terça-feira, 26 de janeiro de 2016

CRÔNICA - A Família Avermelhada (AM)


A FAMÍLIA AVERMELHADA
Assis Martins*


O comunismo é coisa odiosa... mas o comunismo da riqueza e o do capital, combinados, não se mostram menos perigosos do que o comunismo da pobreza e do trabalho oprimidos. (STEPHEN GROVER CLEVELAND, vigésimo segundo presidente dos EEUU).


Passavam-se os anos 1960, logo após o golpe civil-militar, de sorte que a repressão corria solta. Apesar da dura vigilância, no entanto, em todos os setores da sociedade, sempre aparecia um esquerdista pronto para fazer a cabeça da corriola. E as palavras de ordem –  Go home yankees!, Abaixo a ditadura!, Fora, milicos! – teimavam em aparecer nos muros de Fortaleza.

Um desses descontentes aportou, levado não sei por quem, à sede do Conjunto Teatral Cearense, passando a integrar o elenco em diversas peças. Foi o Juvenal, comunista militante e vibrador, adepto do marxismo-leninismo e que aproveitava qualquer conversa para passar suas ideias contra o “imperialismo americano”.

Assim que se enturmou, o Juva começou a fazer a doutrinação da galera em demoradas conversas nos intervalos dos ensaios. Mais tarde, o papo era esticado para o bar do seu Lauro, onde o encarnadinho angariava alguns simpatizantes.
As coisas estavam seguindo um curso regular, com o Juvenal fazendo pontas e conseguindo mais seguidores, graças a sua facilidade de convencer. Foi, então, que apareceu o Guilherme, doido para desenvolver teatro e, para azar do Juva, ex-militar e ferrenho inimigo dos “enviados de Moscou”, conforme dizia.

O bar do seu Lauro, então, ficou sendo palco de grandes embates entre os dois. As reuniões, antes pacíficas, nas quais pontificava a eloquência do Juvenal, se transformaram numa rinha ideológica, algumas vezes descambando para as ofensas pessoais.

O pior aconteceu entre o segundo e o terceiro ato da peça Lágrimas de Mãe, da qual ambos eram apenas figurantes. O simples bate-boca foi crescendo e acabou numa séria briga que resultou em cenários rasgados, lâmpadas quebradas, fios espalhados e o público inquieto, sem entender tamanho estrupício. Depois do entrevero, porém, os dois sumiram e o Conjunto Teatral Cearense voltou para sua missão de fazer teatro apenas por diletantismo.

Quem diria que, naquele ambiente simples, haveria uma peleja de tão grande envergadura entre a linha de pensamento marxista-leninista e a instauração do regime político no Brasil!


OBS. O desenho é de Audífax Rios.


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