segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

ARTIGO - A Malhação do Judas (RMR)


A MALHAÇÃO DO JUDAS
Rui Martinho Rodrigues*


A malhação do Judas denota a dinâmica de uma catarse presente na sociedade. A necessidade de odiar, de encontrar alguém em quem descarregar as insatisfações, dirigida ao boneco de pano, havido Judas, é menos perniciosa do que o linchamento. Uma mulher foi linchada, no litoral paulista, um exemplo entre tantos outros. Houve protestos louváveis, justos e oportunos.

O linchamento moral, porém, é praticado sem nenhum protesto. O pretexto é a condição de corrupta da pessoa linchada, analogamente aos linchamentos físicos, que apresentam como desculpa o fato do linchado ser ladrão ou estuprador.

O Brasil tem, na vida pública, o linchamento moral como prática recorrente. Não faltam defensores da violência assim praticada, vista como “ira santa”, “indignação cidadã”, “execração pública”. O eufemismo, porém, cede lugar ao protesto indignado quando existe afinidade ideológica com a pessoa execrada. Paulo Maluf, Collor, Delfim Neto e tantos outros deram plantão como Judas. Collor precisou sair do Brasil, porque não podia andar nas ruas de nenhuma cidade.

A “Geni” de plantão hoje é Eduardo Cunha. Pensando a respeito da escalação do Judas do momento, surgem indagações inevitáveis. Ele era presidente da Câmara quando recebeu pixuleco do petrolão? Não. Era presidente do partido? Não. Era presidente da República? Não. Era ministro de Minas e Energia a quem a Petrobras está subordinada? Não. Era presidente do Conselho Administrativo da Petrobras? Não. Era Chefe da Casa Civil? Não. Era presidente da Petrobras? Não. Nomeou o presidente da Petrobras? Não. Qual a importância dele? Era, ao tempo dos crimes que praticou no petrolão, um deputado havido como do “baixo clero”, de importância secundaríssima.

Conforme as informações obtidas em sede de colaboração premiada de réus da Lava-Jato, Eduardo Cunha integrou a organização criminosa que abalou a grande petroleira estatal. Cometeu crime, sim. Mas seria o chefe da organização? Não. Um deputadozinho do baixo clero não seria o capo de todos os capos. Seria integrante da cúpula da organização criminosa? Não. Desimportante, ao tempo dos crimes, não era cúpula. Teve papel decisivo na compra superfaturada da “ruivinha”, a refinaria comprada no EUA, assim chamada por ser enferrujada? Não.

O deputado só se tornou importante quando chegamos a um parlamentarismo de fato, causado pela falência política do Executivo. Tornou-se persona non grata ao Executivo muito depois dos crimes, por motivos alheios aos referidos delitos. A guerra entre ele e a Presidente da República deveu-se a disputa pela presidência da Câmara e a divergência no campo da moralidade sexual, quando o senhor Cunha passou a brandir bandeiras conservadoras.

Será esse o grave crime em que Macunaíma perdoa ladrões, mas não tolera a moral conservadora? 

Para parte dos linchadores, sim. Outros, porém, precisam de uma "Geni" como manobra para tirar o foco dos chefes da organização criminosa que devastou a Petrobras, os fundos de pensão e o Tesouro Nacional, hoje com um déficit de 120 bilhões de reais. Assim, um ladrãozinho pé de chinelo tornou-se o centro das atenções e o Brasil esqueceu o capo e sua malta.


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