sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

ARTIGO (RV)

O CANHESTRO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Reginaldo Vasconcelos*

A aguda crise da segurança pública no Brasil, e a consequente escalada da violência nas cidades (e nas fazendas) do País, provocam no cidadão brasileiro urbano uma irracional aversão às armas de fogo.

Traumatizado pelos tantos sequestros e assaltos sofridos por si mesmos ou por entes da família, ou estressados pelo receio de que possam a qualquer momento vir a ser alvos de bandidos armados, as pessoas passam a execrar o instrumento do crime, como aquele marido traído em relação ao inocente sofá de casa em que se deu o adultério.

Então se criaram no País movimentos de pretensão “politicamente correta” em prol do desarmamento do cidadão de bem, que conseguiram a promulgação de uma canhestra lei de desarme público. Com isso, a pessoa honesta resta agudamente insegura, privada da arma lícita que proteja a sua própria integridade e a da família, em casa e no seu automóvel, que é uma projeção do lar, e que pode eventualmente trafegar e até enguiçar em locais ermos e em zonas urbanas conflagradas pelo crime.

E, estranhamente, entre seus argumentos, esses defensores do desarmamento da população passam o conceito torpe e preconceituoso de que o cidadão comum seja inábil para promover a própria defesa utilizando arma de fogo, como se acometido de um elevado grau de idiotia, limitação psíquica que não afetaria os policiais, nem os militares, nem os bandidos em geral.

Imensa bobagem, até porque o efeito dissuasório sobre o eventual agressor, da suposta existência de uma arma de fogo defensiva ao alcance da sua pretensa vítima inibiria grande parte das tentativas de agressão. Já diziam os antigos, “o melhor uso da espada se dá enquanto ela  permanece na bainha”. Obviamente, sabedor de que o cidadão está desarmado pela lei, muito mais à vontade para o ataque ficam os predadores sociais.      

Outro argumento alvar que hasteiam contra a arma lícita é o risco de que ela provoque acidentes, jogando uma lente de aumento sobre casos isolados que acontecem, e que são de fato inevitáveis. Grande besteira. Um revolver, uma pistola, um rifle, podem servir ao ataque ou à defesa, sendo para este último fim que são concebidos e frabricados. Muito mais acidentes provocam os automóveis, que matam aos milhares, e que assim mesmo qualquer um pode adquirir e utilizar, cumpridas as formalidades necessárias.

Do mesmo modo, piscinas não são construídas para afogar crianças, que assim mesmo nelas morrem às centenas todo ano. Tampouco se instalam tomadas domésticas para eletrocutar pessoas incautas, que são vítimas fatais de choque, todo dia, no mundo todo. E ninguém cogita jamais proibir tomadas elétricas e piscinas, em função dos infaustos a que eventualmente deem causa. Em latim se dizia que abusus non tollit usum. Em português mais comezinho é dizer que não se matam as vacas para evitar os carrapatos.

Na verdade, não são as pistolas, os revolveres e os rifles que ferem e matam as pessoas inocentes. São os sociopatas que se colocam por trás delas. E esses, em lhes faltando um trabuco qualquer, atacarão com machados e facões, com um palito de fósforo e um vasilhame de álcool, com as pedras do chão ou com um simples travesseiro pressionado sobre o rosto de quem dorme.

A propósito disso, façamos uma equação simples, isenta de pavores atávicos, de sentimentalismos inúteis, de utopias sociais hiperurbanas, mas apenas conduzida pela lógica:

1. Não há de como se expungir inteiramente da alma humana, quanto mais por decreto, todo o instinto de competição, de cupidez, de beligerância, nem mesmo o animus necandi, que é o impulso de matar outros viventes, inerente aos seres vivos;

2. Também não é possível que a lei faça sumirem da superfície nacional todas as ditas “armas eventuais”, que são as lâminas, os porretes, as barras de ferro, os cacos de vidro, os seixos do chão, os instrumentos lícitos perfuro contundentes ou cortantes, facilmente utilizáveis para ferir e matar – e, principalmente, não se pode evitar a compleição física privilegiada de alguns em relação aos mais franzinos;

