quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

APRECIAÇÃO LITEROCIENTÍFICA (VM)


ESTA, SIM... (1)
Vianney Mesquita*

Assim como o ferro, sem exercício, se oxida, à semelhança de como a água se putrefaz, e no frio gela, semelhantemente, o espírito humano, não exercitado, se arruína. (LEONARDO DA VINCI – YAnchiano (2), 15.04.1452; Amboise (3), 02.05.1519).

Espesso de continente, denso de teores metodológicos e pressupostos epistemológicos ditados pelo exigente crivo da autora, o ensaio sob glosa exibe admirável profundez pelos enredos e ambages da Ciência Sematológica, rematada pela sobeja pesquisa empírica – um consórcio perfeito para afluir ao propósito da Semasiologia, configurado no saber novo.

Diversamente da magrém de peças de cinquenta e poucas laudas, desprovidas de conteúdo penetrante e bem especulado – no plano teorético quanto no patim empírico, via de regra decorrente da desídia de certos autores e do açodamento de alguns orientadores – o ensaio da Professora Doutora Maria das Dores Nogueira Mendes excele em qualidade – e em quantidade – porquanto deitou cátedra num recheio de 340 páginas.

Em matéria, assim, tão desdobrada, dissecou seu tema, não digo até se exaustar, pois nada existe acabado, porém concedeu aos estudos linguísticos no nosso meio colaboração de monta, inclusive e principalmente, como substrato do saber ordenado para mais estudos do gênero.
   
Trata-se, por conseguinte, da manifestação terminante de que a Ciência, mormente a Semiótica, encontra pelos pagos cearenses receptáculo para seu progresso, haja vista a diligência por ela expressa na execução deste experimento de alevantado merecimento, ao dissecar o investimento vocal, cenografias e ethé (4) em peças compostas e/ou interpretadas vocalmente pelo Pessoal do CearáRicardo Bezerra, Ednardo, Raimundo Fagner, Rodger e Téti, Fausto Nilo e outros por ela estudados.


Conquanto, porém, possa-me não assistir razão, entendo que a Semiótica (Sematologia, Semasiologia ou Semiologia), malgrado quase cem anos de existência oficial (1916, com o Cours de Linguistique Generále, obra post-mortem de Ferdinand de Saussure – 1857/1913), mesmo que este não represente tempo suficiente para um ramo científico se fixar, ainda não desfruta de compreensão pacífica, tampouco experimenta trânsito sereno entre os cultores do ecúmeno científico.

Com tal ideia, salvante mais acurado juízo (até porque sou um quase-visitante do assunto), reporto-me, em específico, ao ambiente brasileiro, onde até agora, desde que ultrapassou o bloco de adeptos e defensores, é um conjunto de fatos científicos  portador de certa inocuidade, hajam vistas as quaestiones vexatae, a insuficiente influência na sociedade, sob o prisma de sua evolução, e outros influxos de aplicação ligeira, conforme sucede com qualquer ramo do saber ordenado recente, razão, aliás, que a pode inocentar em relação ao até agora não operado por esta Ciência.

Com obras iguais a esta da Prof.a. Dr.a Mendes, todavia, ao achegar a audiência até o campo da prova, ferindo tema bem mais comum, como sói acontecer com a música popular – e do Ceará – a linha científica de Roland Barthes, Oswald Ducrot, Dominique Maingueneau, Rogério Bessa e Tzvetan Todorov, decerto, encontrará, paulatinamente, ubérrimo campo para sediar-se entre nós.

Esta, sim, é uma tese de doutoramento, na mais estrita manifestação das palavras!
***
(1) Comentário, ora modificado, escrito no dia 11 de janeiro de 2013, quando dei por finda a revisão da tese de doutorado da Prof.a. Dr.a Maria das Dores Nogueira Mendes, hoje docente do Departamento de Letras Vernáculas – Centro de Humanidades, da Universidade Federal do Ceará, defendida logo depois, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Barros da Costa, também da U.F.C., com a coorientação do Prof. Dr. Júlio César Rosa de Araújo. O trabalho traz por título O Duro Aço da Voz – Investimento Vocal, Cenografia e Ethos em canções do Pessoal do Ceará.

(2) Anchiano é um lugarejo, parte de Da Vinci, comuna italiana da Região da Toscana, Província de Florença.

(3) Amboise – Comuna do Centro, antiga Ambácia, no vale do rio Loire, pertencente ao Departamento de Indre-et-Loire. Depois de Tours, é a mais populosa do Departamento – cerca de 13 mil pessoas . Ali está sepultado Da Vinci. Recentemente, tive a satisfação de percorrer o vale do Loire quase todo, visitando, inclusive o famoso Castelo de Amboise.


