Rodger e o
pessoal do Ceará
Isabel Lustosa*
(Enviada por Wilson Ibiapina)
Faz quase 40 anos que vi pela
primeira vez um show de Teti e Rodger Rogério. Não devo ter visto muitos mas as
coisas que nos deixaram impressão no começo da vida marcam como se tivessem
acontecido de forma contínua e por um longo tempo. E quando a gente vai fazer
as contas vê que foi algo que se passou durante poucos meses, ou semanas, dias
ou até em um único instante.
Tenho vagas lembranças dos
shows deles que vi nos anos 1970. Na verdade, apesar de “Barco de cristal” não
ser a minha favorita, é a que mais claramente se fixou com uma aura de certa
magia, a partir do lugar da plateia em que eu vi cantando, lá no palco, a Teti,
pequenina, com sua basta cabeleira, uma fita amarrada na testa, vestido branco,
longo e rendado.
Era uma cantora e tanto. Nunca
esqueci de sua interpretação de “atiraste uma pedra no peito de quem só te fez
tanto bem”. Na verdade, só me interessei por essa música por causa daquela
interpretação da Teti. Tenho-a gravada pela Bethânia, mas sem faltar com a
verdade, as inflexões, paradas e mesmo a voz mais grave da Bethânia me fazem
sentir falta do tom mais sincero que tinha a interpretação da Teti.
Esta semana, meu filho, o
Chico, que passa férias em Fortaleza, foi a um show do Rodger. Por algum desses
fenômenos que nem todos os pais da minha geração tiveram a sorte de viver, eu e
Chico temos muitas afinidades culturais. De modo que a mala de long-plays que,
por algum tipo de fetiche, me acompanhava desde que vim do Ceará para o Rio,
encontrou finalmente uma utilidade que parecia descartada.
O fato surpreendente é que o
pessoal da geração dele resolveu que o bom é ouvir disco de vinil na vitrola.
Nada de CD (que, por sua vez já virou velharia), iPod ou alguma coisa nova que
inventaram e eu ainda não soube. Eles querem é vitrola de agulha tocando
long-play.
Aliás, isto este é um fenômeno
relativamente recente, pois quando o Chico tinha uns dez anos viu na minha estante
um disco compacto. Era o “Som do Pasquim”, que andava solto por aqui e eu achei
que já que era uma relíquia mesmo, cabia na decoração. Minha surpresa foi o
menino perguntar: “mãe, o que é isto?”. Quer dizer, em 1998, uma criança não
sabia mais o que era um compacto. Por isto também: viva a ressurreição do
vinil.
E um viva também para o fato
da turma que está hoje entre os 20 e os 30 querer ouvir Ednardo, Belchior,
Fagner e Fausto Nilo e querer ver um show do Rodger Rogério. E ver e adorar e
virar fã. Quarenta anos depois do lançamento do primeiro disco dele. O Chico já
tinha entrevistado o Fausto para um programa da Radio Universitária, quando estava
na faculdade.
Era fã do Ednardo, que
conheceu pessoalmente aqui no Rio, em um show da Mona Gadelha, há uns cinco
anos. Ficaram amigos e o Chico tem muito orgulho dessa amizade que se renova em
eventuais encontros e pelo Facebook. Agora chegou a vez de conhecer o Rodger
Rogério.
Afinidade maior não poderia
haver, pois o Rodger é físico, carreira que o Chico escolheu. O Rodger é de uma
geração de físicos boêmios, poetas e sonhadores que, ao lado da turma de perfil
parecido da arquitetura, fez da vida cultural da Fortaleza dos anos 1970/80,
algo de muito especial.
Além do Rodger, tinha o Dedé
Evangelista, seu parceiro (será que o Dedé ainda tem um filme em que eu e
Clelia aparecemos na flor dos nossos 18/20 anos? Eu ia gostar muito de me ver).
Tinha o Heliomar, que viveu um tempo no Rio, justamente o tempo em que aqui
cheguei e era, como se diz hoje, um querido. Tinha e tem porque ainda circula
neste meio o Flavio Torres. Este vi recentemente no natal do maior abandonado.
Invenção do Claudio Pereira, o
Natal do Maior Abandonado foi inspirado pelo fato que, nos dias 24 e 25 de
dezembro, fazem aniversário Antônio Carlos Campelo Costa e Ataliba Pinheiro,
dois integrantes da velha patota da Beira-mar dos gloriosos tempos do Bar do
Anísio.
Com o passar dos anos, o almoço,
que antigamente acontecia no restaurante do Náutico, acabou também servindo
como comemoração do aniversario do também saudoso Augusto Pontes, que nasceu em
30 de dezembro de 1935. E de Antonio Carlos Coelho, que é de 5 de janeiro. Nos
últimos tempos, a turma tem se reunido no Flórida Bar, o chamado Clube do Bode,
que fica na rua D. Joaquim, do lado da Livraria Livro Técnico, do Sergio Braga,
amigo de meu pranteado e nunca esquecido irmão, o jornalista Lustosa da Costa.
Este ano eu consegui ir ao
Natal do Maior Abandonado e ainda levei a tiracolo o Chico e seu primo,
Gabriel. Pena que, quando o Chico chegou, o Flávio Torres já tinha ido embora.
Teria conhecido mais um colega físico que tem outra afinidade com ele: o gosto
pelas viagens de aventura. Flávio já percorreu a América do Sul mais de uma vez
em sua motocicleta.
Chico não chegou a tanto, mas
nessas férias foi de bicicleta com uma turma de amigos de Fortaleza a
Jericoacoara. Percorrendo o litoral. Realizando o sonho de conhecer o Ceará que
ele ama tanto, apesar de ter nascido no Rio.
Daí que, das músicas que ouviu
no show do Rodger, a que não conhecia e mais gostou foi “Chão sagrado”.
Feita em homenagem ao grande
Paulo Vanzolini, ele também um cientista boêmio, zoólogo de renome
internacional e compositor popular, autor de clássicos como "Ronda", “Volta
por cima” e “Cuitelinho” (“Eu entrei no Mato Grosso/ Dei em terras paraguaia/
Lá tinha revolução/ Enfrentei fortes batáia, ai, ai”).
Conta a lenda que Rodger e
Belchior o conheceram em São Paulo, quando o Rodger concluía lá seu curso de
física. Descobriram que Vanzolini conhecia tudo do Nordeste, do Nordeste
profundo, e resolveram homenageá-lo com essa linda canção que diz:
“Você conhece o Nordeste/
palmilhou seu chão sagrado/ viu cascavel em coluna/ sol quente prá todo lado/
Você conhece o nordeste/ Morro branco e Quixadá/ palmilhou seu chão sagrado/
por isso pode falar/ Minha viola em peito/ canta e nunca desafina/ ela é que
sabe dos modos / da cantoria nordestina...”
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