terça-feira, 31 de agosto de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (30.08.2021)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
   (30.08.2021)




PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta segunda-feira,  que teve duração de uma hora e meia, dez acadêmicos e um convidado especial. Compareceram ao grupo o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Bacharel em Direito e Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel (Estado do Rio), o Agente Comercial Internacional Dennis Vasconcelos e o Marchand Sávio Queiroz Costa.

Estiveram presentes também o Juiz de Direito e Professor Aluísio Gurgel do Amaral Júnior, o Físico e Professor Wagner Coelho (Rio de Janeiro),  o Advogado e Pesquisador Sionista Adriano Vasconcelos (Fazenda Três Corações), o Jornalista Wilson Ibiapina (Brasília), o Procurador Federal Edmar Ribeiro, o Advogado Betoven Oliveira e o Poeta Paulo Ximenes.




 TEMAS ABORDADOS

Wilson Ibiapina abriu a reunião registrando a chuva em Brasília, depois de longa estiagem, e relatando que o cineasta cearense Mirton Venâncio, radicado em Brasília, está preparando um documentário sobre o grupo de artistas sônicos cearenses que se notabilizou nacionalmente como "Pessoal do Ceará", na década de 70.

Também anunciou que Ricardo Bezerra, o qual, assim como o próprio Ibiapina, foi uma das "eminências pardas" do Pessoal do Ceará, estaria organizando um obra com crônicas sobre o pensador mundano Augusto Pontes, que era um espécie de alter ego coletivo dos componentes daquele parnaso cearense.   

Na linha do tema sobre os artistas cearenses contemporâneos mais notáveis, Aluísio Gurgel lembrou de seu amigo Liduíno José Pitombeira de Oliveira, natural de Russas, PHD em harmonia e composição pela Universidade de Louisiana, nos EUA, e ocupante da Cadeira 28 da Academia Brasileira de Música, patroneada por Ernesto Nazareth.

Na sequência, comentou-se sobre as boas cachaças brasileiras, o destilado símbolo da nacionalidade brasileira, de que o confrade Altino Farias é o Embaixador no Ceará, e o Betoven registrou que sua irmã produz em seu alambique de Cascavel um dos bons rótulos locais — a cachaça Gole de Ouro — que ele prometeu trazer à Tenda Árabe, oportunamente, para degustação da confraria. Nesse clima das libações entre amigos, Sávio Queiroz abriu uma cerveja para levantar um brinde aos convivas: Saúde!  


    DEDICATÓRIA 



A sessão virtual da ACLJ realizada nesta segunda-feira foi dedicada ao jovem Geógrafo Cândido Henrique de Aguiar Bezerra, atual Superintendente do Iphan-Ce, em reconhecimento de seus esforços pelo tombamento e restauração do prédio do velho Iracema Plaza Hotel, da década de 50, um dos ícones arquitetônicos do Ceará, atualmente em estado de degradação absoluta, que o Município de Fortaleza declarou não compensar recuperar. 

Candido Henrique é sobrinho do nosso Membro Benemérito, o Político e Advogado  Ubiratan Aguiar, Ministro Emérito do Tribunal de Contas da União 
— sendo sobrinho também da mulher dele, Dona Terezita, filho da irmã de um e do irmão de outro, que são casados entre si. 

Ele se diz um Monarquista, o que sinaliza a sua sensibilidade política, o seu amor à tradição, e o seu apreço pela História do País.  

No referendo de 2005 o Brasil perdeu a oportunidade de adotar o parlamentarismo monárquico, e penetrar no seleto clube das 44 monarquias constitucionais, como o Reino Unido e o Japão, e de lá para cá vem sofrendo governos presidencialistas em que os titulares brincam de reis absolutos, comprando o Parlamento para o cometimento de arbitrariedades diversas, como duplicar o próprio patrimônio mandatício, ou enriquecer a si e o seu partido político com desvios de verbas do erário, através das "mais tenebrosas transações".
 

    

CRÔNICA - Peixes (TL)

 


REFLEXÃO - Monólogo de Uma Vida (PN)

 Monólogo de uma vida
Pierre Nadie*

 

     

– Vou-me embora de mim. 

– Como, se não inda te encontraste? 

– Não me suporto mais. 

– Que relação tens contigo? 

