sábado, 4 de julho de 2015

CRÔNICA (VM)


LUÍS CAMPOS, 
O VESTIBULANDO
E O  AFOGAMENTO
Vianney Mesquita*

O traço individual que se acrescenta às nossas feições e aos nossos gestos fere os indiferentes e cativa os que nos amam. FRIEDRICH HEBBEL (Poeta e teatrólogo alemão. *Wesselburen-Al., 18.03.1813-+Viena, 13.12.1863).

A Universidade Federal do Ceará constitui um dos múltiplos lugares onde atuou o professor, advogado, banqueiro, desportista, diretor educacional e político Luís de Queiroz Campos, meu amigo desde o começo dos ’70, quando adentrei, como estudante, a referida Academia.

Ali fui seu aluno, e depois colega por longos anos, havendo, ainda, trabalhado junto a ele como partícipe na Diretoria do Instituto Brasil-Estados Unidos – IBEU, onde, ainda hoje, contando noventa anos, exerce a Presidência, com raro descortino.

Em longa, espirituosa e autêntica entrevista concedida ao jornalista Gualter Jorge, no O Povo (Fortaleza) de 30 de abril de 2012, está gravada boa parte da História politica e econômica do nosso Estado, com o concurso do Professor Luís Campos, dos anos 1950 a 1970, a que o leitor pode recorrer por caminho eletrônico e cujo destaque assenta na inimizade com o senador Carlos Jereissati e no lapso como vice-prefeito de Fortaleza, ao tempo do general Murilo Borges.

Também o célebre escritor de Ponta de Lança  famoso comentário diuturno na Rádio Verdes Mares, quando esta pertencia aos Diários e Rádios Associados - tem como repositório de vida a dissertação para o Programa de Mestrado em História e Culturas, sustentada na Universidade Estadual do Ceará, intitulada A Cidade do Jornalista: da Fortaleza Representada nos Jornais à Administração da Capital por Luís Queiroz Campos (1954-1964). A peça é de autoria da jornalista e historiadora Roberta Kelly Santos Maia e foi orientada pelo Prof. Dr. Gleudson Passos Cardoso, no ano de 2013.

Ressai da personalidade plural de Luís Campos, vazada em seriedade, honestidade, competência, amizade fiel e múltiplos outros predicados, o veio hílare, pois há sempre uma piada, nova ou reciclada com discernimento, para contar em ocasiões oportunas. O condimento do chiste, com pouca ou muita pimenta, fica na dependência de quem esteja na roda da conversa, e a estória é realmente inventada, muita vez, na horinha em que sucedem os eventos, no mais atraente grau de comicidade, pois esta é, também, uma particularidade sua como ator burlesco.

Cerca de 1981, se não me engana a lembrança, trabalhávamos os dois, Luís Campos na fiscalização de uma prova de exame vestibular da U.F.C., como coordenador de todas as salas do prédio, e eu feito fiscal de uma das classes. Ele achou de anotar, desde as carteiras de identidade recolhidas, os aniversariantes do dia e depois saiu dando parabéns e distribuindo bombons.

Nesse tempo, a prova de Língua Portuguesa era baseada toda em um texto, prosa ou verso, do qual eram extraídas as questões e oferecidas cinco opções. O substrato do exame desse dia era o célebre soneto alexandrino machadiano (12 ictos), pleno de acepções morais e educativas, amplo de sentenciosas palavras, intitulado Círculo Vicioso.

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:/“Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela/ Que arde no etéreo azul, como uma eterna vela”./Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,/Que da grega coluna à gótica janela,/Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”./Mas a lua, fitando o sol com azedume:
Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela/Claridade imortal, que toda a luz resume”!/Mas o sol, inclinando a rútila capela:
“Pesa-me esta brilhante auréola de nume .../Enfara-me esta luz e desmedida umbela...Por que não nasci um simples vagalume?”

Luís Campos tinha ido à sala onde eu estava, tendo ficado à mesa, na qual o auxiliar da fiscalização recebia os gabaritos. Então, sussurrava fazendo perguntas ao candidato a respeito da prova, se havia se saído bem, se interpretara coerentemente o soneto de Machado de Assis, ao que o estudante, mais por fora do que Coração de Jesus, respondeu:

Ora, mole demais! Onde tinha “bailando”, botei “dançando”; onde tinha “loira”, botei “fogoió”; onde era “lume”, escrevi “fogo”; se tivesse “grego”, botava “galego”; se tinha “auréola”, escrevi a“roda”; e onde era “vagalume” botei “caga-fogo” e assim por vante. Vou tirar é dez!

Entre dezenas e dezenas, teve curso outra, ocorrida na sua fazenda, no Município de Canindé, onde fora resolver um assunto rápido com o motorista particular (Cosme, que trabalhou comigo na IBAP, do excepcional escritor Ary Jaime de Albuquerque). Conta L.C. que, no fim do verão, com o açudinho da “porta” – como se chama a aguada perto da casa grande – quase seco, só com a “panela” cheia (o leito fundo), eis que o Cosme, lá do alpendre, avista um garoto de uns seis anos se debatendo, indo ao fundo e voltando, na iminência de morrer afogado.

De paletó e gravata, pois iriam voltar para o expediente no B.N.H., Cosme correu e, mesmo todo indumentado, pulou e resgatou o menino, com o barrigão lotado da água barrenta e cheia de caparrosa. Deitou-o à beira d’água em decúbito dorsal e começou a respiração boca a boca. Quanto mais chupava, mais o fedelho lançava com força e para longe do leito o líquido sujo.

Com uns cinco ou mais minutos dessa arrumação, ouve-se uma exclamação de um dos moradores do sítio. Gritando, este irrompeu:

Dotô, tira os quarto desse moleque de dento d’água, senão o siô acaba de secá exe açude!


*João VIANNEY Campos de MESQUITA é Prof. Adjunto IV da UFC. Acadêmico Titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Escritor e jornalista. Árcade fundador da Arcádia Nova Palmaciana. Membro do Conselho Curador da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura-FCPC-UFC.

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