segunda-feira, 31 de agosto de 2020

ARTIGO - Vargas, o Inesquecível, e a Ação Militar de 1955 (LA)


VARGAS, 
O INESQUECÍVEL,
E A AÇÃO MILITAR DE 1955
Luciara de Aragão*


Segundo Enghels e Schaff, o conhecimento pode ser sempre revisado, pois é um processo infinito que acumula verdades parciais nas várias fases do seu desenvolvimento histórico. Conhecer os fatos precede ao necessário processo de análise. Este período da história recente brasileira nos leva à compreensão, segundo Michael Oakeshott, historiador de ampla base filosófica, do uso da noção de continuidade como critério para compreender a História. 

Desses conceitos, as reflexões sobre o esquecimento de Getúlio Vargas no dia da sua morte, onde foram modestos os autênticos preitos de saudade. Algumas análises parecem pertinentes, desde as raízes da tensão de 1955, quando Vargas, por ampla maioria, assoma ao poder (31-01-51), após reforços de construção de sua candidatura com a organização do partido trabalhista e o apoio militar, graças a reconciliação com o General Góis Monteiro, com quem discutiu estratégias de campanha.

Eleito, enfrentou ferrenha oposição da UDN, com Eduardo Gomes, o mesmo candidato de 1945. O duplo processo de industrialização e urbanização tornara o País diferente do que Vargas deixara como ditador e a maioria da imprensa, setores empresariais e das forças armadas, eram-lhe adversas. Medidas de proteção ao trabalhador e a instituição do monopólio do petróleo só aumentaram o rancor dos adversários.

Neste momento histórico vivido faz-se impossível ignorar a força da ação militar na política brasileira. Vargas é instalado na Presidência da República (1930) pelos integrantes da Junta Militar. Quando ditador e quando deposto, (movimento de 29-10-1945), o foi pelos mesmos militares que o elevaram. Vigorosos debates entre oficiais superiores do Exército permearam essas ações quanto às diretrizes a tomar. A concordância suficiente gerou uma frente unida, como a do seu retorno (1949), quando, ao enviar emissários ao General Góis (que o depusera em 1945), para indagar das possibilidades da sua candidatura, foi-lhe assegurado que “nas Forças Armadas não perduravam ressaibos ou ideias preconcebidas contra ele, nem elas se oporiam à sua posse, no caso de eleito, desde que respeitasse, não só a Constituição, como os direitos impostergáveis dos militares”. (Skidmore, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo).

Desde Dutra, afirmavam-se as opções neoliberais, a desenvolvimentista-nacionalista ou democrática e a nacionalista. A segunda tinha como denominador comum um forte nacionalismo. Oficiais do Exército viam a industrialização como a fórmula do Brasil potência. Era um imperativo da segurança nacional a exploração de recursos naturais, como os minerais, combustíveis e força hidrelétrica em mãos brasileiras. Esta, fora uma exigência dos “tenentes” e figurava na constituição de 1934, vivificada desde o final de 1930, por Generais como Edmundo Macedo Soares. O nacionalismo, visto como radical, conquistava os comunistas ativos, membros do PCB, e os atraídos por apelos da teoria do desenvolvimento, como alguns intelectuais, na prática, pouco afeitos à disciplina e à teoria do comunismo marxista. Em princípio dos anos 50 o nacionalismo reforçou o antiamericanismo e, seguindo a linha moscovita, atacava o imperialismo no Brasil, enquanto se dava a guerra na Coréia (1950-1953). Questão delicada, pois o General Estillac Leal, nacionalista, era a favor da criação da Petrobrás, do monopólio estatal do petróleo e, escolhido Ministro da Guerra, defendia a neutralidade brasileira. Isto o torna malvisto pela ala democrática e pelos denunciantes de infiltração comunista nas Forças Armadas, como os Generais Zenóbio da Costa e Canrobet Pereira.