– De mim, nunca tive encontro comigo.

E já me vejo em desencontro. 

– Vê, tu és tu. Não consegues fugir de ti. 

– Por que te desencontras 

Se não buscaste encontrar-te? 

Existir não é bastante 

Para valer a pena viver 

É preciso te sentires 

Saber o conteúdo de ti 

É preciso te abraçares 

Plantar flores 

Não remover espinhos 

– Vê, a aurora está a vir 

Caça-te aos seus albores 

Cegos a olhos herméticos 

Não sejam aos teus 

Não te casse a vida 

Nem te deixes dela fugir. 

Não, não podes viver sem ti. 

 

sábado, 28 de agosto de 2021

ARTIGO - A Transição (RMR)

 A TRANSIÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*


Todo tempo é tempo de transição, dizem os seguidores de Heráclito de Éfeso (540 a. C.– 470 a.C.), para quem não se toma banho duas vezes no mesmo rio, pois o rio e o homem já não são os mesmos. Tal ênfase na mudança inviabiliza as referências e sentidos. No polo oposto Parmênides de Eleia (530 a. C – 460 a.C.), disse que a essência das coisas não muda. A divergência permanece. Não pretendemos resolvê-la. 

Existem diferentes ritmos de transformações históricas. Fernand Braudel (1902 – 1985) identificou três compassos históricos. Há transformações cotidianas, como as da indumentária, geralmente rápidas. A organização social, porém, é modificada mais lentamente, embora possa ser acelerada em certos momentos. Pode, ainda, haver organização de formas variadas, mas com algum aspecto de longa duração. Os sistemas de parentesco têm algo invariável, como a  exogamia, que segundo Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009), é comparável a concepção de essência imutável de Parmênides. O controle social, sem embargo de suas variadas formas e graus, sempre se faz presente com o amparo de alguma forma de hierarquia, poder e vigilância (Michel Foucault, 1926 – 1984, em “Vigar e punir”), configurando longa duração. 

O momento é de transformações rápidas. Aspectos estruturantes da sociedade estão mudando. O equilíbrio entre nações mudou e provocou reflexos nas relações entre elas. Inovações tecnológicas modificaram a cultura de massa e impactaram na política. Atores não estatais, como as redes sociais ou entidades como o Greenpeace, ganharam protagonismo inédito desde que os estados nacionais centralizaram o Poder. Partidos políticos sofreram desgaste no mundo inteiro. Criou-se um vácuo político e o populismo o preencheu. A interdependência e o multilateralismo despertaram em muitos a sensação de perigo e a atitude de defesa em face do neocolonialismo, oculto sob a pele da governança mundial. 

O enfraquecimento dos estados divide a soberania e as lealdades nacionais com vários outros vínculos, como na Idade Média, quando o feudo, o reino, o Império e a Igreja formavam camadas de compromissos no conjunto das relações sociais, como assinala Joseph Samuel Nye Júnior (1937 – vivo), na obra “Os paradoxos do Poder americano”. A rádio difusão contribuiu para o surgimento de lideranças populistas e totalitárias, ainda segundo Nye. O impacto das tecnologias digitais é muito maior. Fortaleceu o poder brando, que obtém colaboração sem usar a força ou intimidar. Aumentou a articulação de setores não estatais, mas ampliou as possibilidades de controle do poder central, que agora tudo vigia, como na ficção de Georg Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), na obra “1984”. A inteligência artificial, por outro lado, pode aumentar o poder bruto.

O poder, no momento, se desloca do ocidente para o oriente; das democracias para os regimes fortes. A mistura da razão teorética, herdeira da Filosofia grega, com o pragmatismo romano e com o teocentrismo judaico-cristão está em desvantagem na competição com a tradição islâmica e com a sabedoria oriental. A autocrítica da tradição grega, levada ao extremo, gerou desorientação, relativismo, niilismo e hedonismo. A civilização grega, quando decadente, deu lugar aos eruditos da Sofística, com relativismo, ceticismo, retórica, convencimento e desonestidade intelectual. A dissolução dos costumes e a instabilidade se fizeram presentes. Roma também decaiu assim. O constante devir é instabilidade em grau incompatível com as instituições, cujos “tripulantes”, como a mulher de Cesar, além de honestos, devem parecer honestos. Suspeitas de fraudes ou decisões casuísticas, por exemplo, deveriam ser afastadas.


terça-feira, 24 de agosto de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (23.08.2021)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
   (23.08.2021)




PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta segunda-feira,  que teve duração de uma hora e meia, nove acadêmicos e uma convidada especial. Compareceram ao grupo o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Bacharel em Direito e Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel (Estado do Rio) e a Dona Katia Rego (Rio das Ostras-RJ).

