Sombras do Iluminismo
AUFKLÄRUNG
OPORTUNO, SURPREENDENTE E
CHOCANTE
Vianney Mesquita*
Somente evitam a luz os escaravelhos, ladrões e
ignorantes.
(Paolo Mantegazza. YMonza, 31.10.1831; †San Terenzo, 28.08.1910).
Conforma-se
meio complexo, porquanto não fazem parte dos meus cuidados acadêmicos os
motivos filosóficos (a não ser en passant
e sem o necessário refinamento), aportar considerações preliminares mais meticulosas
a respeito de uma das derradeiras produções do saudoso, irrequieto e
esmeradamente analítico filósofo cearense Manuel Soares Bulcão Neto
(Fortaleza-CE, 1963-1912).
O
livro sob descrição porta o título, alegórico por excelência, sintético de sua
temática, Sombras do Iluminismo,
projetadas sobre o futuro da sociedade herdeira dessa lucerna de foco giganteu,
incendida nos Oitocentos e ainda hoje ilustrando a Humanidade, porém sem
alcançar os pontos cegos, tão bem identificados, por Soares Bulcão Neto, nos
enganos de vários dos seus protagonistas, com os quais o Pensador cearense, ao
expedir sobejos motivos, exprime comportamento arrazoadamente mordaz.
Sapateiro, não ultrapasse as
sandálias (Ne sutor supra crepidam) – sugere-me Caio Plínio Segundo, o Antigo, juízo logo
acatado, pois, não sendo sapateiro, a mim é interdito comentar, jamais sem o
exato desvelo epistêmico, a respeito dos chinelos desse novo Apeles
gnosiológico, o qual me convidou, decerto por desavisado, para batizar essas
ideações de sua lavra no Jordão mercadológico editorial brasileiro.
Sua
farta e sobriamente erudita composição, seguramente, conquistará aqueles
consulentes mais aprestados, sob o espectro intelectual, para a recepção de
conceitos de tal modo entranhados e tão bem refletidos, chegando a se
constituírem fautor de facilidades acolhedoras das ideações no volume
sustentadas.
Obviamente,
conquanto somente com a finalidade de recepcioná-los, eximindo o leitor do
intento de os defrontar – a fim de debater os entendimentos filosóficos expressos
na obra em comento – é requerido certo aparelhamento de haveres informativos da
parte de quem experimentar o lance de apreciar o livro, hajam vistas o volume
multiface das matérias concertadas, cobrindo a exuberante árvore classificatória
do conhecimento, ao ultrapassar a opinião comum, sob os prismas filosófico,
teológico e científico.
Consoante
às teorias da recepção, aqui me cumpre, por oportuno, remeter o leitor, entre
outros, à obra do espanhol de nascimento (Ávila, 1937) Jesús Martin-Barbero (in SOUZA, org. 1995), semiólogo, filósofo
e antropólogo colombiano, o qual cuida do tema com a necessária distinção e
procedente congresso de argumentos.
De
passagem, exprime a noção conforme a qual, entre as pontas do decurso
informacional, por Berlo (1976) chamado de processo
da comunicação, deve ocorrer equilíbrio fiel.
Em
didático e sempre atual ensaio, publicado em 1960, do qual se extraíram dez
edições, esse professor de Berkeley (Y1929) – academia californiana –
reporta-se, em longo segmento, à qualidade da comunicação e aos embaraços da
sua recepção.
Assim,
grandes são as possibilidades de, no transcurso da mensagem, desde sua geração
por sua fonte até o polo terminal (pessoas e grupos), aflorarem óbices, por ele
denominados ruídos, para dificultar a
demodulação total do produto transitado pelo intento de comunicar desde a origem.
Impõe-se,
por conseguinte, esteja a trilha da mensagem entre a fonte originária (emissor)
e o extremo do ato (receptor) totalmente liberada de empecilhos e anteparos, a
fim de alcançar comunicação altamente fida, na qual o teor do discurso é
captado e compreendido, sem ruídos de qualquer natureza (BERLO, 1976).
Não
se delineia tão simples, é claro, o estabelecimento desta idealidade, porquanto
o ato comunicativo envolve sempre um dúplice aspecto – informativo e expressivo.
(MESQUITA; CYSNE, 1994).
A
probabilidade de se obter, na relação emissor/recebedor, uma comunicação em alta fidelidade é maior, no caso de se
considerar somente a dimensão informativa da mensagem. Conquanto esta inexista
exclusivamente com um desses aspectos, consoante é modelo o teor plurifocal
desse livro, há em cada circunstância dosagem maior de informação ou de
expressão.
