segunda-feira, 11 de março de 2024

POESIA - Sonetos Decassilábicos Portugueses (Vianney Mesquita/Márcio Catunda)

 1 AÇÃO RACIONAL

 Não te gabes nem te repreendas, pois, para isso, bastam tuas ações.

 

[GEORGE HERBERT, poeta galês. Montgomery (UK), 03.04.1593; Bemeston-Salisbury (UK), 01.03.1633].

 

Do encômio jamais tu te revistas,
Tampouco acedas à autocensura,
Porquanto os devaneios intimistas
Agilitam-te até a desventura.
 
Ao vil aplauso - espero – subsistas.
E se assim procederes, porventura,
Desobrigada de pontos de vista,
Impende que a ideia assente pura.
 
No contexto de tal raciocínio,
De pronto, a ti se achega o tirocínio
Com vistas a te preservar seguro.
 
A seriedade não sobra em declínio,
E as ações transferem ao teu domínio
A densa circunstância de maduro.

 

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2 CORDIALIDADE

 Amizade quer dizer indulgência, tolerância, paciência.

 

 [GIUSEPPE GIUSTI, poeta satírico italiano. Pistoia (Mansummano Terme), 12.05.1809 – 31.05.1850].

 

Nomear é bem simples a aliança
De pessoas em lúcida harmonia,
Aditadas na verossimilhança
No verbal imo da lusofonia.
 
 Seres dispostos sob a temperança,
Parceiros em perene sincronia,
Inadmitem render a pujança
Orquestrada em perpétua sinfonia.
 
Configura amizade a indulgência,
Com efeito, conforma paciência,
Comedimento e benignidade.  
Sem forçar, de tal modo, a leniência,
Prover amigos é a conveniência
Do estar humano, é veridicidade.

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 3 ADULAÇÃO

                A língua enganadora não ama a verdade, e a boca lúbrica é causa de ruínas.  (BIBLIA. Provérbios, 26-28).

 

Mote inconteste da Santa Escritura
No Livro dos Provérbios insertado,
Dele é defeso banir da leitura
O cristão lente bem aparelhado.
 
Quem falar enganando conjectura
Resta longe do adágio assinalado
É a verrina oral, propositura
De aluir o inserto do Sagrado.
 
Lúbrica língua, reles, faladeira,
Encontra-se o adulão, chaleira,
A anos-luz da veridicidade.
 
Esta, entretanto, em esmerada esteira,
Segue impoluta, exata e sobranceira
Ao Verbo Sacro em longanimidade.

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4 FORMOSURA SOB DEUS

 

O Belo é o reflexo da Divindade sobre a Terra.

 [JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR. Fortaleza (Messejana), 01.05.1829; Rio de Janeiro, 12.12.1877].


O donaire perfaz-se indescritível
Ao não semelhar algo explicativo
É, todavia, fato relativo,
No mais, integralmente dedutível.
 
Consoante Alencar é taxativo
D’estranha fealdade incompatível
A beleza reflete o deduzível
Provindo de Cima, distintivo.
 
Quer d’Afrodite, Vênus, Hathor ou Freya
(Até de Iracema), vem a ideia –
De a Beleza provir da Trindade.
 
Ditoso seja o Autor fortalezense,
Nosso compatrício – cearense –
Ao supor aflorar na Divindade.

 

ARTIGO - Eu Acuso (RMR)

 EU ACUSO
Rui Martinho Rodrigues* 

 

A democracia francesa do final do Século XIX merece encômios. Nela um intelectual, Émile Zola (1840 – 1902), escreveu uma carta aberta, publicada no jornal L’Aurore, dirigida ao então presidente da França, Félix François Faure (1841 – 1899). A epístola criticava severamente o erro judicial que levou à condenação do capitão Alfred Dreyfus (1859 – 1935). 

Responsabilizava nominalmente altas personalidades, inclusive generais franceses. O título da missiva já deixa claro o seu teor: J’Accuse. A democracia francesa permitia a cidadão acusar autoridades sem que isso fosse considerado um atentado às instituições democráticas. Titulares de cargos e postos não eram a encarnação das instituições. Criticá-los era encarado como reprovação a um comandante de navio, que não se confunde com ataque ao projeto de engenharia da embarcação ou ao próprio barco. 