Como um todo, a sociedade retratava essas metamorfoses do período entre guerras e nelas refletiam as mudanças estruturais econômicas  e sociais. Não “apenas pelo trânsito brusco e desordenado do eixo de direção política do campo para a cidade, como pelo hiato aberto na vida política, no sentido que este termo guarda nas democracias representativas viciosas ou não” (Bello, J.M. História da República, p.331).

Internamente, os danos causados às políticas do Governo Vargas, os interesses contrariados, foram muitos, mas o legado é vasto e conhecido. O Estado autoritário gerou em paradoxo, o conceito de educação pública, criou o Ministério da Saúde e Educação e lançou as bases do trabalhismo. A compressão do pensamento político com um forçado absenteísmo, de um período sem participação política parece revelar fecundo florescimento da literatura, dos temas de ficção e do folclore musical.

No plano intelectual, se as correntes não acompanhavam as suas matrizes pari passu, vingavam as ideias de Bergson, Kant e o neotomismo que gerara a Ação Católica. A reforma Capanema multiplica as Universidades com os cursos novos de Letras e Filosofia.  A arquitetura desponta com arranha céus e surgem as primeiras estações de televisão. O País dá continuidade a sua política diplomática e começa a ter certa projeção externa. O Chanceler João Neves da Fontoura toma como aliado a Góis Monteiro, Chefe do Estado Maior, e obtém o Acordo Militar Brasil – Estados Unidos (1952) golpeando os nacionalistas. A demissão dos Generais Estillac e Zenóbio são o pano de fundo do manifesto dos Coronéis (1954) que propiciam a queda de Vargas. O choque das duas correntes de militares, na disputa pelo Clube Militar, derrota o nacionalista General Estillac e dá a vitória aos Generais Nélson de Melo e Etchegoyen com a chapa Cruzada Democrática organizada por Cordeiro de Farias.

Realizações oficiais expandiram Volta Redonda e Paulo Afonso e as restrições à importação, os ágios e a inflação estimularam a concentração das indústrias urbanas no Rio e São Paulo. A visão nacionalista da Petrobrás e o consequente desnível regional e da população não diminuíram a popularidade de Getúlio. A suspeita de que, apoiado na massa proletária, daria ouvidos ao Queremismo, com uma República Sindical nos moldes do justicialismo peronista, enfraquecem o governo. A violência oposicionista, o Manifesto dos Coronéis lançado num período crítico de aumento de 100% do salário mínimo, apresentado por Goulart, invoca a exiguidade de recursos destinados ao Exército e provoca a queda do General Espírito Santo Cardoso, substituído pelo General Zenóbio.

O episódio da Rua Toneleros contra Lacerda e com a morte do Major-Aviador Rubem Vaz, revela indícios de ato da Guarda do Presidente, permitindo que a Aeronáutica, suspeitando da Polícia, avocasse o inquérito criminal, instaurando um IPM, conhecido como República do Galeão. (Castro, Celso. Os militares e o Segundo Governo Vargas. SP:FGV CPDOC).

A perda do apoio militar ao governo foi  quase unânime. O Almirantado aderiu à Aeronáutica e 37 dos 80 Generais de Exército, em postos de comando no Rio de Janeiro, endossaram o memorial pedindo a renúncia de Vargas. Antes do tiro no peito, na sua carta-testamento, ele declara “deixo a vida para entrar na História”. E ela o registra como inesquecível.


domingo, 30 de agosto de 2020

NOTA ACADÊMICA - Sarau Virtual da ACLJ (30.08.2020)

SARAU VIRTUAL DA ACLJ
(30.08.2020)
   

A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) promovia, nas noites de terça-feira, na casa de bebidas finas Embaixada da Cachaça, um poetry slam, consistente em um pequeno sarau de poesias, prosa poética e performances musicais acústicas ao vivo, segundo uma prática que começou nos EUA e se difundiu pelo Planeta.