Eis
o motivo pelo qual, mesmo sendo desnecessário recorrer à literatura para
explicar “algo tão notório” – dirão alguns; e talvez empregando tautologias
lógicas e gramaticais para proceder, inocuamente, a “revelações” diafanamente
manifestas, tenciono somente evidenciar o elevado nível do repertório sorvido
pelo autor desse estudo para comunicá-lo aos seus pares, conjunto de pessoas
ilustradas a quem é possível lhe acompanhar o raciocínio, acolitando-o em suas
bem examinadas razões.
De
outra parte, entretanto, uma vez socializadas suas reflexões por este suporte
informacional de papel, bastante multiplicado em edição industrial moderna, o
livro é munífico ao público de modo geral e, em sua maioria, este é
diametralmente diverso, como receptor, em relação às competências
comunicacionais de seu autor/emissor.
Os
leitores mais bem postos sob o ponto de vista acadêmico conduzem seu capital
cultural (BOURDIEU, 1997), de sorte a não se cogitar em dificuldade de recepção
da parte desses privilegiados – concessão buscada cuidadosamente durante dias e
noites em demorosas leituras.
Nesse
tempo intermédio, no concernente ao grande contingente de leitores a ser,
decerto, granjeado por este livro – conquanto em circunstâncias diferentes
daquela plêiade há pouco mencionada – a decifração ocorrerá mais demorada, a
despeito de se mostrar o texto limpo, escorreito, correto, conciso, preciso e
até claro, no referencial de receptores com aptidões comunicativas semelhantes
às do engenho do Autor.
De
toda sorte, os atributos intelectuais do compositor dessa produção - onde
consta sua irrepreensível capacidade de se manifestar em língua portuguesa, da
qual conhece as sinuosidades gramaticais e elocutórias, com perfeito domínio do
léxico, sintaxe e riqueza vocabular – certamente, serão de significativo
adjutório no acesso às posições corajosas de sua assunção, relativamente à
meia-luz, ao lusco-fusco prolongado até depois do Século XVIII por alguns
pensadores insertos no período do Esclarecimento.
Impende-me
ressaltar, neste passo, sua intrepidez desmedida, ao se contrapor veementemente
às ideologias cientificistas do Tempo da Claridade, feito dicaz analista de
pressupostos e acerbo crítico de ideações viciadas e equívocas, muitas das
quais se estabilizaram no curso de até séculos, conduzindo gerações inteiras ao
ardil e às percepções falazes.
Atualizado
magnificamente no estado d’arte das Ciências, Humanidades e Tecnologia, versado
no conhecimento teórico dos saberes físicos e naturais, nas descobertas e invenções,
Bulcão Neto ostenta, exempli gratia,
a afoiteza de assacar contra o “monstro sagrado” Karl Marx a tacha de escritor
prolixo; bate firme nas ideações racistas do “diletante francês” Arthur de
Gobineau, no Ensaio sobre a desigualdade
das raças, de 1855, e, em rebordosa, toma de assalto as equivocações de
Charles Darwin e Houston Stewart Chamberlain, tudo isso concernente à
superioridade racial.
A
respeito do Autor da Teoria da Evolução
– apenas para o leitor divisar a mordacidade razoada do escritor ora sob exame,
em dezenas de increpações àqueles a projetarem penumbra sob o facho da Enorme
Lanterna – reproduzo este excerto (BULCÃO NETO, 2006, p.51):
Assim como uma tela em branco
apenas assinada por Salvador Dali tem mais valor do que um quadro de um pintor
talentoso, porém pouco conhecido, pela mesma razão – ou melhor, “desrazão”, os
palpites infelizes de Darwing (um
Cientista com “C” maiúsculo, criador da revolucionária teoria sobre a origem
das espécies por meio da seleção natural ou das raças favorecidas na luta pela
existência) contribuíram muito mais para dar a esse monturo de excrementos
cerebrais a aparência de doutrina “científica”
sólida. (Realcei).
Corre
solta e ampla a censura da rejeição global, a torto e a direito, de cujo látego
nem escapou o matemático e físico francês Jules Henri Poincaré, conquanto, aqui
e acolá, exprima algo como “[...] os brilhantes estudos de Erich Fromm, Adorno
e Horkheimer acerca da personalidade e do caráter revolucionário [...]” (IDEM),
três dos da Escola de Frankfurt, livrando, também, em determinada passagem, a
pele do ucraniano Leon Trotsky (morreu, assassinado, em Coyoacán-México, em 21.08.1940),
havendo-o por, quiçá,
[...] o único marxista que
considerou seriamente a possibilidade de “falseamento” por meio da experiência,
de algumas das predições do materialismo histórico – dentre os quais o caráter
revolucionário do proletariado e o comunismo como movimento real. (IBIDEM).
