sábado, 20 de setembro de 2014

CRÔNICA (AG)

O MORIBUNDO GALANTE
Aluísio Gurgel do Amaral Júnior*


Um homenzarrão que sobrava na cama. Era necessário acrescer uma banqueta com travesseiros para lhe apoiar os pés. A morte, coitada, provavelmente ainda não havia elaborado logística capaz de levar aquele gigante, daí a demora. Enquanto esperava a ceifa, de quando em quando Zé Tomé causava sobressaltos a um e a outro que estivesse incumbido da vigília.

O desfile de parentes, amigos e curiosos aumentava com o correr das horas. A casa diminuía e rareava o café, o bolo, a tapioca, o cuscuz, tudo porque Zé Tomé teimava em permanecer, para as alegrias de suas incansáveis esposa e filhas. "Gracinha, minha sobrinha, me desculpe, mas se o mano não se for até domingo, tenho que ir embora cuidar dos negócios em Tauá!". E ela assentia compreensiva.

Súbito barulho vindo do quarto e todos acorrem. Talvez o gigante finalmente se despeça. De fato, Zé Tomé não respirava bem e movimentava os braços vagarosamente. Suas mãos pareciam segurar algo com certo carinho. Suas sobrancelhas formaram dois arcos lindos, emoldurando os olhos fechados enquanto um ruído intenso prorrompeu de seu peito e... um gemido.

Todos se olharam interrogativos. "Será que morreu?", indagou uma voz vinda do fundo do quarto. E Zé Tomé, que permanecia de olhos fechados, franziu a testa e respondeu numa expiração profunda: "Morri não, fiz foi acordar!". A família em alívio. Na verdade o alívio foi geral, até o mano de Tauá se acalmou. 

Uma diarista cuidadora segura a mão do moribundo teimoso e diz que todos ficaram preocupados pelo fato dos gestos e do semblante em êxtase.

Em voz pausada, Zé Tomé relatou: "Eu estava sonhando com uma moça linda. O olhar dela era cativante. O rosto era angelical. Em determinado momento, ela se aproximou, pegou as minhas mãos e apaixonada me pediu um beijo..."

–  E o senhor deu, Seu Zé Tomé? – perguntou a diarista cuidadora, ao que ele respondeu galante:

– Naturalmente!.


*Aluísio Gurgel do Amaral Jr. 
Juiz de Direito, Professor, Músico, Escritor
Titular da Cadeira de nº 14 da ACLJ

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