“Eu acuso” não levou o acusador à prisão. Não lhe valeu multa exorbitante. Antes motivou o presidente a conceder perdão ao condenado. Juízes não desfizeram o perdão concedido. Submeteram-se ao legítimo ato do presidente. Não concederam entrevistas à imprensa. Não subiram em palanques para participar de comícios alegando defender a democracia. Não foram ao exterior participar de atos políticos de protesto. 

Não haviam quebrado o princípio, que também é regra, da inércia do judiciário, pois não haviam usurpado a prerrogativa do Ministério Público, não tendo competido com o parquet no exercício da persecução penal. Nada disso precisaria constar do direito escrito da França da época, por ser matéria doutrinária reconhecida em todas as democracias. A imprensa reagiu de modo compatível com a pluralidade democrática: não se colocou uniformemente contra a crítica contida na carta de Zola. 

A severa acusação do escritor não poupou a decisão judicial de condenar o capitão de artilharia, apesar do processo não haver violado o princípio do juiz natural, uma vez que não houve supressão de instância. Juízes não haviam prejulgado o réu que condenaram, não tendo antecipado juízo em declarações públicas, nem adjetivado grosseiramente alguma parte envolvida. 

O princípio do processo acusatório, pelo qual a investigação do caso deve ser conduzida por pessoas que não acusarão nem julgarão, quem acusa, por sua vez, não julga e quem julga não investiga nem acusa, também não havia sido desrespeitado. A democracia francesa não estava tão degradada. Apenas a produção de provas foi criticada por Émile Zola. 

A essência da democracia se radica nas garantias individuais. Quando pessoas não têm garantias, nada mais resta do ordenamento jurídico democrático. O princípio da prevalência das maiorias precisa ter limites. Tanto é assim que processos podem ser desaforados quando a maioria da população de uma comarca prejulgou passionalmente um réu. 

O interesse social não pode se sobrepor às garantias individuais, sob pena dos cidadãos ficarem indefesos diante de autoridades. Isso seria a busca de proteção pela via da retirada de toda proteção. A defesa da França não poderia condenar um acusado de espionagem sem provas válidas, assim como não se pode desrespeitar garantias constitucionais em nome da defesa da democracia. 

A democracia exige representatividade das leis para que os cidadãos não fiquem expostos ao entendimento pessoal de autoridades. Tal garantia tem o nome de governo das leis, sem a qual teríamos o governo de homens supostamente sábios e virtuosos. Mas democracia é o regime da desconfiança.

Tanto é assim que os atos administrativos, judiciais e até legislativos são sujeitos a controles, e para tanto devem ser públicos. A concentração de poder é evitada com o sistema de freios e contrapesos, por desconfiança expressa nas palavras do Lord John Dalberg-Acton (1834 – 1902), segundo as quais o poder corrompe e o poder absoluto corrompe de modo absoluto. Daí a separação das funções do poder uno e indivisível do Estado em funções do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. 

A acusação proferida por Zola mirava nas provas, como perícias grafotécnicas, depoimentos de testemunhas e outros aspectos relacionados com a produção de dados ligados ao fundamento de validade das acusações. As irregularidades passariam para a História como influenciadas pelo antissemitismo presente na sociedade francesa. Não havia a unanimidade da imprensa ou dos intelectuais contra os judeus. 

O repúdio às unanimidades não deve se basear na afirmação de Nelson Rodrigues (1912 – 1980), segundo a qual a concordância universal seria evidência de burrice. Nem sempre é isso. É preferível lembrar que a unanimidade é suspeita. Pode esconder interesses escusos, intimidação e manipulação de informações e consciências. Leis, inclusive as constituições, sem o amparo do poder vigente na sociedade é mero farrapo de papel, conforme palavras de Ferdinand Lassalle (1825 – 1864). A sociedade francesa, no final do século XIX, não estava tão degradada: corrigia os erros praticados no seio das suas instituições.

domingo, 10 de março de 2024

VÍDEO - O Mês da Mulher na Embaixada da Cachaça

 

Maio, o Mês da Mulher.

NA EMBAIXADA DA CACHAÇA

https://www.instagram.com/reel/C4Tc6JBuMNR/?igsh=NWIwMnd3YmR2d3V5




CRÔNICA - O Xis da Questão (AF)

 O XIS DA QUESTÃO
Altino Farias*

 

No começo o “X” sempre é a incógnita da equação. E se forem duplos... Ah, meu Deus! Sim, é verdade, em certas ocasiões temos, também, um “Y”, mas este nunca é duplo e não passa de um coadjuvante, a questão central é o “X” e ponto! 

