terça-feira, 16 de setembro de 2014

CRÔNICA (WI)

BRASILEIROS QUE CONVERSARAM
COM SADDAM HUSSEIN EM BAGDÁ
Wilson Ibiapina*


Corria o ano de 1980 quando Toninho Drummond, diretor de jornalismo da Rede Globo em Brasília, teve a ideia de procurar o embaixador do Iraque no Brasil para conseguir uma entrevista com o  líder iraquiano. O argumento usado por Toninho foi fatal: se Saddam Hussein queria ser um líder do Terceiro Mundo, precisava dar prioridade a uma televisão do Terceiro Mundo. E provou por A mais B que a Globo tinha todas as condições técnicas para transmitir a palavra do presidente iraquiano instantaneamente no mundo inteiro, tanto quanto a ABC, a NBC ou a BBC.

Meses depois, Toninho, com o repórter Ricardo Pereira e o cinegrafista Benevides Neto, desembarcavam em Bagdá. O que parecia uma missão relâmpago, virou uma angustiante  e longa espera. Foram onze dias trancados no hotel. Temperatura na cidade era de 50 graus, verão brabo que não dava ânimo para nada. A entrevista saiu no décimo primeiro dia.

 A câmara, uma CP 16mm, pegava um rolo que  tinha 400 pés de filme, o que dava para uns 12 minutos de gravação. Ricardo Pereira, que hoje dirige a Globo em Portugal, lembra que a entrevista consumia tempo porque ele fazia a pergunta em inglês, o intérprete traduzia para o árabe, o Saddam respondia em árabe, o cara respondia em inglês. A cada 12 minutos, o cinegrafista tinha que mudar o filme, na frente de Saddam Hussein, cercado de segurança, de metralhadoras. O cinegrafista suava, fazia um calor danado. E ele tinha que enfiar a mão dentro de um saco preto e trocar o filme. Na terceira troca ele, nervoso, não conseguia colocar o filme. Foi uma eternidade a espera.

Finalmente, no dia  29 de junho de 1981, o Globo Revista exibe a entrevista exclusiva com Saddam Hussein, realizada  no palácio presidencial em Bagdá. O presidente do Iraque falou sobre a paz no Oriente Médio, as eleições em Israel e sobre as relações do seu país com o Brasil. Disse que os países árabes precisavam ter a bomba atômica para conseguir equilíbrio de forças com Israel, mas negou que estivessem construindo uma.

Em 1990, às vésperas do Iraque invadir o Kuwait, o deputado federal Marcelo Linhares chega a Bagdá com os jornalistas Rangel Cavalcante e Luiz Solano, a convite do governo de Hussein. Rangel conta que o clima tenso e os rigores da segurança prenunciavam a guerra. Depois de alguns dias visitando os principais pontos da histórica Bagdá, são levados para uma conversa com Saddam.

No aeroporto , já de saída para Frankfurt, de retorno ao Brasil, os três brasileiros se espantaram com o aparato bélico. Soldados com metralhadoras e fuzis, controlavam tudo e a todos. A bagagem, depois de revista no  check-in era colocada debaixo da asa do avião. Cada um abria a sua para uma revista final para só então ser levada para o porão do Jumbo.

Enquanto aguardavam a hora do embarque, um segurança começou a implicar com o deputado cearense Marcelo Linhares, tio da jornalista  Ana Felícia. Ele, com 1m80 de altura, elegantemente vestido, tinha porte europeu e deve ter despertado na cabeça do agente a suspeita de que podia ser  um espião. Tomaram-lhe o filme e as pilhas da máquina fotográfica. Foi revistado mais de três vezes e o passaporte dele passava de mão em mão.

Os policiais só falavam árabe, não dava para explicar que ali estava um convidado do governo. Foi aí que o jornalista  Luíz Solano resolveu acabar com aquele constrangimento, com toda aquela hostilidade. Rangel conta que ele acenou para um guarda, que parecia ser o chefe da segurança, e chamou-o para um canto. Abriu uma pasta, tirou um papel de um envelope e mostrou.  Pareceu um milagre. O tratamento mudou imediatamente. Os carrancudos seguranças passaram a sorrir e escoltaram os três ao avião, abrindo caminho, fazendo reverências, rendendo vassalagem.

As malas estavam no avião. Já a bordo, acomodados na primeira classe, bebendo um escocês,  Marcelo e Rangel resolvem, então saber o que diabo o Solano tinha naquele papel que exibira ao agente iraquiano. Solano, sem falar, repetiu o gesto. Meteu a mão na pasta e mostrou o milagroso papel. Era uma foto em que os três apareciam ao lado de Saddam que os recebera em palácio no dia anterior. O Rangel diz que nunca viu uma foto valer mais que mil e uma palavras.

Saddam foi o líder da grande revolução iraquiana, que tirou o povo da miséria, resgatou sua milenar  história, fez do Iraque um país moderno, nacionalizou o petróleo. Foi traído por Jorge Bush: “Sou Sadam Hussein Al-Majid, presidente do Iraque” e “Este tribunal é uma farsa de Bush, o criminoso, para ajudar sua campanha eleitoral".

O velho aliado dos Estados Unidos dos anos 80 foi enforcado no dia 30 de dezembro de 2006. Saddam Hussein não aceitou que cobrissem sua cabeça com um capuz. Antes do enforcamento leu a frase de lei islâmica: “Não há outro Deus senão Alá e Maomé é seu profeta”.

O Iraque nunca mais foi o mesmo.

*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ

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