BELEZA E FORMA INUSITADAS
NOS VERSOS DO CONTERRÂNEO
JOSÉ REBOUÇAS MACAMBIRA,
MEU PATRONO NA ACADEMIA
(Última Parte)
Vianney Mesquita*
Um soneto impecável vale, sozinho,
um grande poema. (Nicholas Boileau Despréaux, crítico literário e poeta. *Paris, 01.11.1636;
13.03.1711).
José Fernandes Sampaio, o Zé Sampaio
Privava, então, da amizade do conterrâneo José Fernandes
Sampaio, o Zé Sampaio, farmacêutico prático, amanuense, funcionário da Prefeitura e companheiro de
pescaria no açude São José, que, apesar de ter aprendido apenas na autodidaxia
da vida e em leituras esparsas, gostava, também, de versos.
Zé Sampaio - filho do Sr. Virgílio e sobrinho do Sr. Mechico e
do Padre Gumercindo Sampaio - antegozava a pretensa publicação de certo livro,
ao me fazer acreditar que este estava pronto de há muito, sem, no entanto,
jamais mostrar seus teores. O fato é que, uma vez, fui à sua residência, no
Henrique Jorge, já aqui em Fortaleza, e eis que ele me mostrou uma capa que
mandara confeccionar para o Palmácia na
Risca das Escrituras (com a fotografia da Matriz de São Francisco, na Praça
Padre Perdigão Sampaio), no qual, segundo ele, era narrado um rol de castigos e
anátemas, antevistos pela Bíblia Sagrada, para as transgressões e iniquidades
cometidas pelos palmacianos no decurso de sua história. Zé Sampaio, agora no andar de cima, jamais levou a lume a
ideia, certamente, porque era apenas projeto, embora imensa vontade lhe não
faltasse.
Recitava sempre – e me fazia crer serem dele, porém, conquanto
jamais afirmasse, se calava quando alguém isso perguntava – dois lindos
sonetos, um deles bem mais artístico do que o outro. Refiro-me a PAPAGAIO DE PAPEL, o qual vale a pena
reproduzir agora, sem comentário, e LÁBIOS
VIRGINAIS, de que farei ligeira glosa.
Seis horas, o céu mudo, a noite perto./ Não se
vê uma luz no firmamento; / Apenas um bonito papagaio / Volteia sacudido pelo
vento.
Parece estar livre; mas alguém / O manobra de
longe como entende. / Ele sobre, ele desce em viravoltas - / Mas, coitado! Se
acaso se desprende...
Ainda voará sem direção, / Brincará nas alturas
um momento,/ Para depois se espatifar no chão.
Eu sou qual papagaio de papel:/ Aparento ser
livre, todavia Estou preso também por um cordel.
Em um jornalzinho que editei, no meu tempo de Escola Industrial,
hoje Instituto Federal de Educação e Tecnologia do Ceará – IFCE, O Concludente, publiquei esse poema
tendo J. Sampaio por autor. Doei-lhe um exemplar, o qual, satisfeito, ele guardou,
sem dizer palavra.
Também Lábios Virginais
ele declamava, porém incluindo três ou
quatro expressões, as quais, depois, vi serem realmente equívocas e sem
sentido.
Dizia eu, durante muitos anos, os dois sonetos para pessoas
literatas e bem informadas, como, e.g.,
meus irmãos Teobaldo Campos de Mesquita (docente da UFC e da UVA) e Raimundo
Campos de Mesquita (cirurgião-dentista e secretário de Saúde de Palmácia por
duas vezes), que me não davam pistas da autoria, fato a me deixar intrigado,
pois a forma de rima das grades era por demais sofisticada, em especial, nos Lábios Virginais, denotando pouca
possibilidade de serem os poemas da colheita de pessoas sem conhecimento de
versificação.
Eis que, muitos e muitos anos depois, entendi haver ele decorado
erradamente, pois eram nada mais do que da autoria de José Rebouças Macambira,
componentes de Musa de Aquém e de Além,
o primeiro composto em 1942 e o outro em 1944, publicados nesse livro em 1981.
Retrato na sequência Lábios
Virginais.
A minha’alma é feliz, embora presa / Da tu’alma
no cárcere de luz, / Pois a vida sem ti fora uma cruz / Talvez muito pesada
para mim.
És tu quem me dá vida (1) e Fortaleza, / Por
quem luto no mar do vendaval (2) / Animando no peito um ideal / Bebido neste
amor que não tem fim.
Se por vezes a nuvem de um desgosto / Escura se
projeta no meu rosto, / Na hora em que te encontro se desfaz.
É que tens (3) o poder (4) misterioso / De mudar
minhas lágrimas em gozo / Com o frescor de teus lábios virginais.
Remate
Conforme é dado ao consultor divisar, existe por demais beleza
nesta composição, onde meu patrono e conterrâneo emprega uma variedade de
expedientes figurais, peculiares aos códigos da Poética, como, por exemplo, as
metáforas e as elisões (como em tu’alma),
para conceder estesia especial às suas produções obedientes a padrões métricos
(ou pés), em segmentos da Musa de Aquém e
de Além, ao comprovar a habilidade que detinha ao versejar com graça no
sistema de rimas ABBC – ABBC – AAB – AAB. De modo assertivo, ainda, denota a
manifestação do conhecimento científico detido sobre as estruturas rítmicas de
versos e estâncias dotados de musicalidade, aliás matérias das quais cuidou na
sua produção científica, ao editar os citados Português Estrutural e Estrutura
Musical do Verso, exempli gratia.
Há de assentir o consulente no fato de ser pouco comum, como
ocorrente no decassílabo Lábios Virginais,
nos quartetos, os primeiros versos (A) consoarem com C, derradeiras linhas das
estâncias, sendo, porém, bastante usuais as rimas BB – variantes de tempo e
espaço - para o segundo e o terceiro versos do poema.
Caso o leitor não pense como eu, de mim discordando, intente examinar
com demora o soneto sob observação e, ao cabo do estudo, certamente, permutará
sua opinião. É que escolhi este decassilábico português, desde há muito, como
um dos dez mais belos da Língua de José Rebouças Macambira, palmaciano a honrar
as letras científicas do ecúmeno português, nas nove comunidades lusofônicas –
no terreno da Semasiologia – e literárias - no campo prolífero da poesia.
1 José Fernandes Sampaio decorou como quem me dá luz.
2 Ele dizia a “palavra” inexistente dunivendal, o que me deixava bastante intrigado, até descobrir a
verdade da autoria e conferir o poema.
3 JFS memorizou, equivocadamente, “porque tens”.
4 Fixou como porque tens o fulgor misterioso.
4 Fixou como porque tens o fulgor misterioso.
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