   
Mas essa rotina cultural saudável foi interrompida pela pandemia de Covid-19, e então o grupo de habitués passou a se reunir virtualmente nas manhãs de domingo, em que acadêmicos, artistas, intelectuais e poetas em geral, frequentadores daquele reduto boêmio e cultural, matam a saudade e mitigam a carência de convívio, mantendo em atividade a ACLJ, apesar do isolamento social obrigatório.



Estiveram reunidos na conferência virtual deste domingo 12 acadêmicos e um convidado – o músico Marcelo Melo, Comendatário da ACLJ, que desta vez tocou principalmente Oswaldo Montenegro e Djavan.

A conferência, que se iniciou às 10 horas e terminou as 12, foi das mais agradáveis e profícuas, pois além de várias performances literárias, poéticas e musicais também se discutiram as providências para o II Census Ad Lustum da ACLJ, que ocorrerá em maio vindouro, e as alterações que se farão nessa data, por ocasião da refundação da entidade, com o advento da Academia Brasileira de Literatura e Jornalismo (ABLJ), que a sucederá.  

Compareceram o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Agrônomo e Poeta Paulo Ximenes, o Juiz de Direito Aluísio Gurgel, o arquiteto e artista plástico Totonho Laprovitera, o Marchand Sávio Queiroz Costa, e o Prof. Doutor Rui Martinho Rodrigues (Presidente Emérito da ACLJ).


Disseram presente ainda a Atriz, Poetisa e Psicoterapeuta Karla Karenina, o Jornalista e Sociólogo Arnaldo Santos, o ambientalista João Pedro Gurgel, o Procurador Federal e Professor Edmar Ribeiro, o Dentista Marcos Gurgel,  e o Advogado Adriano Vasconcelos, todos da ACLJ.

A sessão virtual da ACLJ realizada neste domingo foi dedicada às mulheres brasileiras,  simbolizadas na pintura que Totonho Laprovitera executou durante a sessão, a exemplo do que fez Fausto Nilo na letra da canção Três Meninas do Brasil, de Morais Moreira, simbolizando as três etnias que compõem o nosso povo  uma quarta mulher mandando, como na pintura de Totonho, por ser a mais baixinha e a mais tinhosa. 


sábado, 29 de agosto de 2020

ARTIGO - O Que Faz de Um Herói Um Herói (JPG)


O que faz de
um herói um herói
João Pedro Gurgel*
  

Cresci assistindo desenhos animados e vibrei quando soube que Pantera Negra ganharia um filme. Na ficção, o personagem é o mais rico dos heróis, mas não lhe é suficiente ter tudo em meio à desigualdade. Ele reina sobre “Wakanda”, uma ilha de paz eterna e prosperidade longe da colonização europeia. Assim, T’Challa, seu alter ego, dedica sua vida para combater injustiças. 


Em 2018 Chadwick Boseman viveu o Pantera Negra na superprodução da Marvel. Além dele, renomados atores como Michael B. Jordan e Viola Davis estiveram no elenco. Não deu outra: o filme arrecadou mais de 1,3 bilhão de dólares. Alçou a sexta maior bilheteria do mundo. Foi o primeiro filme de super-herói indicado ao Oscar de melhor filme e ainda levou três estatuetas. 

Ontem Chadwick faleceu. Aos 43, anos, o ator lutava contra um câncer de cólon. O grande homem que viveu o rei de Wakanda lutou em silêncio contra um mal que lhe tirava a vida, mas não hesitou em dar vida a um herói que ficaria na história. E não foi só isso. Durante toda sua carreira, Chadwick combateu fortemente o racismo. A desigualdade social e as injustiças da nossa sociedade.

Pantera Negra é, indiscutivelmente, um dos heróis mais simbólicos de nossa história. Não foi à toa que Chadwick o interpretou tão bem. A sinergia do personagem casou com a sinergia de quem interpretava. Não sei ao certo o que faz de um heroi um heroi. Mas sei que as batalhas travadas pelo bravo ator ecoarão pela eternidade, tal como o lar de paz que seu personagem defendia.