A
fim de verberar desta maneira, com tamanho ardor, certamente, é preciso a quem
o faz encerrar uma epistemologia pessoal exigente, punctum saliens da personalidade intelectual do Autor.
Isto
porque, conhecendo em profundez não só o pensamento desenvolvido durante o
Século das Luzes, como também ao conduzir preciosos haveres culturais no
terreno fertílimo do conhecimento geral, é dotado de elevado poder analítico,
exibido neste seu exercício de inteligência, numa linguagem avessa a lugares
comuns, frases feitas, manias e clichês, sempre muito recorrentes no repertório
didático-acadêmico.
A
propósito, um dos aspectos mais avultantes na escrita e no ideário deste
Filósofo é o fato de não mourejar na Academia, pois, embora tenha nela se
movimentado e se feito causídico (Faculdade de Direito da UFC), desenvolvendo
ofício absolutamente adverso aos temas filosóficos e culturais próprios da
ambiência universitária, cursou, mediante estudos informais intensos, na
autodidaxia de recesso de sua casa, febril atividade mental.
Daí
extrai produção de insuperável qualidade internacional, conforme o atestam As Esquisitices do Óbvio e este Sombras do Iluminismo, onde
comprova, à farta, todo o vigor intelectivo e a enorme dimensão do analista
percuciente das elevadas causas e dos mais multifacetados efeitos.
Declara-se,
taxativa e publicamente, ateu. Seguramente, é a comprovação de sua inquietude
exasperada pela vontade infrene de saber, de conhecer todas as coisas, nas
quais vota suspeição até o deslinde da verdade.
Católico
praticante como sou, porém, só posso é acreditar piamente, ainda mais, no fato
de uma criatura tão bem aquinhoada pela inteligência e prontidão intelectiva
proceder de Deus, ser criado pela Mão Divina. Não pode ser de outro jeito!
No
livro Repertório Transcrito, capítulo
“Reencarnação – evidências científicas e bíblicas”, reporto-me à obra com igual
título do facultativo mossoroense Josivan Dantas, ideia reiterada aqui, permutatis, permutandis: estou distante
de me sentir heresiarca e apóstata, hajam vistas a liberdade plural de
pensamento e a necessidade de conhecer, em profundo, as cristalinas verdades de
mentes privilegiadas pela inteligência,
que Deus (Divino e Humano, creio) concedeu aos humanos
– e, mormente em grande estilo, deu por outorga ao preclaro intelectual Manuel
Soares Bulcão Neto.
Registro,
pois, sem medo do Index e da
excomunhão informais (os verdadeiros foram extintos), a intenção de poderem se
abeberar os leitores, com o máximo de proveito, da sabedoria artisticamente
expressa na filosofia grandiloquente deste volume, o qual haverá de correr
mundo e mentes, a fim de aparelhá-los e consertar, à vista de tão opulentas
lições, seus entendimentos obnubilados pelas sombras do Iluminismo, ainda a
cortarem e esticarem os pés de muitos viajantes pela vida afora...
Eis
aqui, por conseguinte, um Teseu para este Procusto.
BIBLIOGRAFIA
BARBERO,
Jesús-Martin, In SOUZA, Mauro Wilton
(Org.). Sujeito, o lado oculto do
receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
BERLO,
David Kenneth. O Processo da
Comunicação. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1976.
BOURDIEU,
Pierre. Capital cultural, Escuela y
Espacio Social. Mexico: Siglo Veinteuno, 1997.
BULCÃO
NETO, Manuel Soares. As Esquisitices do
Óbvio. Fortaleza: APEX, 2005.
___________________________.
Sombras do Iluminismo. Rio de
Janeiro: Sete Letras, 2006.
MESQUITA,
Vianney; CYSNE, Fátima Portela. O
Termômetro de Mc Luhan – bases para reflexão interdisciplinar. Fortaleza:
Edições UFC, 1994.
MESQUITA,
Vianney. Arquiteto a Posteriori.
Fortaleza: Imprensa Universitária da U.F.C., 2013.
___________________.
Repertório Transcrito. Sobral:
Edições UVA, 2003.
SOUZA,
Mauro Wilton de (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista
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