AUTORITARISMO LIBERTÁRIO
Reginaldo Vasconcelos*
Vou fazer deste país uma democracia, e quem for contra eu prendo e
arrebento! (General de Brigada João
Baptista de Oliveira Figueiredo – Presidente do Brasil de
1979 a 1985 – Y1918 †1999).
A improvisada república presidencialista do Brasil ainda
tem muito a aprender com a democracia americana – esta é a verdade. Depois de golpe
militar contra a Monarquia, resolvemos imitar o Tio Sam, mas nunca conseguimos
fazê-lo direito. A começar pelo voto obrigatório, instituto que representa um contrassenso
inominável: obrigar a pessoa a exercer seu livre direito de opção. Faz sentido?
Parece gag criada para as chanchadas da Atlântida, estreladas por Oscarito e
Grande Otelo.
Aí os gênios da intelligentsia
nacional alegam que quem não quiser votar em ninguém pode votar em branco ou
nulo – mas, compulsoriamente, tem que fazer de contas que está exercendo o seu
livre direito de escolher. Isso lembra a criança obrigada pela mãe a usar
talher, que passa a apanhar o alimento com a mão e colocar na colher. Ou aquele texto de humor sobre um veneno de barata que recomenda
pegar o bicho e colocar o produto em sua boca.
Agora temos essa loucura de entender que as mais amplas
liberdades civis e o livre direito de expressão somente se aplicam sob certos
preceitos da moral vigente nas ideologias modernosas. Assim, todo brasileiro
fica constrangido a apreciar o que a opinião pública lhe impõe, o que a mídia
quer, o que as patrulhas ideológicas lhe impingem, bem como compelido a repelir
e espancar qualquer coisa que o senso comum tenha proscrito.
Desse modo, o cidadão tem que calar sobre suas preferências
pessoais, seus gostos, seu ideário, suas
simpatias, suas crenças, sua profissão religiosa, quando essas tendências dissintam da maioria, sob pena de ser tachado de
politicamente incorreto – machista, racista, chauvinista, elitista, portador
dessa ou daquela fobia – e fobia indica doença psíquica, que impende constatação médica, e não pode ser intuída pelo vulgo, nem assacada pela mídia, nem punida pela lei.
Essa caça às bruxas sob acusação de preconceito chega às
raias do absurdo. Pretende-se fazer entender que a homossexualidade não é
defeito e que a negritude não denigre ninguém – o que até aqui faz todo o sentido.
Entretanto, contraditoriamente, chamar um afrodescendente de negro, ou
perguntar a alguém se por acaso ele é gay pode ofender profundamente, causar
uma comoção social, ocasionar um processo penal por grave crime contra a honra.
Ora bolas!
Numa luta de boxe entre um negro e um branco a que assisto
na TV, por exemplo, o locutor faz uma imensa ginástica para identificar os lutadores,
citando a cor das luvas e do calção da cada um, apenas para não dizer que o de
pele branca é o fulano, e o de pele negra é o beltrano. Isso nada mais é do que o odiento "branqueamento social", que é racismos às avessas, em última análise.
De outra feita, a Polícia Federal foi publicamente
reprochada pela mídia, acusada de discriminação por uma pretensa vítima, que se
dizia humilhada e ofendida, porque o sistema de computação da repartição
recomendou – como faz a qualquer cabeludo despenteado – que a moça negra prendesse
o cabelo black power, para
privilegiar a clareza de sua fisionomia no retrato do seu passaporte. Racismo?
Que despautério!
Outro caso de “corretismo político” desvairado eu mesmo vivi
um dia desses, quando quis auxiliar uma jovem “engajada social” a levantar um
objeto pesado. Ela rejeitou enfaticamente a minha ajuda, e me classificou como
machista. Então tá. Para não parecer machista não cedo mais a cadeira nem abro
mais a porta para as mulheres que encontrar, e vou tratar as beldades, e até as
delicadas misses, como se fossem catraieiros.
Ora, não se pode injuriar ou maltratar ninguém, por razão
nenhuma, com mais veras se o faz em função de sua raça, o que qualifica e
portanto agrava esse delito. Por outro lado, não se pode discriminar uma etnia
qualquer, prejudicando os seus indivíduos, lhes expondo a humilhações, proibindo-os
coletivamente de exercer os seus direitos civis – essas são as duas únicas formas de
racismo, segundo a Constituição e a Lei Penal.
Porém, verbi gratia,
é lícito ao negro preferir casar com branca, ao árabe evitar judeus, ao
ocidental só contratar japoneses, ao gajão desprezar ciganos, ao heterossexual
ignorar os gays, e vice-versa, por razões de foro íntimo. É o direito inalienável
de cada um sentir, preferir, se conduzir e se relacionar como bem lhe aprouver –
e querer interferir nisso, na veleidade de forçar alguém a direcionar seus
afetos e conter suas aversões de acordo com a vontade alheia, é tão grave
quanto escravizar pessoas ou censurar a imprensa livre.
Desde que sem invadir a esfera jurídica de outrem, ou
prejudicar a sua trajetória pessoal, ou agredir alguém, física ou moralmente,
ninguém está obrigado a gostar, ou ser proibido de desgostar, disso ou daquilo, desse ou daquele, como
pretendem os devaneios “politicamente corretos” dos patrulheiros de plantão.
Esse é um tiro que sempre sai pela culatra.
Dois casos recentes, que abaixo refiro, demonstram que
reagir com pruridos fátuos de racismo e com as suscetibilidades artificiais das
minorias, ou com gestões autoritárias
contra a livre manifestação da personalidade e a liberdade de expressão,
somente reprime forças incontroláveis, exacerbando os resultados.
O goleiro Aranha resolveu criar um caso de racismo porque a
torcida do time contrário, das arquibancadas atrás de suas traves, o chamava de
macaco (diversos negros entre eles), quando se tinha apenas uma “catimba”
desportiva para desestabilizá-lo emocionalmente – até porque macaco é um bicho
simpático que não afeta a negritude. Era somente uma maneira de tentar irritar
o jogador, que caiu na armadilha.
Bastava ao Aranha ter pedido ao árbitro que acionasse a
polícia para remover os torcedores agressivos, que o estavam atrapalhando – conforme a sensata opinião do Pelé sobre o episódio, prontamente rechaçada pelos donos da verdade. Resultado: Nos jogos seguintes passaram
a chamar o Aranha de burro, de porco, de fedorento, de idiota, e agora ele não pode mais acusar
ninguém de preconceito racial. Burrice pura!
No segundo caso, o Governador do Ceará pediu e obteve que a
Justiça estadual proibisse a circulação nacional da última edição de uma das principais
revistas do País, que trazia uma notícia que o desabonava, insinuando ser ele
partícipe do esquema de corrupção na Petrobrás. Cid Gomes preferiu afrontar a
liberdade de imprensa, censurando a revista, em vez de pedir apenas o direito de resposta, e talvez a
devida indenização por danos morais, como faria um americano.
O resultado foi prosaico. O fato teve repercussão
descomunal, com destaque nos maiores órgãos de imprensa e nos jornais da TV que
vão ao ar no horário nobre, em rede nacional, de modo que todo o país passou a
conhecer a denúncia, para muito além dos leitores regulares da publicação censurada, enquanto adversários políticos do Governador, os blogs e
os tabloides de fofocas divulgaram fotos em que ele aparece ao lado do corrupto
preso, que alegou nem conhecer. Pura macaquice.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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