(4) Ethos, com plural ethé, é termo da Língua Grega, significativo de caráter, com vários desdobramentos. No senso aqui empregado, porém, denota o exercício do poder de compositores e musicistas, formalmente prontificados em escolas ou na autodidaxia da experiência, para influenciar nas emoções e atitudes, bem assim na moral do seu público aficionado.

*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista



CRÔNICA (RV)


TEMPUS REGIT ACTUM
Reginaldo Vasconcelos*


Era um militar de vocação sacerdotal. Reformou-se como general, e foi a vice-governador, a convite de um político civil que ascendeu ao governo do Estado. Sempre disciplinado, pontual, patriota, enquadrado, porém nada autoritário, único ponto em que dissentia do estereótipo castrense. Muito católico, postura moral sem o rigorismo dos carolas. O puro amor à família, à pátria, à Deus, com base na benevolência e no perdão.

O filho dele também foi militar, mas deixou a farda para exercer seus potenciais de engenheiro em outras áreas federais. E antes de ingressar na Marinha, ainda jovem, na década de 60, acompanhou o pai vice-governador em missão oficial ao Maranhão, Estado que então era governado por um jovem e vitorioso Sarney, que iniciava a sua dinastia política, após vencer e destronar naquele Estado a oligarquia anterior.

Pai e filho encontraram no governador, que os recebeu com fidalguia no Palácio dos Leões, um homem ainda na faixa dos 30, de belos traços e de modos refinados, em esmerado figurino, e, acima de tudo, muito bem instruído e ilustrado, já um intelectual prestigiado como tal, a par de um político de sucesso. Os dois visitantes ficaram bem impressionados, o filho comentando com o pai, profeticamente, que uma pessoa tão bem qualificada deveria vir um dia a servir ao Brasil na Presidência da República.

E o filho ocupava cargo de diretoria numa repartição pública federal quando José Sarney, em 1985, chegou ao Palácio do Planalto, por uma esquina do destino, após a morte repentina do já eleito Tancredo Neves, de quem figurava como vice. Consequentemente, na sala em que aquele trabalhava, bem atrás de sua cadeira, passou a ser exibido o maranhense no clássico retrato oficial do Presidente da República, com a faixa verde-amarela trespassada sobre o peito.

Ele então se lembrou da bela fotografia em que houvera posado com seu pai e José Sarney no Maranhão, 20 anos antes, e quis reproduzi-la sobre o seu birô, em um bom porta-retrato, para que todos notassem que o prestígio do diretor da entidade superava os limites políticos do seu Estado e chegava aos palácios de Brasília, vaidade natural que ocorreria a qualquer um – além da legítima intenção de demonstrar apoio ao dignitário máxima de República, o qual, naquele momento, era adorado pelo povo com o seu mirabolante “Plano Cruzado”, que pretensamente debelaria a inflação.

Para tanto o filho telefonou ao pai perguntando pela foto, que este não sabia mais onde estava, mas se prontificou a procurar. Dias depois, insistiu pessoalmente com o seu genitor cobrando a encomenda que fizera, sendo informado de que o General não obtivera êxito na busca que levara a cabo em seus arquivos de imagens do seu tempo de governo. Mas que iria consultar a uma filha a quem incumbira de organizar essas memórias. E o tempo correu sem resultados.

Um dia o General telefonou exultante ao filho para lhe comunicar que finalmente aquela fotografia em que ambos apareciam com o então Governador do Maranhão fora encontrada. Tarde demais. Certamente fora a bondade de Deus que a escondera, e fora por castigo à soberba que Ele a fizera aparecer naquela hora, pois o Plano Cruzado já malograra inteiramente, e o Presidente José Sarney naquela ocasião amargava agudo desprestígio e antipatia nacionais. Amem!




*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

MENSAGEM (FD)

FELIZ SER HUMANO NOVO
Fernando Dantas*



Mais um ano se passa. Dois mil e quatorze ficará apenas na memória pelos fatos bons ocorridos; e pelo aprendizado com os fatos desagradáveis que surgiram.

Os anos passam... e chegam. Com os anos vindouros, esperanças de vida nova. Votos de Paz, Saúde e Prosperidade. Mas, a nós os mortais resta uma reflexão maior sobre a vida. E, principalmente, sobre aquilo que surge ao longo do ano e classificamos como fatos ruins, ou desagradáveis.

