AS DIMENSÕES DA CRISE
Rui Martinho Rodrigues*
Avaliar as dimensões da crise exige
uma reflexão sobre o que seja e não seja tal coisa e onde ela se instala. O
dicionário do Houaiss refere-se a crise como "um momento de agravamento de
enfermidades, de definição de sua marcha evolutiva para cura ou para a morte;
manifestação aguda ou agravamento de um mal; súbito desequilíbrio; grave
desequilíbrio entre produção e consumo, com impacto sobre emprego, moeda e outros
fatores; transição de um período de prosperidade para outro de depressão;
momento histórico de indefinição, com riscos graves e iminentes". Os lugares em
que a crise se instala, tratando-se de Brasil, são as finanças, a economia real
e as instituições. Examinemos cada um destes canteiros onde as crises são
semeadas e os frutos colhidos.
As finanças apresentam um quadro
peculiar, em nosso País. As despesas públicas cresceram mais do que o PIB, ano
após ano, por um quarto de século, desde 1991. A arrecadação tributária também
cresceu mais do que a economia por um período quase tão dilatado de tempo. Isso
não assustou senão aqueles analistas que clamaram no deserto. O crescimento da
carga tributária, excedendo a variação positiva do PIB,
não poderia durar para sempre. Acabou. As despesas, porém, continuam crescendo.
Elas são rígidas. Estão amarradas em leis. Estão indexadas. Instalou-se um
desequilíbrio. Mas não foi de súbito, como seria típico das crises. A crônica
desta morte anunciada há muito estava prevista.
Temos, sim, uma crise financeira.
O ajuste do desequilíbrio fiscal
precisaria de reformas, mas não temos condições políticas para tanto, aspecto
que já passa para outro nicho: o da política. Outro traço das crises parece
ausente: o momento de definição da marcha evolutiva para cura ou para a morte.
O nosso caso, análogo ao da Argentina, parece inclinar-se mais pelas formas
crônicas, não para a cura ou para a morte. Faltam partidos, líderes, programas
e representação em geral.
Temos, sim, crise política.
A economia real se recente. Falta
investimento produtivo. Declina a produtividade. Temos escassez de recursos
humanos qualificados. A infraestrutura de transporte é péssima. Nada disso foi
veio de súbito. Mas a transição das vantagens obtidas com o aumento das
exportações de grãos e minérios; e com a estabilidade monetária do Plano Real
passaram. A capacidade de suportar o aumento da arrecadação tributária maior do
que o crescimento do PIB chegou ao fim. É a transição de um período de bonança
para o de vacas magras. A massa de salários também cresceu mais do que a
economia. A expansão do crédito ao consumidor, milagre do consumo sem renda, se
desfez.
As instituições, porém, resistem
bravamente. O Congresso, o Ministério Público e o Judiciário estão funcionando,
embora não sejam perfeitos. Aplicar a lei, seguindo os trâmites do devido
processo legal, não é crise. Tratar os poderosos como manda a lei não é crise.
Não temos crise institucional. Impeachment não é crise nem é golpe, nas
condições aludidas. Antes pelo contrário: pode ser a solução. É preciso superar
a crise política para que se possa implementar as soluções para a crise da
economia e das finanças.
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