EUTIMIA
Referência ao Escritor mais do que à Obra
Vianney Mesquita*
Referência ao Escritor mais do que à Obra
Vianney Mesquita*
Quem é que, temendo cair, se dispõe a tropeçar? (Francisco Gómez
de Quevedo y Villegas. Y Madrid, 14.09.1580; † Villanueva de
los Infantes, 08.09.1845).
Malgrado me
tenha reformado, há alguns anos e por tempo de serviço formal (emprego),
vejo-me de braços com mil afazeres, na informalidade, no cuidado com as
leituras e outras coisas do espírito, de maneira que, após mais de um ano de
publicado, somente agora pude me deliciar com ler Eutimia – o Segredo da Felicidade Essencial.
Decidi
perfilhar como bordão, em tudo aquilo que me é dado referir ou deixar de o fazer,
quando impraticável, o anexim de procedência helena – Sapateiro, não passe do calçado! – correspondente na língua do
Lacio à dicção Ne, sutor, ultra crepidam!
Na informação
extraída do Lello Universal – Dicionário
Enciclopédico Luso-Brasileiro (Porto, 1983:568), dita expressão, transposta
para o Latim, tem assento na obra História
Natural, 35-36, do naturalista romano Caio Plínio Segundo, o Antigo (79 d. C),
ao se reportar a um evento ocorrido com Apeles, o mais renomeado dos pintores
da Hélade.
Conforme a
letra basta da História, Apeles, nascido em Cólofão, Lídia, teve existência no
séc. IV a. C, vivendo na casa de Alexandre Magno, de quem reproduziu retrato.
Consoante retromencionada fonte librária, o Pintor se diferençou dos demais
pelas cores brilhantes das figuras.
Apeles
era muito severo consigo mesmo; aceitava sem se ofender qualquer crítica e até
a provocava. Dizem que expunha seus quadros ao público, escondido atrás da
tela, para ouvir as reflexões de cada qual. Certo dia, um sapateiro achou o que
criticar na sandália de uma das figuras, representadas no quadro, e logo Apeles
corrigiu o defeito. No dia seguinte, o mesmo sapateiro entendeu que podia
criticar igualmente outras partes do quadro, mas Apeles saiu do seu esconderijo
e disse: Não vá o sapateiro além da
chinela. IDEM, IBIDEM).
Eis que, então,
acedo de imediato ao aconselhamento do Artista, referido por Plínio, o Antigo,
pois não é cometido a quem não conhece enunciar opiniões em ultrapassagem aos
chinelos do sapateiro apelesano. Assim acontece porque conceitos deste modo
emitidos, sem substrato na verdade, recorrentemente, conduzem o leitor a
penetrar a falácia e reproduzi-la por via da imensa força propagadora da
comunicação massiva, exatamente em razão do despropósito do comunicador na
transferência de mensagens de cujo teor não guarda certeza.
Tal não intenta
exprimir, porém, a ideia de que não haja lido e compreendido o conteúdo de Eutimia, absolutamente bem refletido
pelo intelectual coestaduano Reginaldo Vasconcelos, senhor da facilidade de
arrumar as palavras em todas as suas classes gramaticais e arranjos elocutórios
e de quem sou admirante desde a primeira vista d’olhos sobre um texto seu.
Consoante muito
apropriadamente descreve o Dr. Arnaldo Santos, no antelóquio à Eutimia (Fortaleza: RDS Editora, 2013), o sentido de circunstância feliz da
pessoa como destino da vida; a situação do ser humano e seus recontros; a
realidade transcendental, considerando-se a relação das compreensões da
atividade científica em seus decursos físico-químicos; bem assim a certeza da
onipresença do Criador, configurado da Trindade Santíssima – entre outros temas
saudáveis – constituem parte das abordagens do Autor de O passado não passa, agora também sob intelecções filosóficas
acertadas e consistentes, a julgar pela clareza lógica com que explana suas
certezas, postado eu na condição de imperito temático.
De acordo com o
expresso nas obras lexicográficas de referência da Língua Portuguesa – e conforme
o livro do Dr. Reginaldo ensina – em leitura livre, eutimia denota a exata tranquilidade espiritual, a sereníssima
felicidade, malgrado as intercorrências naturais da existência, como, num exemplo
meu, o advento inexorável da morte. Muitas vezes em situações vexatórias, estas
fazem balançar o edifício eutímico, i.é, o endereço da pessoa feliz, conquanto,
passada a borrasca, se retorne – após o lapso do nojo, o decurso penoso do luto – à circunstância de experimentação do bem-estar e da ventura.
