sexta-feira, 19 de setembro de 2014

ARTIGO (CB)

OS CAMINHOS E DESCAMINHOS
DA TRANSPOSIÇÃO
Cássio Borges* 

O início da operação da transposição do Rio São Francisco ainda não tem data marcada, mas a gestão do projeto já é motivo de polêmica e controvérsia.



Na última reunião da Sociedade Cearense de  Geografia e História, da qual sou membro efetivo, solicitado pelo seu presidente, Vicente Alencar, fiz breve exposição sobre o meu mais recente livro “O Nó Górdio da Transposição”.

Iniciei  falando sobre o título do livro, dizendo  que a expressão “nó górdio” é uma lenda grega que significa dizer que problemas complexos podem ser resolvidos de forma simples e eficaz.   

É o caso, por exemplo,  do Projeto da Transposição de Vazões do Rio São Francisco, que, pelo Decreto  Presidencial nº 5995, de 19 de dezembro de 2006  (final do primeiro mandato do Presidente Lula da Silva),  dizia que a operacionalização da gestão da infraestrutura do Projeto de Integração do Rio São  Francisco-PISF caberia a uma das instituições vinculadas ao Ministério da Integração Nacional, DNOCS ou CODEVSF,  ou a uma entidade que seria especialmente criada para este fim.

Entretanto, os  tecnocratas de Brasília, nos quais se concentram atualmente as grandes decisões sobre o destino da  problemática hídrica nordestina, decidiram  entregar essa missão à CHESF  Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que gerou discussões naquela empresa terminando por aquela Companhia desistir dessa missão. 

Segundo soube, uma das razões seria  a complexa cobrança dos usuários  da água ao longo dos 700 quilômetros de canais (adutoras e canais principais),   sem falar nos canais terciários, secundários e quaternários.  Um problema complexo para ser encarado por qualquer organismo que venha a ser indicado para a  operadora daquele empreendimento que se pretende seja autossustentável. A meu ver, uma visão distorcida da real finalidade do mesmo, que é dar de beber a quem tem sede e evitar o êxodo rural em épocas de seca.

Os açudes do DNOCS, estes sim,  continuarão com a política socioeconômica de irrigação e do agronegócio, gerando emprego e renda em nossa Região, agora com o incremento de suas vazões regularizadas  graças à sinergia recebida do Projeto de Integração do Rio São Francisco. Ou seja, os técnicos do DNOCS não terão mais a preocupação de os açudes secarem, pois, nessa eventualidade, contarão com o suprimento da água vinda do mencionado projeto, para atender as necessidades básicas humanas e animais.
   
Após a frustrada tentativa da CHESF, já agora no final do segundo mandato do Ex-presidente Lula da Silva (outubro de 2010), os  tecnocratas de Brasília optaram  pela criação de uma nova entidade, desprezando, mais uma vez, as entidades vinculadas ao Ministério da Integração Nacional,  DNOCS e CODEVASF.  

Em 25.10.2010 escrevi um artigo publicado na imprensa do Ceará e de Pernambuco intitulado “O Nó Górdio da Transposição” no  qual eu dizia  que seria "uma insensatez a criação dessa entidade, já que existia o DNOCS,  com toda a sua centenária experiência, internacionalmente reconhecida e possuidor da maior e mais bem montada infraestrutura técnica, administrativa e operacional em toda a região nordestina”.

No artigo citado, apresentei fortes argumentos contrários ao pensamento segundo o qual  a “cobrança pelo uso da água” seria um eficiente instrumento de gestão da água em nossa região e que a nova entidade que seria criada somente funcionaria 40% o tempo, ficando 60% dos anos ociosa. Tão fortes foram as razões ali apresentadas que soubemos, por portas de travessa, que o ex-presidente Lula da Silva, no apagar do seu segundo mandato de governo, teria mandado reestudar este assunto, para uma posterior decisão.

Verdadeira ou não esta versão, o fato é que somente no final do Governo de Dilma Roussef foi editado o Decreto 8.204, de 14/034/2014,  “que dispõe sobre a transferência da gestão à CODEVASF  de todo o Programa de Integração do Rio São Francisco no Nordeste Setentrional”. No meu entendimento,  uma tentativa de extinguir o DNOCS,  sem que fosse preciso, como fez FHC,  editando a Medida Provisória  nº 1.795, de 01/01/1999, sentenciando a extinção sumária daquele Departamento.

Com base nos fatos acima, a tradicional e conceituada Sociedade Cearense de Geografia e História, no dia 28 de agosto último, enviou carta para o atual Ministro da Integração Nacional protestando contra a indicação da CODEVASF para ser a operadora do Projeto de Integração do Rio São Francisco, cujos trechos da transcrevo a seguir:

“Senhor Ministro, V.Exa., como cearense que é, sabe tanto quanto eu e os confrades da Sociedade Cearense de Geografia e História, o que tem representado o DNOCS para o desenvolvimento de nossa Região e, com mais ênfase para o Estado do Ceará. Portanto, consideramos um erro inominável entregar à CODEVSF o comando do referido projeto, empresa que nunca produziu nada, absolutamente nada, para o nosso Estado, tomando este como referência em relação aos demais Estados nordestinos”.

“E nossa decepção assoma não apenas pelo motivo acima, mas também em face da constatação de que a CODEVASF somente tem experiência em irrigação (uma das cinco atividades do DNOCS na região nordestina) no vale do Rio São Francisco, portanto em um rio perene que não tem necessidade de açudes. E além do mais, o DNOCS já é detentor de toda uma infraestrutura física, operacional e administrativa no Nordeste Setentrional, onde irá se localizar o mencionado Projeto de Integração do Rio São Francisco”.

“Em face do que acima foi exposto, qual o fundamento básico em que esse Ministério se esteia para indicar a CODEVASF como gestora desse complexo empreendimento? O que entende a CODEVASF de açudes se o órgão nunca construiu e nem operou nenhum?”

“Senhor Ministro,  só podemos concluir esta correspondência dizendo, a par de nossa indignação diante de fato tão absurdo, que o DNOCS  merece o máximo de respeito e admiração de todo o povo nordestino. Portanto, em nome dos que fazem a Sociedade Cearense de Geografia e História, vimos solicitar a V.Exa. para que seja revogado o mencionado decreto presidencial”.

O que têm a dizer e a fazer os parlamentares da bancada federal cearense diante de tamanho absurdo com consequências gravíssimas para o nosso Estado e para a nossa Região? 

* Cássio Borges
Jornalista e Engenheiro
Ex-Diretor do DNOCS
Membro da ACLJ
Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica de Pernambuco, com cursos de especialização em Hidrologia e recursos hídricos, pela Escola Nacional de Engenharia e Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro. É Membro Honorário da ACLJ.

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