domingo, 21 de dezembro de 2014

PROSA POÉTICA (PX)

DOCES LEMBRANÇAS

Paulo Ximenes*

Tão calma aquela rua.
Rua? Beco largo. Pavimentado.
Não passava bonde, não passava carro.
Passava nada.
Só os vendedores de peixe,
de fígado gordo e
de cuscuz paulista.
As amendoeiras-da-praia
arqueavam-se soberbas
sobre os ladrilhos das calçadas
e os regavam com as suas sombras frescas.
Os passarinhos pendiam dos galhos
e vinham trotear no chão.
Via-se até a linha do mar
com a cor plúmbea dos seus navios,
ponteando o horizonte,
do meio do calçamento...
Tão doces eram aquelas seriguelas
vermelhas de novembro,
suculentas, enormes,
 – o tesouro do quintal!
Meio dia.
Almoço manso.
Meu pai trazia frutas e batida
da Serra Grande.
A criadagem se avexava
no serviço.
Cabia à minha mãe conclamar:
“O almoço está na mesa!”
Todos tomavam assento.
Camisas abotoadas,
cabelos penteados,
mãos limpas.
"Havia um sino para chamar a copeira".
Saciada a fome, vinha a cesta. E aí, 
tremeluziam os meus diamantes maiores:

A rede branca do meu pai
e o terço azul da minha mãe...

Meu pai deitado, os cabelos brancos,
semi-ondulados,
aos ventos da varanda, e 
ao alcance das mãos santas
da minha mãe,
delicioso cafuné,
compactuado com um terço
rezado em sussurro...
A rede e o terço.
O terço e a rede. 
Tão pertinhos um do outro,
que ainda hoje
não consigo vê-los separados.

(Do livro Anotações de um ex-Sócio do Náutico)

*Paulo Ximenes
Cronista e Poeta
Titular da Cadeira de nº 12 da ACLJ

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