Estiveram presentes também o Agrônomo e Pesquisador Luiz Rego (Rio das Ostras-RJ), o Físico e Professor Wagner Coelho (Rio de Janeiro), o Marchand Sávio Queiroz Costa, o Advogado e Pesquisador Sionista Adriano Vasconcelos (Fazenda Três Corações, o Bibliófilo José Augusto Bezerra e o Poeta Paulo Ximenes.

Aluísio Gurgel aparece usando e exibindo a caneca com inscrição "Qatar", presente da filha que mora e advoga nesse país do Oriente Médio. Em resposta a essa exibição de amor e de saudade paterna, manifestada pelo confrade, Luiz Rego vestiu um shemagho turbante que adquiriu nos Emirados Árabes, onde, por seu turno, um de seus filhos mora e trabalha na engenharia de petróleo.   




 TEMA DE ABERTURA

O Presidente Reginaldo Vasconcelos abriu a reunião registrando e lamentando o falecimento do advogado, político e literato Neuzemar Gomes de Moraes, que ocorreu no dia 22, aos seus 77 anos, depois de uma longa luta contra o câncer no aparelho digestivo.

O passamento precoce de Neuzemar traumatizou o meio literário cearense, notadamente, entre os confrades da ACLJ, o Membro Benemérito José Augusto Bezerra, o Presidente Reginaldo Vasconcelos, o Secretário-Geral Vicente Alencar e o Acadêmico Pedro Bezerra de Araújo,  seus amigos pessoais.



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Em seguida ao momento de luto, tornando mais leve e alegre o ambiente, a consorte de Luiz Rego, Dona Kátia, surpreende, aparecendo na reunião para homenagear o marido, que só então se revela aniversariando, atingindo, nesta data, sessenta e seis anos de idade. 
Todos os convivas lhe fizeram saudações pela efeméride, desejando-lhe uma longa vida de venturas, ao lado da amadíssima e amantíssima companheira, que ele trata carinhosamente de "Katita".



PERFORMANCES ARTÍSTICO-LITERÁRIAS


José Augusto Bezerra, como de hábito, brindou os convivas com a exibição de uma das obras raríssimas da sua vasta biblioteca. Apresentou os três volumes do "Código Brasiliense", o primeiro ordenamento jurídico nacional, com a consolidação das leis editadas no Brasil entre 1808 e 1822, mandado editar por D. João VI na Impressão Régia. É o incunábulo brasileiro. Só restam três cópias dessa obra, uma delas a de José Augusto Bezerra, e outra atualmente em local incerto e não sabido.

Na sequência, Aluísio Gurgel leu uma crônica do confrade Paulo Ximenes, intitulada "A Força Maior", colhendo aplausos remotos da plateia virtual, tanto pela beleza do texto quanto pela sempre magnífica elocução do Aluísio.

A propósito da bela crônica de Paulo Ximenes, em forma e conteúdo, Reginaldo lembrou trecho de uma carta de Machado de Assis a Joaquim Nabuco, em que o missivista resenha um novo livro deste, a pedido do autor. 

Em sua carta, Machado nota que o bom texto tem que atacar o tema com profundidade, mas também com estética estilística — virtude que ele diz identificar na obra do amigo: Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.

 

 A FORMA MAIOR

 

Meu respeito pelo mar é coisa antiga. Às vezes penso que ultrapassa os mil anos. Ele tem sido meu amigo, conselheiro e confidente. E também o meu pesadelo. Estranha e louca relação de amizade! Em certas madrugadas, em sonhos profundos, chega a bicho-papão. No submundo da minha inconsciência tenho sofrido aperreios inconfessos.  

