segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

ARTIGO - Cultura Formal e Autodidaxia (VM)


Rápidas Notações à Excepcional
Caligrafia de Aíla Sampaio
Vianney Mesquita*


Sê ávido por saber e saberás. [ISÓCRATES, retórico ateniense - 436 – 338 a. C ].


Liminarmente, me remeto ao título destas notas e, sem conceder ao leitor o lance de me repreender por uma aplicação defeituosa, cumpre proceder a uma referência ao entendimento polissêmico do vocábulo. De procedência grega, kalligraphia, as, tem o senso de boas letras, texto de qualidade, com elocução inventiva e estilo agradável e correto, em vez de meramente “letra bonita”, graficamente perfeita, como nos célebres Sete Cadernos de caligrafia vertical, por Francisco Furtado Mendes Vianna, Edições Melhoramentos, vigentes do começo do século XX até, salvante engano, os anos de 1970.

Reafirmo, constantemente, como bordão de um redondilho maior, e repito, qual num estribilho de ária religiosa, a noção de que só deve conduzir a palma aquele que a conquistou – Palmam qui meruit ferat – conforme a divisa da nossa Arcádia Nova Palmaciana.  Já se exprimia, no meu tempo de estudante secundarista, quando pratiquei caractere cursivo à Francisco Vianna, a conceição de o saber não se denotar por via de pressão osmótica, menos adentrar o raciocínio sob a mera comparência física, do pretendente ao conhecimento, a eventos de natureza cultural, científica e artística, ou onde quer que haja estesia em qualquer das seis artes.

Nas mais das vezes, a participação é descabida e a conquista sobra ética e deontologicamente defesa, lograda por meio de valimentos pessoais e importância socioeconômica do interessado, própria da óptica patrimonialista ainda vigente no Brasil desde a Colonização, a fim de aportar a silogeus e a circunstâncias prestigiosas especiais, desprovido do exigível atestado de valor.

Impende, em primeiro lugar, no decurso da normalidade existencial, a pessoa cumprir os curricula das escolas, acompanhá-los didaticamente, submetendo-se às avaliações ordinárias determinadas pelos organismos oficiais, a fim de auferir os conceitos acadêmicos (convém atentar para a noção de que acadêmico não é palavra unívoca, significativa apenas de ambiência universitária) – quer em estabelecimentos propedêuticos, secundários ou de formação superior - suficientes para se achegar a novos níveis de instrução formal, no estrito acompanhamento do estado d’arte dos conceitos que demanda receber.

É cediço, entretanto, o fato de muitas pessoas jamais terem experimentado a contingência de uma escola formal. Bastaram-se, entretanto, no exercício diuturno do autodidatismo, estudando sem orientação docente e desprovidos de estabelecimentos acadêmicos efetivos, de sorte a granjearem destaque absoluto na sociedade, em vários campos, como ocorreu, verbi gratia, com o nosso Machado de Assis e o escritor lusitano José Saramago, exemplos oferecidos, de caso pensado, para não sair do terreno das letras.  

Em razão, entretanto, de incontáveis conhecimentos transferidos pelas ciências e técnicas deixarem labilmente de viger, rendidos por outros mais proveitosos (muita vez, enganosamente) aos seres humanos, parece ideal adotar a instrução continuada, sob aperfeiçoamento perene, em persecução às circunstâncias d’arte e aos estados da questão, no concerto de programas stricto e lato sensu nas universidades e institutos de pesquisa, com vistas a conservar a atualização constante, para compensar as perdas, nomeadamente aquelas forçadas pela massificação, via indústria cultural, tão execrada por Theodor Wiesengrund Adorno e Marx Horkheimer, os maiores expoentes da Escola de Frankfurt, em suas principais vertentes de exame.

