O SANATÓRIO GERAL
Rui Martinho Rodrigues*
A desorientação da sociedade é
crescente. A pós-modernidade é relativista no plano cognitivo e no axiológico.
É lugar comum dizer que não existe verdade, sem distinguir entre verdade
lógica, objetiva, moral e ontológica. Alguns acrescentam o adjetivo “absoluta”,
como ornamento da frase. As imposturas denunciadas na obra de Alan Sokal e Jean
Bricmont, “Imposturas intelectuais”, deram uma aparência de razão ao
relativismo laxista.
A impostura faz da Física relativista
e da teoria quântica fatores de validação do relativismo. É o sofisma platônico
do mito da caverna. Consiste em desqualificar o senso comum, que muita vez é
bom senso, para intimidar a resistência da sociedade às teses mais absurdas. O
golpe funcionou. Tornamo-nos niilistas, hedonistas e desorientados.
Sem compromisso com a lógica,
amparados na impostura, adotamos o moralismo “politicamente correto”,
intolerante e conflitivo, em nome da tolerância e da paz. Acirram-se os
conflitos, desqualifica-se quem resiste aos “novos gestores da moral”, que
curiosamente, são relativistas, niilistas e hedonistas. O senso comum e a
experiência histórica são maliciosamente confundidos com preconceito, embora se
trate de juízo moral concernente ao que
se sabe o que seja. Registre-se que preconceito é um juízo de valor referido a
algo que não se conhece. Por isso é pre + conceito, por ser anteposto à
experiência.
Justifica-se a irresponsabilidade
enquanto se repudia a austeridade. A Grécia, seguindo a desorientação relativista,
gasta mal o dinheiro dos outros. Mas acha injusto pagar pelo desfrute. Lógica
pós-moderna ou “quântica”. Portugal, Espanha e Itália fizeram ajustes,
equilibraram as contas e estão crescendo.
Nós parecemos querer seguir a Grécia.
A cada dia acrescentamos gastos na conta da “Viúva”, sem o cuidado de
identificar a fonte das despesas. Valemo-nos de sofismas contábeis para afirmar
que as contas estão equilibradas. As nossas dívidas e despesas atuais
não decorrem de investimentos em estradas, indústria de base e hidrelétricas,
configurando despesas de capital. Agora são as despesas correntes que estão na
origem do desequilíbrio das contas públicas.
Adotam argumentos sequenciais,
fundados no bem-estar social prometido. Desprezam, porém, as formas
historicamente capazes de promover o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia, franqueando os seus benefícios a parcelas cada vez maiores da
sociedade; que reduziram o analfabetismo e a mortalidade infantil; maior tempo
médio de escolaridade; maior acesso aos bens e serviços, mais liberdades
individuais e mais garantias para as minorias. Estas contradições se “resolvem”
com a Física relativista. O fundamento de resultado não ampara, na experiência
histórica, as teorias do desfrute sem esforço e o sucesso pleno para todos.
Sem nenhum constrangimento em
contradizer-se, adotam-se uma legitimação baseada no imperativo categórico
kantiano, na qual o dever vale por si mesmo, independentemente das
consequências do seu cumprimento, mesmo sendo sequencialistas. A situação é
vista por Norberto Bobbio como perigosa, por engendrar uma demanda explosiva de
direitos, implodindo as instituições.
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