LUÍS CAMPOS,
O VESTIBULANDO
O VESTIBULANDO
E O AFOGAMENTO
Vianney Mesquita*
O traço individual que se acrescenta às nossas feições e
aos nossos gestos fere os indiferentes e cativa os que nos amam. FRIEDRICH HEBBEL (Poeta e
teatrólogo alemão. *Wesselburen-Al., 18.03.1813-+Viena, 13.12.1863).
A
Universidade Federal do Ceará constitui um dos múltiplos lugares onde atuou o
professor, advogado, banqueiro, desportista, diretor educacional e político
Luís de Queiroz Campos, meu amigo desde o começo dos ’70, quando adentrei, como
estudante, a referida Academia.
Ali
fui seu aluno, e depois colega por longos anos, havendo, ainda, trabalhado
junto a ele como partícipe na Diretoria do Instituto Brasil-Estados Unidos –
IBEU, onde, ainda hoje, contando noventa anos, exerce a Presidência, com raro
descortino.
Em
longa, espirituosa e autêntica entrevista concedida ao jornalista Gualter
Jorge, no O Povo (Fortaleza) de 30 de
abril de 2012, está gravada boa parte da História politica e econômica do nosso
Estado, com o concurso do Professor Luís Campos, dos anos 1950 a 1970, a que o
leitor pode recorrer por caminho eletrônico e cujo destaque assenta na
inimizade com o senador Carlos Jereissati e no lapso como vice-prefeito de Fortaleza, ao tempo do
general Murilo Borges.
Também
o célebre escritor de Ponta de Lança – famoso comentário diuturno na Rádio Verdes Mares, quando esta pertencia aos
Diários e Rádios Associados - tem como repositório de vida a dissertação para o
Programa de Mestrado em História e Culturas, sustentada na Universidade
Estadual do Ceará, intitulada A Cidade do
Jornalista: da Fortaleza Representada nos Jornais à Administração da
Capital por Luís Queiroz Campos (1954-1964). A peça é de autoria da jornalista
e historiadora Roberta Kelly Santos Maia e foi orientada pelo Prof. Dr. Gleudson
Passos Cardoso, no ano de 2013.
Ressai
da personalidade plural de Luís Campos, vazada em seriedade, honestidade,
competência, amizade fiel e múltiplos outros predicados, o veio hílare, pois há
sempre uma piada, nova ou reciclada com discernimento, para contar em ocasiões
oportunas. O condimento do chiste, com pouca ou muita pimenta, fica na
dependência de quem esteja na roda da conversa, e a estória é realmente
inventada, muita vez, na horinha em que sucedem os eventos, no mais atraente
grau de comicidade, pois esta é, também, uma particularidade sua como ator
burlesco.
Cerca
de 1981, se não me engana a lembrança, trabalhávamos os dois, Luís Campos na
fiscalização de uma prova de exame vestibular da U.F.C., como coordenador de
todas as salas do prédio, e eu feito fiscal de uma das classes. Ele achou de
anotar, desde as carteiras de identidade recolhidas, os aniversariantes do dia
e depois saiu dando parabéns e distribuindo bombons.
Nesse
tempo, a prova de Língua Portuguesa era baseada toda em um texto, prosa ou
verso, do qual eram extraídas as questões e oferecidas cinco opções. O
substrato do exame desse dia era o célebre soneto alexandrino machadiano (12
ictos), pleno de acepções morais e educativas, amplo de sentenciosas palavras,
intitulado Círculo Vicioso.
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:/“Quem me dera
que eu fosse aquela loura estrela/ Que arde no etéreo azul, como uma eterna
vela”./Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,/Que da grega
coluna à gótica janela,/Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”./Mas a
lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela/Claridade
imortal, que toda a luz resume”!/Mas o sol, inclinando a rútila capela:
“Pesa-me esta brilhante auréola de nume .../Enfara-me
esta luz e desmedida umbela...Por que não nasci um simples vagalume?”
Luís
Campos tinha ido à sala onde eu estava, tendo ficado à mesa, na qual o auxiliar
da fiscalização recebia os gabaritos. Então, sussurrava fazendo perguntas ao
candidato a respeito da prova, se havia se saído bem, se interpretara
coerentemente o soneto de Machado de Assis, ao que o estudante, mais por fora
do que Coração de Jesus, respondeu:
–
Ora, mole demais! Onde tinha “bailando”,
botei “dançando”; onde tinha “loira”, botei “fogoió”; onde era “lume”, escrevi
“fogo”; se tivesse “grego”, botava “galego”; se tinha “auréola”, escrevi a“roda”;
e onde era “vagalume” botei “caga-fogo” e assim por vante. Vou tirar é dez!
Entre
dezenas e dezenas, teve curso outra, ocorrida na sua fazenda, no Município de
Canindé, onde fora resolver um assunto rápido com o motorista particular
(Cosme, que trabalhou comigo na IBAP, do excepcional escritor Ary Jaime de
Albuquerque). Conta L.C. que, no fim do verão, com o açudinho da “porta” – como
se chama a aguada perto da casa grande – quase seco, só com a “panela” cheia (o
leito fundo), eis que o Cosme, lá do alpendre, avista um garoto de uns seis
anos se debatendo, indo ao fundo e voltando, na iminência de morrer afogado.
De
paletó e gravata, pois iriam voltar para o expediente no B.N.H., Cosme correu
e, mesmo todo indumentado, pulou e resgatou o menino, com o barrigão lotado da
água barrenta e cheia de caparrosa. Deitou-o à beira d’água em decúbito dorsal
e começou a respiração boca a boca. Quanto mais chupava, mais o fedelho lançava
com força e para longe do leito o líquido sujo.
Com
uns cinco ou mais minutos dessa arrumação, ouve-se uma exclamação de um dos
moradores do sítio. Gritando, este irrompeu:
Dotô, tira os quarto desse
moleque de dento d’água, senão o siô acaba de secá exe açude!
*João VIANNEY Campos de MESQUITA é Prof. Adjunto IV da UFC. Acadêmico Titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Escritor e jornalista. Árcade fundador da Arcádia Nova Palmaciana. Membro do Conselho Curador da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura-FCPC-UFC.
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