FELICIDADE ON-LINE
Assis Martins*
(Ilustração de Audifax Rios)
Eis os três
segredos da felicidade: não ver o mal, não ouvir o mal e não fazer o mal. (ANÔNIMO).
Santa e abençoada internet, mediante a qual alguns
amigos tentam, com insistência, me tornar o mais ditoso dos mortais. Esta
opinião decorre do bombardeio de mensagens otimistas que recebo diariamente de
prestimosos internautas, via correio eletrônico. Acho bacana ser lembrado, mas
os diletos amigos estão exagerando, enchendo a minha caixa de entrada e lotando
a paciência.
É otimismo de sobra, abarcando uma gama de assuntos: deu uma topada violenta? Não reclame, pois é sinal de que aos
poucos vai avançando;...se o cartão crédito estourou, não se apoquente, agora, no time dos
inadimplentes, você é o mais simpático; ...se a mulher fugiu com o vizinho, não se desespere, reze apenas
pelo pobre infeliz, e outras do mesmo teor.
Há, também, as cafonérrimas correntes religiosas, a
maioria me garantindo um lugar cativo no
Reino Celeste, e, com a exigência de mandá-las incontinenti para certo número
de vítimas, aliás, amigos, e receberei em troca um grande benefício, antes
mesmo do jornal das oito.
Não compro a ideia de que o pensamento positivo mude
qualquer situação, contudo, acredito que determinados fatos, em algumas
circunstâncias, influenciam e modificam o pensamento.
Um exemplo é o que me contou o Otávio, camarada
pródigo em arranjar mulheres e problemas. Inopinadamente, entrou numa fase
braba, desempregado, sem crédito e, para completar, exagerando na cachaça.
Ficou surpreso quando recebeu a intimação da Delegacia das Mulheres. De fato,
errou ao dar umas pancadas na Doca e achava que o episódio findara, quando ela
se mandou para a casa dos parentes, levando todos os seus trecos.
Sem tostão para o transporte, com o peso de todas
essas mazelas no juízo, Otávio botou os pés no caminho da delegacia. Ora, se na
lotação o percurso era feito em mais de uma hora, imagine quando chegaria lá,
mesmo acelerando o passo. A cabeça era um repositório de ideias desencontradas.
Outros agravantes: a avenida era uma longa linha
reta, sem desvios, o que às vezes distrai o cristão; a hora era imprópria para caminhadas,
com o sol já quase no meio da sua trajetória e, de sobra, a dolorida
impertinência de alguns calos, veteranos e novatos.
De longe ele avistou, na parada do ônibus, a mulher
com a criança nos braços e alguns embrulhos. Percebeu que algo caiu da sua
bolsa e o vento trazia esse algo ao seu encontro. Era uma nota de dez reais.
A mulher já estava atarantada sem encontrar o dinheiro, quem sabe, o único para o transporte e o alimento do filho.
A mulher já estava atarantada sem encontrar o dinheiro, quem sabe, o único para o transporte e o alimento do filho.
O tempo decorrido entre apanhar e devolver o dinheiro foi muito curto, porém, suficiente para operar uma transformação nos dois. Naquela hora, Otávio esqueceu o sufoco, a liseira, a longa jornada a pé sob o sol quente, os calos cada vez mais doloridos e o futuro incerto. A mulher mudou a fisionomia de aflição para uma face de resolução e esperança.
Lá se foi o Otávio ao encontro da bronca que levaria
da delegada, agora com uma leveza na consciência, como se seu ato já tivesse
purgado uma grande parte dos pecados.
Quem quiser ter uma grande alegria hoje, mande esta
crônica para dez amigos e...
*Assis Martins
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador.
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do
Ensino Superior pela Universidade Federal do Ceará
Ensino Superior pela Universidade Federal do Ceará
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