 

Imagine o leitor, eu numa ilha diminuta no meio do oceano, provavelmente o Pacífico, sem lenço e sem documento, enquanto sobe o nível das águas e a ameaça de varrê-la do mapa em questão de minutos. Ou então, estou à beira de uma praia deserta num calhambeque de museu, com o motor se recusando a funcionar, avistando uma onda colossal, mãe dos tsunamis, aproximando-se de mim com a velocidade de um raio...  

  

Há outras situações igualmente aterrorizantes e confusas, sempre envolvendo o mar, das quais me fogem detalhes. O curioso é que nessas histórias todas, antes que os desastres venham a se firmar, surgem infalivelmente, na hora certa, providências a meu favor que me põem a salvo. O modo como funcionam tais salvamentos não guarda lógica em si. De repente eu me vejo voando como um pássaro, ou aos controles de uma nave espacial, ou de outra coisa do gênero; e passo por cima de todos os problemas, suplanto as dificuldades “de letra”. Um dia, ao me lembrar de uma cena ocorrida no passado, entendi, finalmente, o porquê dos pesadelos da cor do mar e da providência divina que me acode sempre a tempo.  

 

Quando eu era criança, lá pelos quatro ou cinco anos de idade, fui levado para o meu primeiro banho de mar na Praia de Meireles, exatamente onde hoje desemboca a Rua Carlos Vasconcelos. Apesar do sol de verão, e, talvez, por ser ainda cedo da manhã, ventava forte e eu sentia um pouco de frio. A cada quebrada de onda, uma fina camada de água alvejada de espuma vinha delicadamente lamber os meus pés. E depois ela volvia ao mar com força e graça, e, nesse vai-e-vem, eu afundava um pouco na areia encharcada e macia. Lá se vinha outra onda. E depois mais outra...  

 

Em dado momento, uma vaga de maior envergadura escapuliu-me à vigilância e avançou perigosamente em minha direção. Como o medo e o instinto de sobrevivência andam lado a lado, ainda que em um juízo infantil, eu devo ter imaginado que nada mais restava a fazer, e aquela investida de onda soou-me como o fim do mundo.  E aí, inesperadamente... 

 

Vrum!!!


Uma força extraordinária ergueu-me do chão numa velocidade ainda maior que a do mar, e subi tão alto e tão rápido que pude ver as águas lá embaixo em alvoroço pleno, espumando de raiva, como que procurassem por mim. Passados alguns segundos, e afastado o perigo, voltei à terra firme com toda a suavidade desse mundo. Eram os braços do meu pai.   

 


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Na sequência, ainda no tema das exéquias do Neuzemar, José Augusto Bezerra fez comentários filosóficos sobre a perda paulatina dos amigos, à medida que envelhecemos, tornando cada vez menor o nosso mundo pessoal e o nosso universo interior.

Então, sobre esse assunto, Reginaldo referiu a um poema seu, intitulado "Quereres", que escreveu em 2020, após a morte dos confrades Evaldo Gouveia e Roberto Martins Rodrigues. A nostalgia pela perda destes e de outros diletos  amigos fez assomar-lhe à alma de repente um desejo poético de morrer e seguir com eles — sentimento mórbido vencido logo em seguida pela evocação das muitas mulheres da sua vida.

Mas, na composição do poema, a retórica se inverte, de modo que ele principia enaltecendo os seres que lhe dão vigor anímico, para ao final referir, liricamente, à jornada derradeira — fazendo citação sucinta a uma canção dos anos 70, do falecido compositor Petrúcio Maia, gravada pelo Fagner  — Estrada de Santana(vídeo).   




    DEDICATÓRIA 

A sessão virtual da ACLJ realizada nesta segunda-feira, foi dedicada ao  advogado e literato Neuzemar Gomes de Moraes, falecido no dia 22 deste mês de agosto, aos 77 anos. 

Neuzemar foi um prodígio na intelectualidade cearense. De origem humilde, nasceu no Acre, aonde a família cearense fora tentar vida melhor, e se criou no Ceará, para onde os seus retornaram, vindo trabalhar na roça, na fazendola dos seus avós, no Município de Iracema, na região jaguaribana.  

Alfabetizando-se somente na adolescência, formou-se em Direito, foi vereador e vice-prefeito de sua cidade. Construiu uma bem-sucedida banca de advocacia em Brasília, onde exerceu cargos jurídicos importantes. 