No meu pensamento, devemos ter gratidão por tudo. E quanto aos fatos desagradáveis, devemos ser inteligentes e deles tirar um aprendizado. Como já aconselhavam os antigos: “Transformar um limão em uma limonada”. Lamúrias e reclamações não levam a lugar nenhum. Nada na vida acontece à toa. Tudo possui uma razão de ser. E a maioria das consequências dos fatos em nossas vidas, é fruto de nossas ações.

Conheço muitas pessoas que acham o réveillon uma data especial, e que, como em um passe de mágica, tudo se transforma do dia 31 de dezembro para o dia primeiro de janeiro. Mas sabemos que na prática não é assim. Temos que ter a certeza de que o ano novo ocorre, sim, dentro de nós, e a cada dia. A cada dia podemos dar novos passos de mudanças em nossas vidas. Não é uma data ou ritual que nos muda, mas a vontade interior de que a cada dia possamos renascer e mudar.

Muitos nesta época do ano ficam “bonzinhos” a desejar tudo de bom a todos. Mas durante o ano foram invejosos, perseguindo o próximo. De nada adianta a mudança do discurso. O que importa é a mudança da ação. A palavra pode até convencer, mas o exemplo arrasta. O sentimento de solidariedade, amor, fraternidade, não devem existir apenas nas festas de fim de ano. Mas diariamente.

A gratidão é o sentimento que devemos cultiovar nesta passagem de ano. Agradecer a Deus, sempre, por nossa VIDA, SAÚDE e PROSPERIDADE. Não pedir! Apenas agradecer. Estamos vivos e saudáveis. Por isto posso dizer que o ano de 2014 foi excelente para mim. Não me faltou nada, e ainda pude compartilhar um pouco com alguns. Para você, meu amigo ou amiga, desejo apenas que mude realmente de dentro para fora, fazendo seu ano novo a cada dia! Feliz Ser Humano Novo!

*Fernando Dantas
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeira nº 19 da ACLJ

CRÔNICA (WI)

Um poeta nordestino e o Natal
Wilson Ibiapina*

O alagoano Aldemar Paiva morreu recentemente em Recife, aos 89 anos. Ele nasceu em Maceió, mas, ainda jovem, foi transferido para servir em Recife como oficial do exército.

Começou a carreira na Rádio Clube de Pernambuco, onde foi produtor, apresentador e diretor, substituindo Chico Anysio. Também atuou como jornalista, poeta, escritor, humorista, ator e compositor, com mais de setenta músicas escritas.

Entre as mais conhecidas está "Frevo de Saudade". Escrevia uma coluna no jornal Fatorama, do Jota Alcides sob o título O  "O Causo eu Conto". No rádio, apresentou o programa "Pernambuco, Você é Meu", que começou no início da década de 1950 e foi líder de audiência durante 25 anos.

Os primeiros 18 anos do programa foram na Rádio Clube; depois, na Rádio Jornal, onde o Narcélio Limaverde trabalhou com ele. Na televisão, atuou na TV Tupi, TV jornal e participou como produtor e ator dos programas "Som Brasil", "Praça da Alegria" e "Chico City", da Rede Globo.

O médico João de Paula viu há pouco a televisão reprisar o ator Lúcio Mauro recitar, na Escolinha do Professor Raimundo, um poema de Aldemar Paiva:



MONÓLOGO DE NATAL
Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.

Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente
e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho feio, empoeirado,
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete com atraso,
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.

E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou
ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou
num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.

Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido,
para não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
entrou na cela e o libertou pro céu.


*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ


CRÔNICA (VM)


SOBERBA PATRIMONIALISTA
(Para que tanta banca, doutor?)
Vianney Mesquita*

Ouço falar muito mal da soberba dos grandes, porém esta não existiria sem a nossa vileza. (Gottfried August Büerger, * Molmerswend, 31.12.1747; +Gottinger, 31.12.1794).


Consoante é de amplo conhecimento, "soberba", unidade de ideia sinônima de orgulho, empáfia, jactância, vaidade e de alguns outros, é a vã arrogância, a insolência e presunção de uma pessoa que a conduz constantemente no caráter, ao assumir a noção –  estúpida e incoerente – de que tem mais valor do que seus constitucionalmente iguais, sob todos os prismas.

No Brasil, em alguns ambientes provincianos, senão em todos – conquanto, antiteticamente, metropolitanos – ainda hoje ocorrem, amiúde, condutores de tal infraqualidade, portando ideias sustidas no patrimônio de bens com representação monetária de usança e troca, recorrentemente trafegando influência, inclusive e, principalmente, nos Poderes do Estado, maiormente, sem dúvida, no âmbito do Executivo.

Tanto nas cidades grandes (conforme Fortaleza) como em comunidades menores, nas denominadas terras de muro baixo, têm curso ações dessas pessoas, quando pretendem sobrepujar, ilegítima e ilegalmente, os seus reais pares sociais na base do prestígio, vigor da “sabedoria” e força financeira.

