domingo, 7 de setembro de 2014

CRÔNICA (AG)

A ESPERA...
Aluísio Gurgel do Amaral Junior*

Quando a noite caía, a luz amarelada do poste de madeira acendia e iluminava parcamente a esquina. Pouco tempo depois, o senhor Cavalcante "baixava as portas" da mercearia, como ele mesmo costumava dizer. Era então que a meninada se reunia à espera...

Uns brincavam de manjôu, outros jogavam bola, os mais aquinhoados passeavam em suas bicicletas... Enfim, a vida lúdica prosseguia eclodindo de todo em todo. Assim transcorria o tempo que conhecíamos como sendo "a espera!".

Enquanto esperávamos, as senhoras mais antigas da rua calmamente punham-se em rodas de conversas na calçada, normalmente defronte da casa de dona Dulcinéia, que as recebia em sua sapientíssima humildade.

Logo, Frederico começava a passear de mãos dadas com a Josete. Ambos altos, muito bem vestidos, levavam o namoro em caminhadas pela Rua Pero Coelho; seguiam até a avenida Dom Manoel e depois voltavam até a rua Rodrigues Júnior.

A espera era algo místico porque emoldurada pela beleza da noite calma daquela nossa rua calçamentada que ficou na memória. Alguém sempre acusava o fim da espera com o mesmo grito de guerra: "Lá vem ele, lá vem ele!".

Os que corriam paravam de correr, os que jogavam paravam de jogar, os que andavam de bicicleta estacionavam, e todos aguardávamos na esquina da mercearia, debaixo da luz amarelada do poste de madeira, enquanto ele vinha conduzindo sua placidez.

Parava o seu carinho, levantava a tampa e nos acercávamos. Era sempre assim. Uma espécie de combinação silenciosa. Então ele acendia a lamparina e em seguida retirava a calota central da bacia do carrinho para operar a mágica suprema.


Ele "pegava" a chama com os dois dedos da mão direita e a conduzia até a boca da calota central, onde "dava fogo" em três pavios; e num piscar de olhos apagava o fogo dos dedos estalando-os e sacolejando a mão vigorosamente.

Dali em diante, mesmerizados pela magia, testemunhávamos o nascimento dos primeiros fiapos que, aos poucos, se encorpavam para virar uma finíssima nuvem de algodão doce, que ele dobrava com a colher e nos entregava em um pedaço de papel.

*Aluísio Gurgel do Amaral Jr. 
Juiz de Direito, Professor, Músico, Escritor
Titular da Cadeira de nº 14 da ACLJ

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