3. É certo que as armas brancas e as armas eventuais lesionantes e letais são de manuseio especialmente difícil aos mais fracos, física ou numericamente, de modo que estes, no âmbito da sociedade como um todo, sem a arma de fogo para promover a sua defesa contra os brutamontes e os eventuais grupos agressivos injustos, estão sempre em desigualdade absoluta;

4. A conclusão é de que a arma de fogo cidadã, de fácil manuseio e de efeitos mais efetivos, serve para promover o equilíbrio social, igualando potencialmente os indivíduos probos aos ímpios, os mais fracos aos corpulentos, os solitários aos que se apresentem numerosos – no dia a dia da vida social, pois a Polícia e a Justiça não são e não podem ser onipresentes.  

Aliás, fogo, explosão, veneno, porretes, foices, barras de ferro, tudo isso configura “modo cruel”, que agrava as agressões e os homicídios, de onde se conclui que o uso da arma de fogo chega a ser meio moderado, embora de letalidade mais eficiente e imediata. A arma de fogo, em última análise, representa evolução tecnológica que permite aos mais fracos se protegerem dos mais fortes, de forma mais efetiva, porém menos sanguinolenta e menos brutal.

Parece estranho e ilógico o argumento, mas de uma ampla perspectiva sociológica faz sentido. A guilhotina, por exemplo, foi inventada com fins humanitários, pois já que a pena de morte era legal, precisava-se de um método menos traumático e mais rápido de cumpri-la, contra os enforcamentos, em que os condenados se debatiam sufocados por longos minutos, ou os machados incerteiros dos carrascos, que muitas vezes picotavam a nuca e as costas dos coitados, antes do golpe fatal.        

Então, já que não se consegue desarmar o criminoso totalmente, nem eliminar formas grotescas de agressão que eles possam adotar, o que se pode fazer para reduzir a violência, em vez de perseguir a arma lícita? Conter a bandidagem, isso sim, combatendo a arma ilícita. 

Dever-se-ia armar o povo, ao invés de desarmá-lo, pois se todos reagissem com tiros a tentativas de sequestros e assaltos, esses crimes compensariam muito menos, e seriam muito menos frequentes. Morreriam alguns nessas reações, de lado a lado, mas as tenebrosas estatísticas sobre o número de vítimas fatais de violência urbana no Brasil, mesmo sem reação, ou por ela esboçar fuga, equivalente a uma guerra sangrenta a cada ano, teriam uma imensa retração.  

Aliás, dois dados geopolíticos comparativos dão maior respaldo à tese exposta: a) países em que todo cidadão pode ter sua arma de defesa têm baixos índices criminais, enquanto o desarmamento entre nós não reduziu a criminalidade; b) o desarmamento do povo é medida recorrente na instalação das ditaduras, enquanto as grandes democracias entendem que a lei penal garante ao cidadão a sua autotutela, em vez de prestigiar a covardia das pessoas. 

Principalmente, é urgente rever o conceito de direitos humanos adotado atualmente, tão incensado pela imprensa nacional, que não se importa com os “humanos direitos”, mas só com os marginais abatidos por agentes públicos ou presos pela Justiça brasileira.  

Havia inclusive uma propaganda chapa-branca, logo no início da campanha pelo desarmamento, em que o anunciante dizia “quem usa arma é polícia ou bandido”. Com isso o Estado legitimava o instrumento de trabalho dos marginais, passando-lhes a ideia de que, assim como a polícia, eles tinham direito de se armar – veja-se o tamanho contrassenso.

Já imbuído desse conceito distorcido, assaltante preso em flagrante em Fortaleza, após a reação armada de uma vítima, bradava ao delegado, diante dos repórteres policiais que gravaram para um programa de TV: “Ele atirou em mim, Doutor. Quase fez um’arte comigo.  Veja aí se ele tem porte de arma. Eu estava armado porque sou bandido! Mas ele não diz que é cidadão?

Está tramitando um Projeto de Lei que visa derrogar o tal Estatuto do Desarmamento. Porém, enquanto este estiver vigorando, todos devemos obedecê-lo. E lícito criticar e lutar para que sejam revistas as normas ruins, mas quem as descumpre na sua vigência passa a ser pior que elas.  


  
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ  

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