O presidente da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, cientista político, advogado e professor doutor Rui Martinho Rodrigues (UFC), remete-nos ao entendimento de que esse mau e teimoso costume é afiliado a um fenômeno denominado "patrimonialismo", sucedido no nosso País, nos tempos do Brasil-Colônia, certamente já trazido de Portugal, com nefastos desdobramentos pela Primeira República, prosseguindo, sobranceiro, pela Segunda, até trespassar, também altaneiro, quase incólume, o recente estádio evolutivo da sociedade nacional. E eis que se instalou, quiçá por definitivo, no modus vivendi da nossa enorme Nação, decerto inesgotável em seus recursos de ordem econômica e cunho imaterial, ante o excesso de megafurtos e alcances financiais levados a efeito, principalmente, pelos seus afilhados, incapazes, porém, de esgotar miraculosamente seu imenso e lotado mealheiro econômico, semelhantemente, como de outro jeito fala o beiradeiro, a uma fazenda enorme de uberosas vacas leiteiras.
  
A pergunta “Sabe com quem está falando?” tem ainda solto curso na hora de o presunçoso demonstrar influência, em particular, para obter vantagens escusas, ao cortar desonestamente a fila dos direitos e aportar, pelo atalho mais curto, à pole position de tão desregrada corrida.

Com estribo nas lições de autores de renomeada internacional, da dimensão, v.g., de Sérgio Buarque de Holanda Ferreira e José Gilberto de Melo Freyre, em Raizes do Brasil e Casa Grande e Senzala, respectivamente, bem assim em prescrições de dezenas de especialistas contemporâneos (Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Junior, Vianna Moog, Oliveira Viana, Raimundo Faoro e mais), é permitido dizer que "patrimonialismo" constitui um modo de ajuntamento social, com suporte no patrimônio havido com o complexo de produtos físicos e bens espirituais, desde que dotados de estimação comercial em valor de uso e de troca, inclusa a mais-valia marxista ou fração de trabalho não paga, e que são de propriedade de uma pessoa física ou jurídica, estatal ou particular.

A soberba é a jactância do tal, ufania patente do cara, tuxaua de todas as tribos, vaidade de dono da situação, a impostura do colhudo do “pedaço”, do 30 de fevereiro, do “homem” ou do “filho do homem”, garanhão de todas as fêmeas, derradeira coca-cola do Saara e, por fim, do indivíduo que não pensa ser Deus, mas disso tem certeza. Ela está radicada de modo inextirpável na sociedade nacional, assentada na ideia patrimonial, no ter como superior ao ser, de tal modo que ainda toma conta da realidade pátria, a despeito das conquistas recepcionadas pela Constituição de 1988, inserta nos poderes divisados por Charles Secondat, Barão de Montesquieu.

Anexim popular, de profundez imensa, dá conta da verdade chocante de que existem pessoas tão pobres, excessivamente indigentes, que só têm mesmo o dinheiro, nada mais..., enquanto outro aforismo de semelhante procedência traz à evocação o fato inconteste de mortalha não ter bolso, tampouco caixão possuir gavetas.

A cultura popular, particularmente o cancioneiro, está cheia de alusões às bancas dessas pessoas picadas pelas moscas azuis, os dinheirudos analfas, desprovidos de outras faculdades e ensoberbecidos pela pecúnia, a qual lhes não aproveitará em nada, a não ser para deixar de herança aos outros; bem como os que amealharam algo de opulento, física e imaterialmente, enfim, todos os que hajam adquirido QUALQUER sortimento pecuniário, achando de posar como distintos da plebe rude. Esta é, não demora refrescar a memória, referida por Miguel Gustavo, no Café Soçaite, gravado por Jorge Veiga, em 1955, tantas vezes por mim ouvido na “radiadora” do Zé Pinheiro, na Palmácia bucólica dos Cinquenta. (Enquanto, ó plebe rude, na cidade dormes, eu ando com Jacinto, que também de Thormes; Teresas e Dolores ...)

Infelizmente, ainda é a regra, mas há, venturosamente, exceções a mancheias, de ricos e intelectuais que, como camelos (*), passarão pelo fundo da agulha e adentrarão o Paraíso.

Lembro-me dos anos ’50, quando saiu uma modinha, de profundíssima filosofia, conquanto de muita simplicidade compositiva, contendo verdadeiro libelo contra os meramente endinheirados (ou simplesmente arranjados), os quais ostentam poderes não desfrutados. A poesia reproduzida à frente é capaz de derrubar qualquer distinto de sua pose de gente “rica” e “importante”.