De volta ao nosso Estado, grande orador que era, tomou posse na Academia Cearense de Retórica — entidade que presidia  ingressando recentemente nos quadros do Instituto do Ceará - Histórico, Geográfico e Antropológico. 

 

    

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

CRÔNICA - Pero que Las Hay, Las Hay.

 PERO QUE LAS HAY, LAS HAY
Reginaldo Vasconcelos* 

 

Eu sei que não há comprovação científica de que o mundo etéreo exista – seja o Nirvana dos budas, seja o Éden dos santos, seja o Umbral kardequiano. 

Tampouco que haja o purgatório cristão; ou que a grande roda do carma esteja em curso; ou que a justiça abraâmica se imponha no final. Ou que espere os justos a tenda mulçumana de Alá, no seu jardim com o harém das doze virgens; ou a oca solar de Tupã; ou o  canaãnico paraíso dos cristãos. 

Querem os cientificistas que a existência de tudo se deva a coincidências aleatórias da matéria, em todo o plano cósmico – inclusive a existência da pessoa, sem prejuízo da sua imaterial complexidade. 

Todavia, coincidências especiais ganham foros estranhos e transcendentais, parecendo mensagens exotéricas de difícil explicação científica, fenomenologia que desafia a lei das probabilidades matemáticas. 

Duas irmãs vão a uma praia distante com a família, manhã de domingo – ambas católicas, de ascendência africana parcial, mas muito próxima. Uma delas está aniversariando. Estão sentadas no raso da maré. 

Vem à lembrança da aniversariante que aquele 15 de agosto também é consagrado a Iemanjá, a rainha das águas, segundo cultos africanos. 

A outra registra o fato de que quase não se comemora mais a data, quando antigamente se mobilizavam os frequentadores dos terreiros de macumba da cidade, em demanda ao litoral urbano, para fazer os seus louvores. 

Rememoram que, no passado, realmente grupos de devotos do candomblé iam às areias da Praia de Iracema e do Futuro glorificar a santa, em sincretismo com a Virgem Maria, na versão votiva de "Nossa Senhora dos Navegantes". 

Exatamente neste momento da conversa um pequeno objeto de aspecto circular chama a atenção de uma delas, marulhando entre os búzios, na transparência da água. 

Era um daqueles populares espelhinhos, este já com a luz refletiva apagada pelo tempo e pelo sal, mas com a nítida imagem de Iemanjá no verso – objeto certamente lançado ao mar alhures por um devoto, algum dia, ou perdido por um distraído banhista ou pescador, ao longo da extensa costa do Estado.  

O advento terá sido uma benção? Um aviso? Uma epifania? Um sinal? Não sei. Toda sorte... Odoyá! 



ARTIGO - Justiça Internacional e os Exemplos de Nabuco e Rui Barbosa (LA)

 JUSTIÇA INTERNACIONAL
E OS EXEMPLOS DE NABUCO
E RUI BARBOSA
Luciara Aragão*

 

 

O Brasil é um dos países sul-americanos vinculados à Convenção de San José, obrigando-se à garantia dos direitos humanos, porém, sem submissão ao tribunal fiscalizador do cumprimento do compromisso voluntariamente assumido. O tribunal de San José engloba, com a própria convenção regional, a defesa dos direitos mais elementares da pessoa humana, mandando que o Estado os proteja. Alegamos riscos à soberania como a submissão do Estado a uma jurisdição internacional permanente como o Tribunal de San José, podendo implicar em constrangimentos e mesmo em alguns riscos para o tesouro nacional.

Quando se pensa em Corte de Haia, ou Tribunal de Haia, instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas, dá-se, quase automaticamente, uma associação ao nome de Rui Barbosa, que ali nos representou algo do tipo: “Mais uma vez a Europa curvou-se ante o Brasil". A Conferência de 1907 (Governo Afonso Pena) contou com Rui Barbosa como representante brasileiro, quando sua tese da igualdade entre as nações, pronunciando-se vigorosamente como defensor dos direitos dos países menores, imortalizou-o como a “Águia de Haia”. 

Rui Barbosa foi o primeiro magistrado brasileiro, eleito para o mandato inicial da Corte Permanente de Justiça (1921-1930), mas faleceu (1923) sem participar de nenhuma sessão da Corte. Curiosamente, quando da Segunda Conferência de Haia, (15 de junho-18 de outubro), para Rio Branco o chefe da Delegação Brasileira seria Joaquim Nabuco, mas a imprensa do Rio liderou um movimento em favor de Rui e Nabuco, renunciando o apoiou. 

