O SENTIDO DA REALIDADE
Rui Martinho Rodrigues*
Anuncia-se o mensalão II, agora na
PETROBRAS. O primeiro terminou contraditoriamente entre condenação e elogios
aos envolvidos no ataque as instituições e ao erário. Os elogios agora parecem
significar a atitude de quem diz: “Faremos novamente, continuaremos fazendo
sempre, os nossos fins políticos justificam tudo, e o serviço que
[supostamente] prestamos à sociedade nos faz merecedores de recompensas
pecuniárias”.
Indagaria Isaiah Berlin: qual é o
sentido de tal realidade? Realismo político, simples corrupção, mistura de
corrupção com atentado às instituições republicanas – são as interpretações
postas.
Realismo político é interpretação leniente.
Não há realismo no solapamento das instituições; e na escolha consciente de
aliança com atores desqualificados. Mais grave: o alto preço pago na forma de
corrupção não inclui as reformas necessárias, seja no campo tributário, da
política industrial, no campo político institucional e tantos outros. O
argumento da governabilidade falece diante da paralisia do governo. Pratica-se
corrupção em nome de uma governabilidade que não se concretiza. Busca-se
confundir a opinião pública com o argumento do realismo político. Pratica-se,
ainda, autoengano e apego ao poder.
O sentido da realidade política
marcada pela corrupção não é matéria apenas de natureza moral, como sugere a
defesa orientada para desqualificar a fonte das denúncias como “moralismo”, ao
invés de afirmar a própria inocência. A natureza moral não é algo desprezível.
A banalização do mal é perniciosa. Dizer que “sempre foi assim” ou que “os outros
também fazem”, além de cínico, é falso. Sem querer parafrasear Churchill, nunca
tantos praticaram tanta corrupção, com tanta desenvoltura, em tão grande escala,
contra tantos. A ética da responsabilidade, própria da política de Estado, não
se confunde com a simples supressão da ética. Trata-se de um procedimento no
qual se definem os valores em colisão para estabelecer uma hierarquia entre
eles. Tal hierarquia deve ser bem fundamentada.
Não há ética da responsabilidade nem
ética alguma no sacrifício do erário e das instituições democráticas. Pior
ainda quando isso não serve de arrimo a nenhum outro valor supostamente em colisão
com a probidade administrativa e a defesa das instituições democráticas. A
alegada ética dos fins, fundada na certeza subjetiva de “ser do bem”, além de
denotar presunção, resulta na supressão da ética e na deformação moral de quem
a pratica. Não pode haver sociedade nem política sem ética. Não se trata de “moralismo”.
O “ismo” aí pode ser cinismo e oportunismo dos corruptos; e fanatismo dos
inocentes úteis.
O fator quantitativo guarda íntima
relação com o aspecto qualitativo. A corrupção generalizada, absoluta, guindada
a condição de doutrina partidária e de prática de governo degrada as
instituições, degenera os políticos, prejudica as empresas estatais, tão amadas
pelos seus agressores, além de ser social e economicamente funesta.
*Rui
Martinho Rodrigues
Professor
– Advogado
Historiador
- Cientista Político
Presidente
da ACLJ
Titular
de sua Cadeira de nº 10
Nenhum comentário:
Postar um comentário