Reporto-me à letra de Banca do Distinto, da autoria de Billy Blanco  nome artístico do arquiteto e compositor paraense (*Belém, 8.5.1924; + Rio de Janeiro, 8.7.2011), William Blanco Abrunhosa Trindade – interpretada, salvante engano, pelo próprio Billy, por Dóris Monteiro e Elis Regina, dirigida àquele que:

Não fala com preto,/ Não dá mão a pobre /Não carrega embrulho. Pra que tanta pose, doutor?/ Pra que esse orgulho? A bruxa, que é cega, esbarra na gente/ E a vida estanca./ O enfarte lhe pega, doutor./ E acaba essa banca.

A vaidade é assim: põe o bobo no alto/ E retira a escada,/ mas fica por perto, esperando sentada/ Mais cedo ou mais tarde, ele acaba do chão./ Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco.
Afinal, todo mundo é igual / Quando a vida termina/ Com terra em cima e na horizontal.

Acumulo ainda bem viva na lembrança uma composição registrada em disco por Jorge Veiga, em parceria com Badu – reportando-se ao fato de não adiantar ter dinheiro, nem tampouco ter cartaz/ É inútil seu esforço, pois na hora você vai./ Você vai, você vai pra onde eu vou (...) Na cidade dos pés juntos, todos nós somos iguais... Você vai (...).

Por fim, parando de mexer com os soberbos patrimonialistas, recorro de novo à coleção de modinhas nacionais, pedindo que eles atentem para mais uma lição, agora com o texto da música, de Ary Monteiro e Peter Pan, registrada em disco por Linda Batista. No fim, como distingue o leitor, os autores evocam a famosa “Prova dos Noves”, ao modo de uma pesquisa científica, para justificar a metodologia como caminho a fim de aportar a uma verdade insofismável, expressa na reflexão de um anônimo: A caminho do cemitério, encontraram-se dois amigos: “adeus”, disse o vivo. “Até logo” – o morto respondeu.

FILOSOFIA BARATA

Ninguém faz graça com a barriga vazia/ E passar fome nunca foi filosofia./ Vai trabalhar, vai trabalhar,/Primeiro comer, pra depois filosofar.

Nove dias tem a vida,/ Sendo três dias de amor, /três dias de mentira,/ E três dias de dor.

Depois da conta somada, vem a Morte e tira a prova: NOVES FORA, NADA!

Recorrei, pois, oh soberbos, à Prova dos Noves!


(*) Camelo é um termo náutico significativo de uma grossa corda. Está em Mateus, capitulo 19, verso 24: E lhes digo mais: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. 


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

domingo, 28 de dezembro de 2014

NOTA ACADÊMICA


A ACLJ comunica que a missa em sufrágio da alma do Patrono Perpétuo da sua Cadeira de nº 25, o saudoso jornalista Guilherme Neto, na noite do sétimo dia de sua morte, conforme a tradição católica, ocorrerá na Igreja das Irmãs Missionárias, na Av. Rui Barbosa, em Fortaleza, às 19:00h desta segunda-feira, 29 de dezembro. 

Recomenda ainda aos acadêmicos, mormente os que o conheceram de perto, que se façam presentes à essa última homenagem pública ao ilustre jornalista, momento de cumprimentar a família enlutada, em especial o confrade Ricardo Guilherme, sobrinho e afilhado artístico do morto ilustre, bem como o advogado Lindival de Freitas Júnior, Titular Fundador da Cadeira de nº 25, por ele patroneada.

Antecipa agradecimento aos que comparecerem a esse ato de caridade cristã.   

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

ARTIGO (RV)

O CANHESTRO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Reginaldo Vasconcelos*

A aguda crise da segurança pública no Brasil, e a consequente escalada da violência nas cidades (e nas fazendas) do País, provocam no cidadão brasileiro urbano uma irracional aversão às armas de fogo.

Traumatizado pelos tantos sequestros e assaltos sofridos por si mesmos ou por entes da família, ou estressados pelo receio de que possam a qualquer momento vir a ser alvos de bandidos armados, as pessoas passam a execrar o instrumento do crime, como aquele marido traído em relação ao inocente sofá de casa em que se deu o adultério.

Então se criaram no País movimentos de pretensão “politicamente correta” em prol do desarmamento do cidadão de bem, que conseguiram a promulgação de uma canhestra lei de desarme público. Com isso, a pessoa honesta resta agudamente insegura, privada da arma lícita que proteja a sua própria integridade e a da família, em casa e no seu automóvel, que é uma projeção do lar, e que pode eventualmente trafegar e até enguiçar em locais ermos e em zonas urbanas conflagradas pelo crime.