O étimo desse
vocábulo é do grego euthumia/as =
coragem, alegria, de eu = bom, bem + thumós/oú = sopro, princípio vital,
alma, vida, ânimo. Seu inaugural registro em livro de referência sucedeu em
1836, com a grafia euthimia, conforme
demarcam os lexicólogos Antônio Houaiss e Mauro de Sales Villar, no Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2001).
Consoante se
depreende da doutrina de Reginaldo Vasconcelos, quando cuida, entre outras
ideias e com outras palavras, de Fé, Paz, Morte e Condição ideal, a noção
científica de eutimia está inserta na
Ciência Psicológica e na Psiquiatria Médica, como limite de equilíbrio entre a distimia (humor perenemente baixo e sua
feição mais intensa, a depressão maior), como da hipotonia, a qual denota a disposição de espírito constantemente
elevada, com seu perfil mais intensivo – a mania.
Constitui, por
conseguinte, noutra interpretação conotativa, o objetivo da terapia das
desordens de humor, como ciclotimia (ou psicose maníaco-depressiva) e
transtorno bipolar, psicopatologias de cuidado da Psiquiatria Médica e da
Psicologia Clínica, cujos limites – onde termina um destes saberes e começa o
outro - não é simples estabelecer e até mesmo resta inviável precisar.
Aportadas às
sandálias do Pintor, estou dispensado de prosperar com maiores comentários, em
decorrência das razões há pouco manifestas, muito embora se expresse clara a
ideia de que qualquer bom decodificador de escritos deste mérito pode adentrar
com sucesso o assunto, louvado nos argumentos consentâneos do Autor e dos
ensinamentos por este expendidos, porém fora dos domínios de seus consulentes,
em especial dos jejunos (como eu) em relação ao assunto, sendo-lhes interdito
deitar cátedra, até que se aprontem convenientemente para tal.
Desta maneira –
mesmo para não subtrair dos leitores o tempero da novidade trazida por Eutimia - me eximo de prosseguir com
notas relativas à minha descodificação do teor do volume, porém devo esposar o
fato de que sou admirador do escritor Reginaldo Vasconcelos, pela facilidade de
muito bem se expressar, quer em língua prosa ou noutros expedientes artísticos
– como a poesia e a pintura, por exemplo – porquanto para isso se prontificou
nos desvãos da procura do saber, de custosíssima apreensão – e disto só têm
certeza aqueles que sabem.
Efetivamente, o
considero pessoa eclética, haja vista a variedade argumentativa coberta por
suas apreciadíssimas crônicas, poemas, artigos, ensaios e outros gêneros de
expressão literoartística, onde se demonstra o analista percuciente, o cronista
romântico, o poeta eutímico, o epistológrafo atilado, interessante e alegre.
Tal sucede até mesmo nos correios eletrônicos endereçados aos seus pares, quando
sugiro, quase sempre, transformá-los em escritos para socialização pelos meios
de propagação coletiva, de alteada axiologia no modo como resultam, ao ponto de
não deverem ir para a sarjeta e posterior recolha como cisco indigno, descarte
desprezível, rejeito inservível, pois, no meu sentir, aproveitáveis como
material literário de prima essência e deleite de quem aprecia composições de
significados tão singulares.
Tomo tento,
ainda, em deixar de ir avante, não apenas em obediência à parêmia romana de que
cuidei no começo destas notas, mas também, como revelado há pouco, para não
subtrair do público ledor em potencial o hors
d’oeuvre, o prato de entrada,
precedente do repasto principal, configurado no exame do recheio de Eutimia, mesmo ao esposar juízos de pessoa
laica nesse sub-ramo do saber ordenado.
Determinam-me,
por conseguinte, a responsabilidade e a ética de comunicador deva transmitir o
sentimento veraz de que o autor do volume sob relação é um escrevinhador
fecundo e facundo, conhecedor dos recursos estilísticos da Língua Portuguesa e
de sua gramática, com larguíssimos haveres morais e faculdades intelectivas,
habilidades a lhe permitirem versar, e.g.,
sobre matéria de sublime elevação, como ocorre ser esta repassada em Eutimia – o Segredo da Felicidade Essencial.
Isto porque foi
transitado por excelentes escolas formais, bem assim pelas ensinanças dos
exercícios prescritos na vida diária, do que se aproveita para conceder aos
seus textos os requisitos da certeza e da estesia composicionais, que
sequestram o consultante do início ao termo das suas produções.
É, sem dúvida, para
mim, um regozijo poder expressar contentamento por privar da presença, em
cátedra de sodalício, de pessoa de tal modo agraciada pelo Alto, que, ao jeito
de Camões, cantando, espalha por toda
parte, se a tanto o ajudam engenho e arte.
*Vianney Mesquita
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