A inegável reputação que Rui alcançou na Conferência foi do agrado de Nabuco, apesar das divergências da delegação brasileira e a dos Estados Unidos “não serem de molde a deixá-lo tranquilo no seu papel de embaixador brasileiro em Washington”. (Rui & Nabuco, de Luis Viana Filho, Col. Documentos Brasileiros p. 80, RJ. José Olímpio, 1949). 

O pan-americanismo era um dos ideais de Nabuco e, como hábil diplomata, a ele dedicou tempo e esforço. As posições irônicas dos norte-americanos Browne Scott e Joseph Choate, o chefe da delegação dos Estados Unidos, poderiam pôr em risco o próprio trabalho de Nabuco, a quem o princípio da igualdade das nações, pilar da ação de Rui, não seduzira, apesar de em carta a Rio Branco declarar não ser seu desejo que “para a Justiça fossem as nações divididas em grandes e pequenas” (Carta de Nabuco ao Barão do Rio Branco, 17 de agosto, Arquivo do Itamaraty). 

Tanto Nabuco como Rio Branco tentaram uma reaproximação de Rui com os Estados Unidos, mas ele se recusou a proferir conferencias em Yale e a discursar como orador do banquete em homenagem à oficialidade da esquadra americana que aportou no Rio em 1908. Considerou não poder louvar “este rasgo de prepotência marcial em plena paz”, constrangendo seus sentimentos e mesmo a “contradizer o meu correto papel em Haia” (Carta de Rui a Rio Branco, 16 de janeiro de 1908- Arq. Casa de Rui Barbosa). Sem dúvida, a Conferência foi um ponto alto na estreia internacional do Brasil e não destruiu a camaradagem, amizade leal e admiração recíproca entre Nabuco e Rui, homens de retidão e caráter ímpar. Quando da elaboração do Código Civil, Rui sempre recorria a Nabuco para o envio de obras estrangeiras, como o Código de Virginia e o do Alabama. A amizade, tecida com gentilezas, uniu-os por quarenta anos, desde a queda do gabinete Zacarias (1868), e  só é interrompida com o falecimento de Nabuco, longe do Brasil, enquanto Rui agitava o País com a campanha civilista. 

Historicamente, coube ao czar da Rússia, Nicolau II, convocar 26 países para uma conferência em Haia. Por sua sugestão, a criação de uma corte arbitral, para ajudar na solução dos conflitos internacionais, passou a ser uma ideia adotada pelos participantes. Uma corte permanente (1902) principiou os trabalhos, mas sua ação não pareceu suficiente. Só em 1907 criou-se a Corte de Haia (5 de junho), e na II Conferência da Paz de Haia instaurou-se uma corte permanente. 

Gostamos de nos vangloriar dos nossos bons momentos de inserção internacional, mas, ao mesmo tempo, precisamos elevar a frequência do desejo da sociedade, via nossas ONGs e outros movimentos cidadãos, para a formação dos tribunais internacionais e cumprimento das leis. ONGs que devem ser supervisionadas quanto a suas reais intenções, diga-se de passagem. Essa força de opinião internacional fortaleceria não só os direitos humanos, mas a disseminação do Direito Comunitário, sem o qual o sucesso de projetos unificadores como o Mercosul e mesmo os de âmbito interno, ficarão comprometidos. Seguimos distantes de cortes poderosas como Haia — a que resolve conflitos entre países — e Luxemburgo, o Tribunal de Justiça da União Europeia, oferecendo salvaguardas aos direitos fundamentais dos indivíduos. 

Relativo à Justiça Internacional, Haia não está autorizada a decisão de atentados aos direitos humanos. Os tribunais existentes são permanentes, mas não têm um caráter universal como o de Estrasburgo (1950) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos de San José (22 de maio de 1979), posto a funcionar por proposta interamericana para aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos, dentro do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos.