Assim, bons matemáticos têm nele um amigo e companheiro presente no seu cotidiano, mas os que desprezam a ciência dos números temem, e tremem, ao se depararem com dois deles, pois, com suas limitações, podem não chegar a uma resolução da incógnita. Por isso, sem querer, o “X” pode causar grandes turbilhões para uns tantos “Y”, ilusões para outros e ser a razão de viver uma vida toda para muitos.

Vale lembrar que todo “Y” tem um quê de “X” em sua alma. Na verdade, eles são metade problema e, imaginam, metade solução. Os mais sábios, porém, tratam os “X” com um misto equilibrado de emoção e exatidão, conseguindo se aproximar natural e perigosamente deles simplesmente com o coração.

Quando a equação chega ao final, eis que se revela a verdade: o valor de “X”! Por absurdo que seja, ele não se mostra um valor numérico, absoluto. É medido em sentimentos, tão nobres quanto intensos e, multiplicado por dois, percebe-se claramente toda a beleza, pureza e força da criação divina, pois estaremos diante de uma MULHER!


* Maio, o Mês da Mulher.

sexta-feira, 8 de março de 2024

CRÔNICA - O Marinheiro e o Oceano (RV)

 O MARINHEIRO E O OCEANO
Reginaldo Vasconcelos*



A visão que tenho da mulher, na minha ótica masculina, tem evoluído no tempo, desde que me entendi como pessoa. Nascido e criado durante o ocaso do obscurantismo milenar – segunda metade do Século XX – experimentei a grande transição cultural que promoveu a igualdade essencial do ser humano.

Mas ainda conheci a mulher encastelada no status de ser especial, sujeita a estritos deveres morais, quando distinguida pelo destino para ser esposa ou freira, ou relegada à condição de pária social, se destinada a suprir os instintos poligâmicos da espécie, neste caso, impiedosamente rotulada de “mulher desonesta.

Para o menino que fui não havia distinção: filho de uma mãe recatada, vivendo numa prole sem irmãs, a mulher, para mim, toda ela, era sempre um ente fabuloso, magnífico, intangível. 

Fossem as professoras, as domésticas, as meninas da vizinhança, todas eram objeto da minha adoração apaixonada. E principalmente as prostitutas, quando a elas tive acesso, na transição da puberdade, causavam-se uma pletora de ternura e encantamento. Éramos como o observador e a montanha verdejante.

Depois, na aurora boreal dos hormônios, sob a virilidade solar da juventude, a essa condição de ser etéreo  e  angelical  da  mulher  – da qual jamais a demiti – somei a de fetiche sensual, fonte aparentemente inesgotável de carinho e de prazer. Galgaram, então, as moças, no meu conceito, o altar votivo do mais enlevado culto erótico, sem perderem a sua deidade, sempre alvo do maior respeito e de grande reverência. Era então o observador na montanha dominando o vale fértil.

Hoje, além de semideusa da estética superior do Universo, na sublimidade intrínseca de sua condição ontológica, e de insuperável objeto tátil e lúdico de deleite, a mulher assume ante os meus olhos a função suprema de companheira imprescindível, alicerce indispensável da estrutura masculina, arcabouço e argamassa do edifício da família.

A mulher se me afigura hoje o complemento essencial do macho, que sem ela não existe como tal, porque sem ela se vai delir moralmente como qualquer criança solitária, perdida no caos da orfandade. 

Na maturidade concluo enfim que tenho vivido em função da mulher, a princípio cativo de seus encantos  como o zangão em torno da abelha rainha  hoje servo absoluto de sua majestade, sempre a serviço de sua nobre alma, em troca de um simples olhar seu de aprovação, ou de um sorriso, ou de um gesto de confiança, ou de um suspiro de prazer que me conceda. Somos agora como o marinheiro e o oceano.

NOTA: Escrito e publicado originalmente no dia 08.03.2005 Dia Internacional da Mulher.

Crônica dedicada a Dona Estefânia, a Dona Tatá e a Dona Jaci (in memoriam). À Graça, à Fana, à Thi e à Júlia. À Vólia e à Jô. A Dona Célia e à Ana Sofia. Na pessoa delas, a todas as mulheres do Universo. 

