terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ARTIGO - Crise e Democracia (AS)

CRISE E DEMOCRACIA
Arnaldo Santos*


Talvez não seja a democracia outra coisa senão os vícios de poucos postos no alcance de todos. (H. BECQUE, dramaturgo francês. Paris, 28.04.1837 – 12.05.1889).


Desde que se abateu sobre o Brasil essa hecatombe moral e ética, revelada pela Lava-jato, ensejando a crise político-econômica agravada no segundo semestre de 2015, uma das frases mais pronunciada pelos políticos, empresários e representantes do Judiciário, e publicada pela imprensa, foi – apesar de toda essa crise, as instituições estão funcionando.

Indago, então: – funcionando sim; mas de que forma? Tão importante quanto isto é como e em favor do que estão trabalhando! O fato de as instituições estarem vivas não traduz o real significado do que se espera delas, quando se experimenta um regime democrático.

Devemos atentar para o fato que o autoproclamado funcionamento” percorreu todo o ano passado, e, nem assim, foi capaz sequer de minimizar efeitos trágicos. Ao contrário, a situação crítica se agravou, e, em alguns episódios, a razão foi a maneira como se moveram. Resolver a crise – o que se espera das instituições, a julgar pelo que assistimos durante todo o ano de 2015 – parece impensável. 

Nas democracias verdadeiramente modernas, instituídas desde o século XVII, o que se exige das instituições (e assim é em todo mundo) é que funcionem de forma a superar as crises, sejam elas políticas, econômicas, éticas ou morais, como as que vivenciamos na atualidade. A sociedade aguarda de nossos institutos é que estes militem para devolver a ordem objetiva das coisas, a fim de o País ter a possibilidade de retomar o desenvolvimento e estabelecer soluções para os problemas econômicos e sociais.

Com origem nesse ponto, convido o leitor a fazer comigo uma rápida retrospectiva acerca do modo como atuaram as instituições públicas brasileiras, nesse período crítico, com foco na atuação do Legislativo e do Judiciário, visto que a origem das atuais circunstâncias é o governo.

Na Câmara Baixa, o que vimos foi uma guerra entre oposição e governo, com parlamentares se agredindo a socos, pontapés e cabeçadas, e cuja procedência então pautada foi a admissibilidade do pedido de impeachment da Presidente Dilma, em detrimento das reformas fiscal e previdenciária, e outros ajustes econômicos propostos pelo ex-ministro Joaquim Levy.

Ainda na Câmara dos Deputados, outro espetáculo não lisonjeiro, protagonizado por atores sem nenhum talento, foi encenado no palco da Comissão de Ética, com a troca do relator, agressões físicas, xingamentos e inúmeros adiamentos da votação do relatório que pede a cassação do deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa.

Mencionada personagem teve, ainda, o pedido de afastamento da Presidência da Mesa Diretora e do mandato, apresentado ao STF, pelo procurador da República Rodrigo Janot. No Senado, o funcionamento se limitou à sabatina e aprovação do nome do ministro Edson Fachin, para o STF, à votação de alguns vetos da Presidente da República e à reformulação de alguns projetos aprovados pela Câmara, que foi chamada de pauta-bomba.

Também na Casa Alta, a convulsão moral, além de escandalizar o País, foi inédita. Pela primeira vez na história um senador foi preso em pleno exercício do mandato, e apenas quando o período legislativo estava se encerrando, o processo foi instaurado na Comissão de Ética. (Delcidio Amaral, líder do governo, apesar de preso, continua senador).

Passemos agora a percorrer os amplos corredores de um moderno símbolo da arquitetura de Brasília, do outro lado da Praça dos Três Poderes, onde se localiza o clássico teatro do STF. Lá, o funcionamento quase se restringiu à encenação da peça Lava-jato, em seus cerca de 20 atos, roteirizados e produzidos pelo juiz Sergio Moro e dirigidos pelo ministro Theory Zavaski, responsável pela prisão de várias personagens importantes da política e da economia nacionais, dentre eles, além dos presidentes e diretores das maiores construtoras, e da Petrobrás, políticos, e até um banqueiro; ressalte-se que foi um espetáculo, nunca dantes encenado no País. 

Além da Lava-jato, outra ação do STF, que auferiu visão pública, foi a definição do rito que deve ser seguido pela Câmara durante o procedimento do impeachment. Em mais uma ação considerada como “judicialização da política”, o STF anulou a comissão paralela que fora ciada pelo deputado Eduardo Cunha, em conluio com as oposições por ele lideradas, como parte de sua ação contra a Presidente Dilma.


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