Wakanda Forever!


terça-feira, 25 de agosto de 2020

ARTIGO - Os Dois Brasis (RMR)


OS DOIS BRASIS
Rui Matinho Rodrigues*


Jacques Lambert (1901 – 1991), na obra “Os Dois Brasis”, escrita entre Vargas e Kubitschek, sob a égide do desenvolvimentismo, destacou a dualidade da nossa formação histórica e cultural como um desafio ao nosso desenvolvimento, pelos erros do desencontro dos brasis.

Roger Bastide (1898 – 1974), na obra “Brasil, Terra de Contrastes”, assinalou a diversidade do meio natural e dos aspectos sociais, econômicos e culturais. Registrou, na educação, as diferenças entre os diversos níveis e regiões; e a descontinuidade das ações do Estado. Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866 – 1909), na obra “Os Sertões”, fala do sertanejo como um tipo distinto do brasileiro do litoral.

O Brasil cosmopolita, dos bons colégios e Universidades, digitalizado, secularizado (exceto pelas religiões políticas), leitor da imprensa internacional ou indiretamente influenciado por estes fatores é o Brasil pós-moderno. Outro Brasil é meio tradicional, dado a um sincretismo confessional; permeável às religiões políticas; licencioso como Macunaíma, mas fatigado com a corrupção e a revolução dos costumes. Os sinais de incômodo do “herói sem caráter” com a “sociedade pós-moralista” (Gilles Lipovetsky, 1944 – vivo) resulta do impacto das novas referências culturais ou falta delas, criam a tendência ao retorno dos padrões contestados pelo pensamento libertário.

Há um certo flerte da revolução dos costumes com o niilismo e até com o solipsismo induzido pelo relativismo cognitivo e axiológico. A contradição entre o pensamento coletivista e a hipertrofia do individualismo é notória. A libertação dos liames sociais da organização familial se fez em nome do combate ao patriarcalismo. A crítica aos padrões sociais, havidos como opressivos, representados pela imposição de padrões culturais como os papéis sociais, inclusive nos aspectos identitários, animados pelo multiculturalismo diferencialista, exacerbou antagonismos, fragilizou solidariedades, levou ao eremitério, aos guetos, ao esgarçamento do tecido social e à anomia. As consequências desagradáveis e onerosas do hedonismo foi o que restou no deserto de valores imposto pela crítica radical dos costumes.

Os adeptos do progresso, entendido como uma ordem imaginada por intelectuais geniais, superior ao ordenamento espontâneo de uma experiência milenar, sentiram-se fortes por convencerem os letrados, cosmopolitas e “esclarecidos” da cientificidade de suas ideias. Uma estranha cientificidade. Pretende mais do que descrever a realidade. Quer prescrever o dever ser. Invoca valores tradicionais, como solidariedade e justiça, mas contesta a ética das tradições. Não abandona suas teorias quando elas fracassam, esquivando-se do compromisso com a falseabilidade do racionalismo crítico (Karl Raymond Popper, 1902 – 1994).

Há uma onda conservadora? O que é conservadorismo? A impaciência em face da impunidade do estamento burocrático patrimonial, descrito por Raymundo Faoro (1925 – 2003) em “Os donos do Poder”, será conservadorismo? O sucesso dos que se esforçam por chocar a sensibilidade dos simples, causando revolta, é uma resposta conservadora? Norberto Bobbio (1909 – 2004) defende o direito de não ser escandalizado. A revolta dos simples com a nova moralidade, o garantismo penal, a censura prévia aos meios de comunicação, tudo isso seletivamente praticado conforme conveniências e paixões não são revolta apenas do conservadorismo.