O expediente da autodidaxia, porém, é o aconselhável, desde que o consulente logre enxergar a axiologia do assunto sob exame, por meio de um suporte informacional - adotando-o, por consultar-lhe os interesses, ou o abandonando, porque nele não divisa nenhum proveito. Em todas as situações, aliás, é o meio recomendado, pois até o currículo escolar dos programas ordinários de ensino em todos os graus jamais alcança cobrir inteiramente o espectro de conhecimentos, com nuanças e peculiaridades, de modo a serem estritamente necessárias reflexões ancilares com o escopo de se aproximar, quanto mais melhor, da informação da qual se intenta dispor.

Quem não exercita o estudo regular, tampouco se adestra na leitura nem estimula a curiosice diletante e, por cima, ainda se arvora em ocupar lugares de mulheres e homens apercebidos de obtenções intelectuais de peso, se comporta indignamente e, não raro, está sujeito a incorrer em vexames, quando suceder, por exemplo, de ser necessário demonstrar o status de que é formalmente portador.

Esta reflexão, procedida repetidas vezes, libelo aos sodalícios recipiendários de congregados dessa marca, não cabe, no que de negativo, nas medidas de muitos literatos cearenses, alguns dos quais ainda de fora das academias e sociedades literárias, científicas e artísticas do Ceará.

É o caso, e.g., da escritora Aíla Maria Leite Sampaio, que alberga estas notas, pajem de invejável cultura formal em escolas de excelente padrão e partidária do preparo auxiliar por via da diuturna autodidaxia, sendo, ipso facto e por enorme merecimento, imortal titular da Cadeira 21 da Academia Cearense da Língua Portuguesa, competente operadora do batente professoral universitário, transitada pelos melhores programas acadêmicos em sentidos largo e estreito.

A Escritora caririense, autora de Desesperadamente Nua (1987) e Amálgama (2001), é contista da melhor felpa – casta bem difícil de operar, notadamente no que diz respeito à originalidade e às tramas rápidas - cronista de alteado valor, poetisa de veio distinto e fino lavor, original, ao ponto de alguém, como eu, que priva dos seus escritos reconhecê-la até num texto não assinado, tal exprime o seu estro regular e agradável, sem as simplicidades indigentes da elocução, tampouco os voos exagerados dos poetas albatrozes das estâncias cifradas e ilegíveis.

Da sua produção constante (não há escritor sem produto), ressai o texto ensaístico, decerto pelo fato de que, tendo por ofício ministrar conteúdos de Letras e teores de redação em Língua Portuguesa, necessita de incessante efetividade em relação aos feitos desses misteres, de modo a ter sido o ensaio literocientífico o gênero eleito para se adestrar à proporção do tempo.

Ocorreu de ser, então, este o jaez literário aproveitado para trazer ao lume sua Magnum opus, moto desenvolvido com esplendor n’Os Fantásticos Mistérios de Lygia, escrito básico da dissertação de mestrado, sustentada, suma cum laude, na Universidade Federal do Ceará. Publicado pela Expressão Gráfica e Editora – e acerca do qual pretendo ainda oportunamente fazer glosa – nele Aíla Sampaio perlustra a obra de Lygia Fagundes Telles, mormente no vigor dos motivos fantásticos que emolduram parte da produção da escritora e jurista paulistana, hoje com 92 anos (19 de abril de 1923).

A Autora, que também assina De Olhos Entreabertos (2012) e cujo patrono na Academia Cearense da Língua Portuguesa é o gramático José Marques da Cruz, tem produção multímoda, como já adiantei, e, conquanto tenha elegido o ensaio para tornear, pratica versos brancos maravilhosos e a crônica e o conto e o poema, num estilo alegre e faustoso sob o prisma de emprego da língua, sem descer ao vulgo nem se dissipar nos páramos do inexprimível, onde costuma se perder o leitor.

Seu produto de prima qualidade, de poetisa feliz, é exibido, sempre com novidades, suas e de outros autores, no blog http://literail.blogspot.com.br

Sem dúvida, será providência salutar o consulente lhe experimentar o acesso e comprovar a estesia dos expedientes informáticos emoldurando a magnificência dos seus escritos.



COMENTÁRIO:

Grande Vianney! Grata pela leitura!

Aíla Sampaio.


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