  

quarta-feira, 6 de março de 2024

POESIA - Soneto Decassilábico Português


CAROLICE
Vianney Mesquita*

 

Onde Deus possui um templo, possuirá Satanás uma capela.

 

(ROBERT BURTON, acadêmico inglês, reitor da Universidade de Oxford. Leicestershire, 08.2.1577; Oxford, 25.01.1640).

 

Sobejam templos cheios, toda hora,
De gente se mostrando em piedade,
Falsa mesura, sem conformidade,
Mil sem-razões que a Bíblia desvigora.
 
Papa-hóstias, santinho desde a aurora,
Com véus e postas mãos, em veleidade,
Arrocha a Cruz com tanta intensidade,
Que a língua Jesus põe para fora.
 
É o vero beato, o santanário,
O qual recolhe a Hóstia do Sacrário
Somente via oral, pois há bitolas.  
 
Genuflexão constante é o corolário
A fim de logo o verem sectário
Dos tão rasteiros atos dos carolas.



 

terça-feira, 5 de março de 2024

ARTIGO - Estado Democrático e Linguagem (RMR)

 ESTADO DEMOCRÁTICO
E LINGUAGEM
Rui Martins Rodrigues*

 

Progresso deveria considerar três condições: o relacionamento do indivíduo consigo mesmo; com o outro e com a natureza. Sem isso é falácia. Aperfeiçoamento é factível quando dirigido a problemas específicos. Respeito às garantias do devido processo legal é realizável por tratar de um problema específico e por se tratar de conceitos bem definidos. O significado das palavras não deve ser nebuloso. Dizer que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, que o processo deve ser do tipo acusatório (quem investiga, quem acusa e quem julga devem ser pessoas diferentes) são problemas específicos e têm significado claro e são factíveis. 

A palavras de semântica elástica afastam a segurança jurídica. O Estado Democrático de Direito(s) EDD, todavia, tem como fundamento de validade princípios como “dignidade humana”, “justiça”, “igualdade”, “proporcionalidade”, “razoabilidade” e outros igualmente indeterminados. Alguns não são propriamente obscuros, mas têm múltiplos significados polêmicos. Muitos aderiram ao EDD sem antes examinar o significado dos conceitos invocados como seu fundamento de validade. 

A desigualdade 

Um exemplo de polissemia eivada de sentidos polêmicos é palavra igualdade. Pode ser igualdade de alguns em tudo, como no caso dos reis filósofos da obra de Platão. Ou igualdade de alguns em algo, como os direitos concedidos às gestantes, idosos e outros grupos específicos, cujo fundamento de validade é a vulnerabilidade ou alguma necessidade especial dos discriminados positivamente. Pode ser a igualdade de todos em tudo, das utopias; ou de todos em algo, como a obrigação de obedecer a lei. Estas distinções são de José D’Assunção Barros (1957 – vivo), na obra Igualdade e Diferença. 

Igualdade pode ser, ainda, considerada como (i) oportunidades iguais na linha de partida; ou como (ii) resultados iguais na linha de chegada, também utópica, o mesmo que igualdade de todos em tudo. Mas igualdade lembra desigualdade, que segundo D’Assunção Barros é a diferença injusta. Mas o que é injustiça? Olhos escuros ou azuis são diferença, não desigualdade. E rendas diferentes são desigualdade (injustiça)? Produtividade, satisfação de demanda no conjunto de oportunidades de troca, resolutividade, unilateralidade da resolução, escassez do serviço ofertado e tantos outros fatores deveriam ser examinados antes de se falar em injustiça (desigualdade). Mas quem fala em igualdade e desigualdade torna explícito o que pensa de tudo isso? Não. Então EDD invoca muitos conceitos elásticos, como (des)igualdade, que é uma ideia apresentada e aceita quase sempre sem ser devidamente examinada. 

O bem-estar universal 

O bem-estar universal agora promete mais do que a satisfação das “necessidades básicas”, objetivas e hierarquizadas, concebidas por Abraham H. Maslow (1908 – 1970). Trata de coisas como dignidade e até do “direito de ser”, embora este seja mais rigidamente limitado pela reserva do possível, o que o faz mais adequado às utopias. Serve bem a quem deseja reivindicar mais poder com o objetivo de atender “direitos”. Mas direito é norma declaratória, transformá-lo em garantia, que é norma assecuratória, é promessa de paraíso terrestre. O nome EDD pode enganar liberais que pensam nos direitos como norma declaratória ou simplesmente potestativas. Pode enganar conservadores, que podem pensar na preservação do direito consuetudinário, dos costumes chancelados pela tradição entendida como o que deu certo, diversamente do sentido assecuratório das garantias. Conservadores são atentos a reserva do possível que é negligenciado pelas promessas do EDD. Mas percebem isso? 