Um Brasil não conhece o outro. A divulgação de uma reunião do ministério, havida como capaz de implodir o Governo, recebeu expressiva aprovação do outro Brasil. Elites fazem leis que os estrangeiros aprovam e o outro Brasil padece. Os reis filósofos de Platão (428/427 – 348/347) ou os intelectuais ungidos de Thomas Sowell (1930 – vivo) não conhecem os governados de John Locke (1632 – 1704), que lhes outorgam o poder.


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

NOTA ACADÊMICA - TrendsCe e O Otimista

TRENDSCE
E
TV O OTIMISTA



O Ceará está recebendo dois importantes empreendimentos midiáticos, ambos concebidos e capitaneados por jornalistas de alto coturno, TODOS confrades da ACLJ.


TRENDS

O primeiro deles a “TrendsCe”, uma multiplataforma de investimentos no Estado, em prol da economia cearense.

A TrendsCe visa conectar grandes negócios entre os players do meio corporativo – local, nacional e internacional – na atração de capitais para as atividades empresariais em nossa Terra.


À frente dessa brilhante iniciativa está o confrade Marcos André Borges, jornalista e empresário, fundador da pioneira, bem sucedida e já veterana empresa VSM Comunicação Corporativa. Veja o vídeo institucional abaixo.



O OTIMISTA

O segundo empreendimento a que referimos é a “TV O Otimista”, um noticioso voltado para o jornalismo de alto nível – verdadeiro, isento, elegante.

A TV O Otimista está sendo lançada pelos confrades Roberto Moreira e Paulo César Norões, tradicionais jornalistas cearenses, donos de grande bagagem profissional.



Roberto e PC acumularam incomensurável expertise jornalística ocupando, durante muitos anos, diretorias de emissoras e editora do Sistema Verdes Mares de Comunicação – Rádio e TV Verdes Mares, TV Diário e Jornal Diário do Nordeste. Veja o vídeo institucional abaixo.


domingo, 23 de agosto de 2020

NOTA ACADÊMICA - Sarau Virtual da ACLJ (23.08.2020)

SARAU VIRTUALDA ACLJ
(23.08.2020)
   

A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) promovia, nas noites de terça-feira, na casa de bebidas finas Embaixada da Cachaça, um poetry slam, consistente em um pequeno sarau de poesias, prosa poética e performances musicais acústicas ao vivo, segundo uma prática que começou nos EUA e se difundiu pelo Planeta.


   
Mas essa rotina cultural saudável foi interrompida pela pandemia de Covid-19, e então o grupo de habitués passou a se reunir virtualmente nas manhãs de domingo, em que acadêmicos, artistas, intelectuais e poetas em geral, frequentadores daquele reduto boêmio e cultural, matam a saudade e mitigam a carência de convívio, mantendo em atividade a ACLJ, apesar do isolamento social obrigatório.



As paulatinas reuniões presenciais da Decúria Diretiva estão sendo realizadas entre membros da Decúria Diretiva da ACLJ na espaço Tenda Árabe, mantido o distanciamento regulamentar, dentre outras medidas previstas pelo protocolo cautelar do Ministério da Saúde, imposto pela pandemia da Covid-19. Nas imagens abaixo, com o Presidente Reginaldo Vasconcelos,  Paulo Ximenes, Arnaldo Santos, Altino Farias, Vicente Alencar e Rui Martinho Rodrigues.

Nessas primeiras reuniões presenciais da quarentena a Decúria Diretiva da ACLJ está definindo o II Census Ad Lustrum da Entidade, em que se procederá a sua refundação, com sublimação de sua quadratura acadêmica e recondução seletiva por critério meritório. Far-se-ão alterações em seus Estatuto e Regimento, bem como no próprio nome da Entidade, que passará a ter abrangência nacional. 

Estiveram reunidos na conferência virtual de hoje 16 acadêmicos e dois convidados  um deles o músico Marcelo Melo, Comendatário da ACLJ, que tocou ao violão diversas canções do compositor cearense Ednardo, e a famosa BR 3, do artista Tony Tornado. O outro, o infante Gabriel, neto da confreira Karla Karenina, que o apresentou aos participantes da reunião virtual deste domingo, cujo tema central foram os carinhos dispensados pelos pais às suas crianças, na vida e na literatura.