A Carta Constitucional de 1998 afirma em seu início que o Brasil “lutará pela criação de um tribunal internacional de direitos humanos”. Concorde Francisco Rezek (juiz da Corte de Haia e ex-ministro de Collor), “o constituinte parecia desatento ao fato de já existir algo assim”. Não seria, pois o caso de lutar pela criação de um foro, mas, o de “reconhecer-lhe a competência”. Partilhamos da preocupação do ex-ministro, quanto se pensa naquelas “passagens cuja redação imperfeita revela um contraste entre as melhores intenções do constituinte e a insuficiência de suas leituras”, o que permite a alguns — triste ironia de nossos dias — que a Constituição não deva “ser respeitada e nem levada a sério”.

ARTIGO - Constituições e Crises (RMR)

 CONSTITUIÇÕES E CRISES
Rui Martinho Rodrigues*

 

As constituições programáticas, dirigentes ou totais propõem um modelo de sociedade a ser construído. Articulam, de um certo modo, um conjunto de princípios, objetivando os mais elevados fins. O resultado das escolhas programáticas, porém, depende da reação dos sujeitos da ação social; dos casos fortuitos e de força maior; das inovações tecnológicas; e das vicissitudes supervenientes. 

Efeitos colaterais e paradoxais das iniciativas humanas, inclusive governamentais, desautorizam previsões de longo prazo, mormente quando se trate de um conjunto de fatores altamente complexos, como a vida em sociedade. Não admira que sociedades planejadas fracassem sempre desde a experiência de Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em Siracusa, que o levou a retratar-se do que havia escrito na obra “A República”, em outra obra, escrita na maturidade: “As leis”. 

Constituições escritas e rígidas existem para assegurar a estabilidade de certas garantias individuais. Não devem ser transformadas em restrição imposta ao legislador futuro, impondo direção teórica ou metodológica da ação social. 

Princípios elevados não asseguram bons resultados para a sociedade. Grandes torpezas foram feitas em nome dos valores mais nobres. Constituições rígidas deveriam ser sintéticas, para não entravar a dinâmica da economia, da política e da sociedade em geral. Constituições analíticas não deveriam ser rígidas, para não enrijecer a dinâmica social. 

Uma Carta Política que seja ao mesmo tempo programática, dirigente, total e rígida, além de principiológica, subordina toda ação legislativa e executiva. A amplitude dos princípios positivados no texto constitucional enseja amplas possibilidades de interpretação. Os tribunais constitucionais, no exercício do controle concentrado e repressivo de constitucionalidade, passam a tutelar amplamente os poderes Executivo e Legislativo. 

A clássica separação das funções do Poder do Estado, necessária para que os poderes sejam limitados, é anulada pelas constituições totais dotadas de controle de repressivo de constitucionalidade. A definição de competência das autoridades tem o sentido de limitação do poder, na forma do tradicional sistema de freios e contrapesos, que no Brasil é descrito como harmonia e independência entre os poderes.

Competência é retalho de poder. Competência de abrangência universal é poder absoluto. O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe de forma absoluta (Lord John Dalberg-Acton, 1834 – 1902). A definição de competência tem ainda a função de evitar conflitos institucionais. 

Tribunais constitucionais armados de competência sobre tudo, pelas modernas constituições dirigentes, tornaram-se poderes ilimitados. A Nova Hermenêutica Constitucional e a nova doutrina constitucional, inspiradas por John Rawls (1921 – 2002), Ronald Myles Dworking (1931 – 2013), José Gomes Canotilho (1941 – vivo), entre outros, alargou o poder dos tribunais constitucionais ao proclamar que o juiz não deve ser escravo da lei, valendo-se do conceito indeterminado de justiça, aberto ao juízo de valor do magistrado. 

A chamada interpretação conforme o entendimento dos tribunais constitucionais, alegadamente uma técnica para preservar a norma inquinada de inconstitucionalidade, recuperando-a, transformou as cortes constitucionais em assembleias constituintes. Assim o significado da norma escrita tornou-se incognoscível. 

A insegurança jurídica é a consequência inevitável do significado incógnito dos textos escritos, situação agrava quando o tribunal constitucional muda frequentemente de entendimento. Além de causar insegurança jurídica, tribunais que legislam carecem de legitimidade por absoluta falta de representação política. Não se trata de um fenômeno apenas brasileiro. Mas no Brasil é mais grave pela fragilidade dos poderes políticos. Não temos freios e contrapesos. A porta das crises está aberta.