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Reginaldo Vasconcelos*
O homem chegou à empresa construtora maltrapilho e quase sem
bagagem, pedindo trabalho. Uma capital da Região Amazônica, em fase de intenso crescimento
econômico, catalisava gente de toda parte – mineradoras, garimpos, madeireiras – de modo que ali não se rejeitava mão de obra nem se estranhavam forasteiros.
Ficou por lá fazendo de tudo, quase sem falar e sem participar da chalaça e da algazarra dos peões. Logo se viu que ele não era de graça, mas de serviço. Depois da boia do meio dia, em vez de fazer a sesta com os outros, em papelões no chão da obra, procurava um lugar mais reservado para o repouso, e era o primeiro a retomar a lida.
Para cumprir missão braçal recebida não pedia detalhes nem
fazia corpo mole, e, assim, em pouco tempo já conquistara a confiança dos feitores e mestres de obra e já se diferenciava dos demais, a partir da habilidade demonstrada
em tarefas delicadas – na eletricidade, na carpintaria, no acabamento – a par
de continuar diligente quando era preciso fazer força.
Chamou a atenção do dono da firma quando se revelou bom
motorista, ao manobrar uma máquina em marcha-ré, articulando um reboque com
precisão absoluta. Em pouco tempo estava dirigindo a caminhonete do patrão pela
cidade, levando seus filhos ao colégio, conduzindo a mulher dele de automóvel
acima e abaixo.
Certa feita a família ia viajar e ele se ofereceu para
pernoitar na varanda da casa durante a ausência de seus moradores, montando
guarda, para tanto requerendo apenas uma rede e o revólver doméstico do patrão,
que manteria no entrepernas, escanchado na tipoia, onde o encontraram alerta
dias depois, na noite em que chegaram da viagem.
Mas um dia alguém cortou uma preferencial e colidiu com o
carro da empresa que ele dirigia, e ele ligou apavorado para o patrão, o qual, ao
saber da pouca gravidade do acidente sem vítimas, logo o quis
tranquilizar. Mas ele replicou que haviam chamado a perícia e ele temia que
contra ele já houvesse “precatórias”.
E de fato ele terminou preso, ao se constatar ser foragido
da Justiça, com muitas mortes nas costas, um assassino celerado. O patrão, a
mulher, os meninos, todos já haviam se afeiçoado a ele, e ficaram então divididos
entre o susto e a piedade, entre o medo e o perdão, entre a decepção e a indulgência.
Não podia ser tão mau assim, se fora tão prestimoso e confiável, tão digno e tão
fiel.
Ao chegar o fim do ano o patrão conversou com o seu amigo
Promotor de Justiça, contratou um criminalista, e enfim conseguiu que o preso,
de bom comportamento carcerário, fosse beneficiado por uma saída temporária,
como indulto de natal, para que viesse participar da ceia com a família. Mas, passada a missa do galo ele agradeceu à família os préstimos que recebera e revelou que ia aproveitar para fugir.
Comunicou que ia fugir, mas antes de fugir iria matar o
Promotor de Justiça e um agente prisional que o havia maltratado. E então consultou ao patrão estarrecido se não teria também algum desafeto do qual quisesse se livrar, pois
como lhe era muito grato, para lhe pagar os favores, antes de partir, lhe
eliminaria um inimigo. Um a mais, um a menos na sua ficha criminal, não faria diferença.
*Reginaldo
Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da
Cadeira de nº 20 da ACLJ
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