E, estranhamente, entre seus argumentos, esses defensores do desarmamento da população passam o conceito torpe e preconceituoso de que o cidadão comum seja inábil para promover a própria defesa utilizando arma de fogo, como se acometido de um elevado grau de idiotia, limitação psíquica que não afetaria os policiais, nem os militares, nem os bandidos em geral.

Imensa bobagem, até porque o efeito dissuasório sobre o eventual agressor, da suposta existência de uma arma de fogo defensiva ao alcance da sua pretensa vítima inibiria grande parte das tentativas de agressão. Já diziam os antigos, “o melhor uso da espada se dá enquanto ela  permanece na bainha”. Obviamente, sabedor de que o cidadão está desarmado pela lei, muito mais à vontade para o ataque ficam os predadores sociais.      

Outro argumento alvar que hasteiam contra a arma lícita é o risco de que ela provoque acidentes, jogando uma lente de aumento sobre casos isolados que acontecem, e que são de fato inevitáveis. Grande besteira. Um revolver, uma pistola, um rifle, podem servir ao ataque ou à defesa, sendo para este último fim que são concebidos e frabricados. Muito mais acidentes provocam os automóveis, que matam aos milhares, e que assim mesmo qualquer um pode adquirir e utilizar, cumpridas as formalidades necessárias.

Do mesmo modo, piscinas não são construídas para afogar crianças, que assim mesmo nelas morrem às centenas todo ano. Tampouco se instalam tomadas domésticas para eletrocutar pessoas incautas, que são vítimas fatais de choque, todo dia, no mundo todo. E ninguém cogita jamais proibir tomadas elétricas e piscinas, em função dos infaustos a que eventualmente deem causa. Em latim se dizia que abusus non tollit usum. Em português mais comezinho é dizer que não se matam as vacas para evitar os carrapatos.

Na verdade, não são as pistolas, os revolveres e os rifles que ferem e matam as pessoas inocentes. São os sociopatas que se colocam por trás delas. E esses, em lhes faltando um trabuco qualquer, atacarão com machados e facões, com um palito de fósforo e um vasilhame de álcool, com as pedras do chão ou com um simples travesseiro pressionado sobre o rosto de quem dorme.

A propósito disso, façamos uma equação simples, isenta de pavores atávicos, de sentimentalismos inúteis, de utopias sociais hiperurbanas, mas apenas conduzida pela lógica:

1. Não há de como se expungir inteiramente da alma humana, quanto mais por decreto, todo o instinto de competição, de cupidez, de beligerância, nem mesmo o animus necandi, que é o impulso de matar outros viventes, inerente aos seres vivos;

2. Também não é possível que a lei faça sumirem da superfície nacional todas as ditas “armas eventuais”, que são as lâminas, os porretes, as barras de ferro, os cacos de vidro, os seixos do chão, os instrumentos lícitos perfuro contundentes ou cortantes, facilmente utilizáveis para ferir e matar – e, principalmente, não se pode evitar a compleição física privilegiada de alguns em relação aos mais franzinos;

3. É certo que as armas brancas e as armas eventuais lesionantes e letais são de manuseio especialmente difícil aos mais fracos, física ou numericamente, de modo que estes, no âmbito da sociedade como um todo, sem a arma de fogo para promover a sua defesa contra os brutamontes e os eventuais grupos agressivos injustos, estão sempre em desigualdade absoluta;

4. A conclusão é de que a arma de fogo cidadã, de fácil manuseio e de efeitos mais efetivos, serve para promover o equilíbrio social, igualando potencialmente os indivíduos probos aos ímpios, os mais fracos aos corpulentos, os solitários aos que se apresentem numerosos – no dia a dia da vida social, pois a Polícia e a Justiça não são e não podem ser onipresentes.  

Aliás, fogo, explosão, veneno, porretes, foices, barras de ferro, tudo isso configura “modo cruel”, que agrava as agressões e os homicídios, de onde se conclui que o uso da arma de fogo chega a ser meio moderado, embora de letalidade mais eficiente e imediata. A arma de fogo, em última análise, representa evolução tecnológica que permite aos mais fracos se protegerem dos mais fortes, de forma mais efetiva, porém menos sanguinolenta e menos brutal.

Parece estranho e ilógico o argumento, mas de uma ampla perspectiva sociológica faz sentido. A guilhotina, por exemplo, foi inventada com fins humanitários, pois já que a pena de morte era legal, precisava-se de um método menos traumático e mais rápido de cumpri-la, contra os enforcamentos, em que os condenados se debatiam sufocados por longos minutos, ou os machados incerteiros dos carrascos, que muitas vezes picotavam a nuca e as costas dos coitados, antes do golpe fatal.        

