segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

CRÔNICA - O Pai (RV)

O PAI
Reginaldo Vasconcelos*

Perder pai é coisa banal e previsível. Grande parte dos adultos que conheço já são desfalcados dessa peça. Eu é que resisti até os 60 com pai vivo e ativo. Mas acabo de perder esse trunfo... e, como diria Drumond, como dói!

Meu pai era pai 24 horas. Levava menino pela mão aonde fosse, às vezes dentro do jipe pelos subúrbios e sertões, fiscalizando o comércio, às vezes por estradas carroçáveis em demanda das fazendas (e o mesmo fez com os netos).

Pela mão dele, aos três anos de idade, assisti ao arrombamento do Orós, e naquela mesma noite tormentosa, sujos de barro, voltamos de avião a Fortaleza, onde ficara todo o resto da família. Minha avó, mãe dele, o repreendeu pela aventura, enquanto minha mãe apenas ria.   

Se lhe fizessem raiva era um perigo. Ele pegava firme e batia com força. Mas de regra era doce e engraçado. Alto, para os padrões cearenses da época, vozeirudo, com jeito de “bichão”, como o classificou certa vez um operário, ele enfrentava qualquer um.

Fosse autoridade, que moralmente lhe batia continência, fosse o pistoleiro do Jaguaribe ao qual, viajando sozinho, deu carona em sua camionete Studbaker, e o criminoso a lonjuras tantas noite adentro comentou com reverência: “O Senhor é canhoto. O revolver está do lado esquerdo”.

Nos anos de chumbo o chefe da repartição o enviou a cidade sertaneja, encomendando pesados autos de infração contra os comerciantes com ficha de subversivos na Polícia Federal.

Foi, orientou a todos, regularizou tudo, não multou ninguém. De volta, cobrado pelo superior hierárquico, olhando nos olhos dele respondeu: “Doutor... o homem é o homem e o bicho e o bicho!”. Punido, afastado, voltou depois ao serviço por ordem direta e expressa da Presidência da República, segundo pleito de minha mãe à Primeira Dama Scila Médice.

Ninguém pôde com ele: nem as doenças, que se acumularam para vencê-lo, nem a morte, que o surpreendeu na madrugada. A médica da família foi ao apartamento do hospital, para lhe consultar sobre os incômodos que sentia, e ele respondeu: “O único problema é que eu esqueci de morrer”.



No meio da noite a enfermeira intensivista nos convocou para dizer, com os olhos rasos d’água, que ele morrera, mas que jamais vira na UTI um paciente tão vivaz, a agitar o ambiente. Elogiava uns, escrachava outros, ameaçou chamar seus advogados para processar o hospital.

E declamara Bocage para provocar os médicos: “Lia-se numa sepultura, da antiguidade afonsina: Aqui jaz quem não jazera se jazesse a medicina”. E, já no caixão, nem ali baixara a cabeça, como um El Cid de outros tempos. O pessoal da tanatus não conseguiu dobrar suas vértebras rígidas: o defunto tinha o queixo erguido, e o rosto levemente inclinado para a viúva amantíssima que o velava à direita.



Enfim, não vou mais poder encerrar assim a nominata dos meus discursos na Academia, a cujas solenidades ele sempre comparecia, ainda que em cadeira de rodas: “... meu pai e minha mãe aqui presentes”. Então, falei aos que foram ao pé do túmulo: 

Ayrtinho, para as colegas de trabalho; Ayrtão, para os amigos mais diletos; Ayrton Rico, para os moradores da fazenda; Coronel Ayrton, para os outros fazendeiros. Padrinho Ayrton, para os tantos afilhados que criou”. O que nós estamos aqui devolvendo à natureza é apenas um espectro do que ele foi de fato. Sua essência já atingiu outro nível da existência, onde certamente encontrou os ancestrais, os irmãos, os muitos amigos que já foram”.

E, enquanto fazia um bonito tempo de chuva, que ele adorava, Adriano, o outro filho acadêmico, recitou poema bíblico:

Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó, ao cheiro das águas, brotará e dará ramos como a planta (Jó 14:7-9).
  



NOTA:

Gratidão da família aos acadêmicos Paulo Ximenes, Arnaldo Santos, Vianney Mesquita, Humberto Ellery e Altino Farias, que espontaneamente disseram presente ao funeral, além de Antonino Carvalho, Rui Martinho Rodrigues e Maria Josefina, que estando em viagem o fizeram por mensagem.

Gratidão ainda pelas musicistas Lucile, Célia e Rejane Cortez, que embelezaram a missa fúnebre com voz, teclado e violino, esta última levando música até a campa.

Louvores ao celebrante, Padre José Dantas, benemérito das obras pias do bairro Jangurussu, que enlevou a todos com um sermão belíssimo e com a refinada voz de barítono aplicada aos cânticos da Igreja.


Comentários:

Meus sinceros pêsames a Sra. Estefânia, filhos e demais familiares.
Tive o imenso prazer de conhecer o Sr. Ayrton Vasconcelos, grande homem, decidido e esmerado em seus objetivos.

Que Deus o tenha em bom lugar, concedendo a toda família enlutada muita saúde e paz, ficando na eterna lembrança a firmeza e perseverança do Comandante Ayrton.

Amém.


Sinceramente, 


Betoven Rodrigues

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Amém meu amigo. Que Deus vos abençõe e vos guarde! Meus sentimentos mais uma vez a todos e vamos sempre lembrar de FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM! Fé, Esperança e principalmente Caridade!

Pe. Dantas

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Comentário:

Ayrton agora é luz!

Aluisio Gurgel

3 comentários:

  1. Amém meu amigo. Que Deus vos abençõe e vos guarde! Meus sentimentos mais uma vez a todos e vamos sempre lembrar de FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM! Fé, Esperança e principalmente Caridade!

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  2. Meus sinceros pêsames a Sra. Estefânia, filhos e demais familiares.
    Tive o imenso prazer de conhecer o Sr. Ayrton Vasconcelos, grande homem, decidido e esmerado em seus objetivos.
    Que Deus o tenha em bom lugar, concedendo a toda família enlutada muita saude e paz, ficando na eterna lembrança a firmeza e perseverança do Comandante Ayrton.
    Amém.
    Sinceramente,

    Betoven Rodrigues

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