REDUNDÂNCIAS E OUTRAS
NÓDOAS ESCURAS DE UM TEXTO
Vianney Mesquita*
Até o abuso das coisas
úteis é prejudicial. (Publílio Siro. Escritor sírio-latino. Y85 a.C- †43 a.C).
Em disputa com as deformações trazidas a um
texto por má pontuação, sinalização diacrítica imperfeita, desconveniências de
teor ortográfico, concordância e regência nominais e verbais – entre tão grande
número de delitos gramaticais e estilísticos – um dos mais comuns, e fonte in limine
de descrédito em relação ao seu autor, assenta na palavra/expressão sobejante,
a mui conhecida e amiudemente aplicada redundância.
Própria do escrevinhador despercebido de
predicados redacionais ou descuidoso no trato da mensagem linguística,
redundância significa, na escrita, nomeadamente literária, a descabida
insistência na apropriação de vocábulos e dições antecipadamente expressos ou
tacitamente sensíveis na oração, quer na significação inerente à própria
palavra ou mesmo em complemento equívoco e desnecessário a termos e manifestações
idiomáticas cujo sentido já se completara.
Colho os casos de sorriso nos lábios, belonave
de guerra e gato felino,
frequentemente divisados em vários media,
pois as três primeiras unidades do grupo exemplificativo já armazenam nos
próprios núcleos a ideação pretendida, sem a necessidade de reforço de
significação, ensejando, feiosa e equivocadamente, prejuízos à estesia textual
e agravos à lógica da escritura.
Em eventos do emprego de lágrimas nos olhos, sorriso nos lábios,
encarar de frente, sobrevivente vivo, jumento asinino, cadáver do defunto
morto, cachorro canino, pássaro alado, burro muar e tantos que se veem
repetidamente, é notória a míngua de trato do escrevente ou falante em relação
aos mais elementares conhecimentos do código lusitano.
Já em relação a belonave, há pouco
mencionada, complementada com de guerra
– por mim corrigida em tarefa de mestrado sobre a Primeira Guerra Mundial - não
é de se estranhar, pois unidade de ideia não conhecida pela maioria das
pessoas, de cuja procedência glotológica elas não têm conhecimento, ou seja, do
latim belli-, de bellum-i ‘guerra’,
‘combate’ , consoante são também alguns outros elementos vocabulares com
tal raiz insertos na linguagem erudita desde o século XVI, consoante anota Antônio Geraldo da
Cunha, no Dicionário etimológico Nova
Fronteira da língua portuguesa (2 ed. 1997). É, também, o caso de jumento asinino, pois não é consabido (se
eu escrever consabido por todos,
cometo redundância) o que significa esse adjetivo.
A respeito de sobrevivente vivo, por sua vez, me deu conta o Prof. Dr. Anchieta
Esmeraldo Barreto, ao ouvir de Leilane Neubarth, repórter da Rede Globo de
Televisão, noticiando, no mês passado (abril de 2015), a série de sinistros
sofridos pelo Nepal, principalmente, a capital Katmandu, ao passo que pássaro alado retirei de tradução
procedida por um estudante de doutorado em Física de uma seção do livro Leçons de Mécanique Céleste, de Henri
Poincaré.
Em adição a esses deslizes depreciativos
das formas de ideias expostas pela fala ou via letra culta, vêm, ainda, as chamadas
“expressões feitas”, como espalhou-se
como um rastilho de pólvora, o menino aprendeu a tabuada de cor e salteado (engraçado é
que jamais se diz ou escreve decorado e de salto, que é a mesma coisa). Todo violão tem de
ser plangente, o ladrão não pode ser indiferente e interesseiro, pois há de ser frio e calculista – sempre calculista – e a PETROBRÁS é como um barril
de pólvora, prestes a explodir,
sem falar que o Brasil é um país com dimensões continentais, um dos mais
conhecidos, usados e rebatidos clichês de todos os tempos.
Certa vez, pedi a um doutorando para
retirar a proposição nos quatro cantos do mundo (pois
este é redondo), bem como a noção de um mundo meio certo, meio errado
e meio louco (ou seja, uma Terra e meia, feita de três metades) e
também a frase [...] vários países espalhados pelo globo, como se pudessem
ficar amontoados.
Outros modismos são acrescidos a esses
sestros desabonadores da elocução grafada, como a “obrigatoriedade” de empregar,
muitas vezes e em TODOS os ensaios, pelo menos aqueles a mim entregues para
revista, a dicção diferentes isso,
diferentes aquilo, (“Vejo diferentes assuntos sob diferentes prismas em
diferentes ocasiões”) numa mania insuportável a fazer com que o consultor
impertinente desista da leitura bem antes de chegar ao cabo.
O derradeiro vezo a que ora me reporto é o
forçado, desabrido e absolutamente desnecessário – no máximo dos casos –
emprego de presente e presença, um
cacoete também inaturável a puxar para baixo qualquer ensaio que se pretenda
legível e decodificável, para não falar com maior demora na indefectível mania
da ferramenta, no lugar de meio,
expediente, intermédio, instrumento e tantas unidades vocabulares em registo na
opulenta sinonímia da Língua Portuguesa.
Deploravelmente, quase como em um censo, o
universo inteligente nacional, em particular o que “sustenta” a Universidade,
enche a escrita brasileira deste Aedes Aegypti
pertinaz nas águas do escrito literocientífico nacional, fazendo-o
hemorrágico, pois que lhe sangram, transpondo as redundâncias e impropriedades
de quaisquer laias, bobagens por todas as veias e capilares, mui diversamente
do que sucede, e.g., com o português
escrito na Pátria-Mãe, onde se respeitam os ditames da língua e se prima pela
correção, maiormente na contingência das academias.
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