os dois por algum tempo de reunião domingueira em sítio da família para
a qual o artista, amigo da mãe do garoto, fora convidado.
A certa altura da festa, certamente os
assuntos da roda ficaram pouco interessantes ao leve espírito do Mino, muito
menos ao gosto do Igor, que não havia outras crianças no local para lhe mitigar
o tédio infantil – e então os dois saíram do sítio à francesa para excursionar pelas
estradas.
De repetente a visão de uma serra se
descortinou ante seus olhos, aquela imponência verde e pictórica, aquela
paisagem telúrica e bucólica, que tangeu as cordas líricas do coração do
artista plástico e encheu os olhos encantados do menino.
– A montanha, Igor!... – disse o Mino, parando o carro e apontado com o indicador na direção da serra, naquele seu modo bem cearense de
falar, na meiga e paternal entonação que sempre adota.
– A montanha!... – teria respondido o seu
interlocutor mirim, extasiado com a imagem inusitada. E certamente ficaram lucubrando
ainda um pouco sobre aquele colosso da Natureza – e acrescentou o Igor depois que ele chegou mesmo a propor que o escalassem incontinenti, em lúdico impulso pueril.
Voltaram ao sítio, Igor virando-se várias
vezes para ver a imagem da serra sumindo à distância, espetáculo que ele jamais
esqueceria. Encontrou-se com o Mino muitos anos depois, o qual não reconheceu
de pronto naquele homem feito o menino do passado. “Tio Mino, sou eu, o Igor da
Montanha”.
Essa história linda, que comoveu a todos
durante a projeção da mensagem no auditório da ACI, transporta em si uma premonição espetacular
para a qual o Mino certamente nunca atinou, e que não sei quanta gente naquele recinto percebeu.
Foi no topo de uma dessas serras cearenses que, dois ou três anos depois do fato narrado pelo Mino, iria
perecer o empreendedor Edson Queiroz, avô de Igor, cujo grupo empresarial este viria
a administrar, sob a presidência de sua avó e com outros membros da família.
Tenebroso acidente aéreo no cume da serra da
Aratanha, montanha que este velho cronista escalou como repórter, no
dia seguinte, 09 de junho de 1982, para a cobertura fotográfica do triste sinistro, cujas imagens
mais fortes se absteve de fazer, em reverência às centenas de vítimas. Ele o a equipe estavam emocionalmente esmagados pelas cenas da tragédia.
Nota: Paisagens pictóricas do Prof. Vlamir de
Sousa, e fotos da escalada da Aratanha na época do acidente.
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