Tratou-se do hábito nordestino, especialmente cearense, de enviar "um cheiro" de forma retórica aos maiores afetos, como preito de carinho, enquanto no resto do País, com o mesmo escopo, se mandam "beijos".


Concluiu-se mesmo que as pessoas do Nordeste apreciam "cheirar" as crianças, e não somente beijá-las, um costume que, segundo o Prof. Rui Martinho Rodrigues, tem origem na China, de onde os portugueses de Macau o absorveram e transmitiram aos brasileiros.  


A esse respeito, Karla Karenina pontuou que, no seu convívio com os atores da TV Globo, passou a substituir o cumprimento oscular usual entre amigas cariocas e paulistas, por um "beijinho nasal" – cheirando o rosto em vez de beijar, até para preservar o seu batom.


Compareceram o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Agrônomo e Poeta Paulo Ximenes,  o Prof. Doutor Rui Martinho Rodrigues (Presidente Emérito da ACLJ) e o Bibliófilo José Augusto Bezerra, Membro Benemérito, que apresentou duas obras raras de sua valiosa coleção 
– a Gramática Latina, primeiro livro brasileiro sobre o tema, e os originais manuscritos de obra inédita do cearense Leonardo Mota, sobre a história eclesiástica no Estado. 



Disseram presente ainda o Físico e Professor Wagner Coelho, a Atriz, Poetisa e Psicoterapeuta Karla Karenina, o Pedagogo, Psicólogo e Penalista Edmar Santos, a Enfermeira e Professora Josefina, o Filósofo e Psicoterapeuta Júlio Soares, a poetisa, psicanalista e advogada Alana Girão de Alencar.

No grupo também o Jornalista e Sociólogo Arnaldo Santos, o Agente de Exportação Dennis Vasconcelos (diretamente de Maringá-PR), o ambientalista João Pedro Gurgel, o Procurador Federal e Professor Edmar Ribeiro, o Dentista Marcos Gurgel,  e o Advogado Adriano Vasconcelos (diretamente da Fazenda Três Corações), todos da ACLJ.

A sessão virtual da ACLJ realizada neste domingo foi dedicada ao pequeno Gabriel, bisneto do grande intelectual cearense, o saudoso Professor José Alves Fernandes, membro da Academia Cearense de Letras e da ACLJ.




CRÔNICA - Todo Menino é Cheiroso (RV)

TODO MENINO É CHEIROSO

Reginaldo Vasconcelos*


Fábio Nogueira foi meu colega de trabalho. Pertencia à casta dos funcionários fundadores do Banco do Estado, um dos cardeais da empresa, especialmente nos meandros do crédito rural e industrial. 

Não sorria jamais, e, assim mesmo, na juventude, fora do corpo de redatores de humor dos programas cômicos da televisão no Ceará, autor de blagues do Renato Aragão, de roteiros de "Praxedinho e Anicetinha", uma das primeiras comédias de situação do teleteatro cearense.

Ele descendia da família que venceu os índios paiacus, de Pacajus, e conquistou as suas terras, para si e para uma santa da Igreja. Era valente e irritadiço, não obstante dono de tiradas havidas com um senso de humor privilegiado.

Bebia bem, e um dia foi embriagado dar aula aos novos gerentes do Banco, marcada para um sábado. Gostava de mim, fazíamos farras juntos no meu Karmann Ghia, que ele gabava como “um carrinho diferente”. Tínhamos intimidade, ele tolerava o meu conselho de mais jovem.

Nesse dia, ao chegarmos à calçada, eu lhe recomendei que evitasse beber antes das aulas aos gerentes, que todos haviam notado que bebera, que isso não ficava bem para o elevado conceito profissional que conquistara. Sério ele ouviu, e discretamente agradeceu.