Então, já que não se consegue desarmar o criminoso totalmente, nem eliminar formas grotescas de agressão que eles possam adotar, o que se pode fazer para reduzir a violência, em vez de perseguir a arma lícita? Conter a bandidagem, isso sim, combatendo a arma ilícita. 

Dever-se-ia armar o povo, ao invés de desarmá-lo, pois se todos reagissem com tiros a tentativas de sequestros e assaltos, esses crimes compensariam muito menos, e seriam muito menos frequentes. Morreriam alguns nessas reações, de lado a lado, mas as tenebrosas estatísticas sobre o número de vítimas fatais de violência urbana no Brasil, mesmo sem reação, ou por ela esboçar fuga, equivalente a uma guerra sangrenta a cada ano, teriam uma imensa retração.  

Aliás, dois dados geopolíticos comparativos dão maior respaldo à tese exposta: a) países em que todo cidadão pode ter sua arma de defesa têm baixos índices criminais, enquanto o desarmamento entre nós não reduziu a criminalidade; b) o desarmamento do povo é medida recorrente na instalação das ditaduras, enquanto as grandes democracias entendem que a lei penal garante ao cidadão a sua autotutela, em vez de prestigiar a covardia das pessoas. 

Principalmente, é urgente rever o conceito de direitos humanos adotado atualmente, tão incensado pela imprensa nacional, que não se importa com os “humanos direitos”, mas só com os marginais abatidos por agentes públicos ou presos pela Justiça brasileira.  

Havia inclusive uma propaganda chapa-branca, logo no início da campanha pelo desarmamento, em que o anunciante dizia “quem usa arma é polícia ou bandido”. Com isso o Estado legitimava o instrumento de trabalho dos marginais, passando-lhes a ideia de que, assim como a polícia, eles tinham direito de se armar – veja-se o tamanho contrassenso.

Já imbuído desse conceito distorcido, assaltante preso em flagrante em Fortaleza, após a reação armada de uma vítima, bradava ao delegado, diante dos repórteres policiais que gravaram para um programa de TV: “Ele atirou em mim, Doutor. Quase fez um’arte comigo.  Veja aí se ele tem porte de arma. Eu estava armado porque sou bandido! Mas ele não diz que é cidadão?

Está tramitando um Projeto de Lei que visa derrogar o tal Estatuto do Desarmamento. Porém, enquanto este estiver vigorando, todos devemos obedecê-lo. E lícito criticar e lutar para que sejam revistas as normas ruins, mas quem as descumpre na sua vigência passa a ser pior que elas.  


  
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ  

APRECIAÇÃO LITERÁRIA (VM)

BELEZA E FORMA INUSITADAS
NOS VERSOS DO CONTERRÂNEO
JOSÉ REBOUÇAS MACAMBIRA,
MEU PATRONO NA ACADEMIA
(Última Parte)
Vianney Mesquita*


Um soneto impecável vale, sozinho, um grande poema. (Nicholas Boileau Despréaux, crítico literário e poeta. *Paris, 01.11.1636; 13.03.1711).


José Fernandes Sampaio, o Zé Sampaio

Privava, então, da amizade do conterrâneo José Fernandes Sampaio, o Zé Sampaio, farmacêutico prático, amanuense,  funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria no açude São José, que, apesar de ter aprendido apenas na autodidaxia da vida e em leituras esparsas, gostava, também, de versos.

Zé Sampaio - filho do Sr. Virgílio e sobrinho do Sr. Mechico e do Padre Gumercindo Sampaio - antegozava a pretensa publicação de certo livro, ao me fazer acreditar que este estava pronto de há muito, sem, no entanto, jamais mostrar seus teores. O fato é que, uma vez, fui à sua residência, no Henrique Jorge, já aqui em Fortaleza, e eis que ele me mostrou uma capa que mandara confeccionar para o Palmácia na Risca das Escrituras (com a fotografia da Matriz de São Francisco, na Praça Padre Perdigão Sampaio), no qual, segundo ele, era narrado um rol de castigos e anátemas, antevistos pela Bíblia Sagrada, para as transgressões e iniquidades cometidas pelos palmacianos no decurso de sua história. Zé Sampaio, agora no andar de cima, jamais levou a lume a ideia, certamente, porque era apenas projeto, embora imensa vontade lhe não faltasse.