O EDD propõe a igualdade de todos em tudo, administrada pelo Leviatã, dirigido pelos herdeiros dos reis filósofos, que Thomas Sowell (1930 – vivo) nomeia como “ungidos”. Juízes que não são servos da lei, mas “operadores do Direito”, investidos da prerrogativa de fazer justiça transformando a norma abstrata em justiça concreta, operação denominada concreção. “Ungido” não é intérprete ao modo de estafeta, não transmite recado da lei: é “operador” que faz justiça. E o que é justiça? A justiça dos juízes, sem a representatividade do Legislativo, é o governo de homens, não de leis, conforme o Neoconstitucionalismo e a Nova Hermenêutica Constitucional. É algo destinto da democracia. A usurpação da função legislativa é semelhante a proposta de Vladimir Iliych Ulianov Lênin (1870 – 1924) na obra O que fazer? na qual os detentores do saber não precisam consultar a maioria. 

Outros apontam os vícios da democracia representativa, especialmente em nosso país, como os senões de voto proporcional; partidos que não passam de siglas sem correspondência com o significado. Agremiações políticas vivem dias difíceis em todo o mundo. A pós-modernidade dissolveu as narrativas ideológicas e modificou o papel dos partidos. Mas os parlamentos ainda têm alguma representatividade. Não representam bem os interesses do povo porque é difícil discernir a melhor solução de problemas técnicos ligados a coisas como matriz energética, previdenciária ou tributos. Mas no que concerne aos valores morais e aos interesses sentidos diretamente pelos eleitores, aí os parlamentos, o nosso Parlamento em particular, tem algum respeito pela vontade do povo. Prova disso é a migração das decisões que o povo não aceita, que são retiradas da esfera legislativa e deslocadas para o Judiciário. 

O EDD é um Estado de direitos, que deveria estar no plural, amparado em uma constituição total, mais abrangente do que aquelas das constituições sintéticas. As novas constituições são dirigentes e programáticas, dizem como tudo deve ser, não deixam nada para o legislador infraconstitucional do futuro, salvo a regulamentação e especificação do que diz a Carta política. Tudo regulamentado, tudo dirigido e enquadrado por conceitos elásticos que deixam enorme margem de discricionariedade nas mãos da autoridade judicante. O controle concentrado de constitucionalidade, potencializado com a “interpretação conforme”, enseja ao STF o poder de controlar tudo na República. 

Os ungidos 

Ungidos defendem suas teses com argumentos distintos em etapas diversas da dinâmica política. Na obra Os ungidos Thomas Sowell descreve a tática de propaganda, doutrinação ou catequese que o autor citado designa como padrão. Estágio 1 é a crise, quando os ungidos se propõem a eliminar os aspectos negativos dos fatos, que são ressaltados. Estágio 2: a solução, fase em que políticas públicas são apresentadas como aptas para solucionar a alegada crise. Estágio 3: As políticas são instituídas e fracassam. Estágio 4: os críticos das políticas fracassadas são acusados de simplistas que ignoram a complexidade dos problemas. Os objetivos iniciais das políticas públicas, que não foram alcançados, são substituídos por outros, dando lugar ao anúncio do sucesso obtido. Um programa apresentado como guerra à pobreza, na década de 1960, nos EUA, prometendo “erradicar” a condição guerreada, não tendo alcançado o objetivo inicial, passou a ter como finalidade “humanizar” a condição que antes deveria ser erradicada. 

A falta de conhecimento destes aspectos ensejou a hegemonia ideológica dos ungidos. Lemos em Oseas 4; 6: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim...”. O ópio dos intelectuais, título de obra de Raymond Aron (1905 – 1983), foi instilado nas escolas e universidades, promovido nas atividades culturais e exaltado nos meios de comunicação, sempre pelos ungidos, é semelhante à conduta dos sacerdotes rejeitados no texto do profeta citado.