Nessa aula ele denunciou que os fiscais de crédito rural das agências do sertão costumavam não realizar as vistorias que lhes eram designadas. Que colocariam o automóvel sob um cepo e fariam o pneu girar no ar, para cobrar a quilometragem nas diárias... mas, ficavam em casa e forjavam os relatórios.

Em sua análise, geralmente eram jovens funcionários que exerciam essa função, certamente recém-casados, normalmente com um bebezinho em casa – “e todo menino é cheiroso!” – de modo que eles preferiam ficar cheirando os filhos a meterem-se nas fazendas – assim ele advertia os futuros gerentes, no sentido de que marcassem colado os que iriam comandar.

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O Ayrtão, meu pai, era um bom contador de histórias. Como tal, um grande observar do mundo e dos homens. Os fatos mais comezinhos que presenciasse, ou mesmo que ouvisse contar, nos seus detalhes mais facetos – e os tipos burlescos que cruzassem o seu caminho – todos eles entravam para sempre no seu particular anedotário.

Das muitas histórias que ele gostava de contar estava aquela de um mecânico bêbado e imundo, trazendo pela mão um filho pequeno, tão sujo quanto o pai, os quais entraram no bonde de que o narrador era passageiro, ainda na sua juventude.


A dupla sentou-se, e o pai – talvez notando os olhares críticos e os gestos de repulsa pelo pouco asseio que ostentavam (era um tempo em que só se saía de casa muito limpo e alinhado) – a espaços de tempo o pai cheirava o pescoço do menino e vociferava: “Ô menino cheirooooso!!!!”. Daí a pouco, cheirava de novo e repetia: “Mas ô menino cheirooooso!!!”.
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 Já pai dos dois primeiros filhos, eu aos três anos, Ayrtão me levava consigo às suas viagens à fazenda, a quatrocentos quilômetros de estrada de barro, no meio de uma seca tenebrosa.

Dois anos depois um inverno forte fez arrombar o açude do Orós, e nós dois estávamos lá na fazenda, sem assistência feminina, envolvidos naquelas urgências da ruptura da represa, a que fomos assistir por toda uma noite e madrugada.

Na tarde do dia seguinte tomamos um avião DC-3 na direção da Capital, entre políticos e engenheiros que haviam acompanhado aquele evento, ambos cansados e famintos, sujos de barro até a alma, eu só de calção e descalço, que em algum ponto da aventura perdera os chinelos.

Na chegada noturna na cidade meu jovem pai foi repreendido pela minha mãe e pela mãe dele – “Olha o menino, imundo no meio do povo, dentro daquele avião!” – e eu não sei se me acharam cheiroso, mas, de que me cheiraram, eu me lembro. 


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Dou toda razão ao Fábio Nogueira, ao mecânico bêbado, a minha mãe e minha avó que, naquela noite, ainda sujo, me cheiraram. Sim, todo menino é cheiroso, e eu que já cheirei duas filhas e dois netos que hoje já recendem a gente grande, resta ainda a última neta, que ainda é um botão de flor. 


sábado, 22 de agosto de 2020

POEMA - a Casa (AA)

A CASA
Alana Alencar*

  Dos muros erguidos ao oco do cimento nu... uma semente rara de memória viva. 

Uma divisão de cômodos rasos à desmerecer a lua em lágrimas, mal ditas... perdida entre a sala muda do meu pensamento e o som dos passos tantos dados... 

Quartos malcriados, membros de um corpo louco e lânguido, fecham portas – arrebentam trincos. 

Feridas abrem.

 

Poeira de estio arcaico... ventos primitivos quase, poros!

A casa, esconderijo Machadiano dos versos sorvidos... servidos à lembrança, permanece feito lápide da linguagem morta. 

A casa de cor acorde fala ainda sob os cascalhos da estrada esquecida... e em meio ao nada, abandonada e ressentida, lateja reminiscente velha. Uma casa antiga.