Recitava sempre – e me fazia crer serem dele, porém, conquanto jamais afirmasse, se calava quando alguém isso perguntava – dois lindos sonetos, um deles bem mais artístico do que o outro. Refiro-me a PAPAGAIO DE PAPEL, o qual vale a pena reproduzir agora, sem comentário, e LÁBIOS VIRGINAIS, de que farei ligeira glosa.

Seis horas, o céu mudo, a noite perto./ Não se vê uma luz no firmamento; / Apenas um bonito papagaio / Volteia sacudido pelo vento.

Parece estar livre; mas alguém / O manobra de longe como entende. / Ele sobre, ele desce em viravoltas - / Mas, coitado! Se acaso se desprende...

Ainda voará sem direção, / Brincará nas alturas um momento,/ Para depois se espatifar no chão.

Eu sou qual papagaio de papel:/ Aparento ser livre, todavia Estou preso também por um cordel.

Em um jornalzinho que editei, no meu tempo de Escola Industrial, hoje Instituto Federal de Educação e Tecnologia do Ceará – IFCE, O Concludente, publiquei esse poema tendo J. Sampaio por autor. Doei-lhe um exemplar, o qual, satisfeito, ele guardou, sem dizer palavra.

Também Lábios Virginais ele declamava, porém incluindo  três ou quatro expressões, as quais, depois, vi serem realmente equívocas e sem sentido.

Dizia eu, durante muitos anos, os dois sonetos para pessoas literatas e bem informadas, como, e.g., meus irmãos Teobaldo Campos de Mesquita (docente da UFC e da UVA) e Raimundo Campos de Mesquita (cirurgião-dentista e secretário de Saúde de Palmácia por duas vezes), que me não davam pistas da autoria, fato a me deixar intrigado, pois a forma de rima das grades era por demais sofisticada, em especial, nos Lábios Virginais, denotando pouca possibilidade de serem os poemas da colheita de pessoas sem conhecimento de versificação.

Eis que, muitos e muitos anos depois, entendi haver ele decorado erradamente, pois eram nada mais do que da autoria de José Rebouças Macambira, componentes de Musa de Aquém e de Além, o primeiro composto em 1942 e o outro em 1944, publicados nesse livro em 1981.

Retrato na sequência Lábios Virginais.

A minha’alma é feliz, embora presa / Da tu’alma no cárcere de luz, / Pois a vida sem ti fora uma cruz / Talvez muito pesada para mim.

És tu quem me dá vida (1) e Fortaleza, / Por quem luto no mar do vendaval (2) / Animando no peito um ideal / Bebido neste amor que não tem fim.

Se por vezes a nuvem de um desgosto / Escura se projeta no meu rosto, / Na hora em que te encontro se desfaz.

É que tens (3) o poder (4) misterioso / De mudar minhas lágrimas em gozo / Com o frescor de teus lábios virginais.

Remate

Conforme é dado ao consultor divisar, existe por demais beleza nesta composição, onde meu patrono e conterrâneo emprega uma variedade de expedientes figurais, peculiares aos códigos da Poética, como, por exemplo, as metáforas e as elisões (como em tu’alma), para conceder estesia especial às suas produções obedientes a padrões métricos (ou pés), em segmentos da Musa de Aquém e de Além, ao comprovar a habilidade que detinha ao versejar com graça no sistema de rimas ABBC – ABBC – AAB – AAB. De modo assertivo, ainda, denota a manifestação do conhecimento científico detido sobre as estruturas rítmicas de versos e estâncias dotados de musicalidade, aliás matérias das quais cuidou na sua produção científica, ao editar os citados Português Estrutural e Estrutura Musical do Verso, exempli gratia.

Há de assentir o consulente no fato de ser pouco comum, como ocorrente no decassílabo Lábios Virginais, nos quartetos, os primeiros versos (A) consoarem com C, derradeiras linhas das estâncias, sendo, porém, bastante usuais as rimas BB – variantes de tempo e espaço - para o segundo e o terceiro versos do poema.

Caso o leitor não pense como eu, de mim discordando, intente examinar com demora o soneto sob observação e, ao cabo do estudo, certamente, permutará sua opinião. É que escolhi este decassilábico português, desde há muito, como um dos dez mais belos da Língua de José Rebouças Macambira, palmaciano a honrar as letras científicas do ecúmeno português, nas nove comunidades lusofônicas – no terreno da Semasiologia – e literárias - no campo prolífero da poesia.

1 José Fernandes Sampaio decorou como quem me dá luz.
2 Ele dizia a “palavra” inexistente dunivendal, o que me deixava bastante intrigado, até descobrir a verdade da autoria e conferir o poema.
3 JFS memorizou, equivocadamente, “porque tens”.
4 Fixou como porque tens o fulgor misterioso.


*Vianney Mesquita 

 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista