Designado para saudar
Beto Studart, em nome da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, atribuo a
escolha, entre tantos confrades merecedores da distinção, aos laços que me
prendem ao agraciado. Amizade relativamente tardia, consolidada nas aventuras empresariais
e políticas que juntos vivenciamos. O que temo é comprometer a sobriedade desse
ato, exigida pela liturgia acadêmica, ao incorrer em excessos ditados pelo
coração, e por isso mesmo perdoáveis.
Em artigo inaugural
da revista “Laços”, comemorativa dos dez anos de vida da Fundação Beto Studart,
seu presidente, nosso homenageado de hoje, afirma textualmente: “enveredei por
muitos caminhos e muitas estradas”. Nenhum desses foi para si um beco sem
saída, ponto final de uma trajetória. Ao contrário, as múltiplas experiências
contribuíram para forjar um caráter determinado, com vigor bastante para
ultrapassar obstáculos com os quais se defrontou ao longo da exitosa caminhada.
Processo certamente iniciado no convívio familiar, como reconhece, na casa paterna
anexa ao Hospital de Messejana, dirigido por seu pai, matriz da mente sensível
e solidária que impulsiona as suas ações sociais. À distância imagino o que
possa ter sido a influência do pai na sua formação, pois, de gerações
diferentes, fizemo-nos próximos, movidos pelo mesmo ideal de ampliar a
assistência médica e promover a saúde da população.
O Dr. Carlos era o
médico e administrador experiente que varou governos para fazer daquele
hospital o centro de tratamento de doenças do coração reconhecido nacionalmente,
mais tarde por mim batizado em preito de justiça com seu nome. Está aí um bom
exemplo de quanto pode uma liderança exercida num contexto de continuidade
administrativa. Eu, o jovem médico idealista guindado ao cargo de Secretário de
Saúde do Estado, ávido por acertar, identificando problemas e possíveis
soluções, encontrei nele interlocutor útil e prestativo. Por seu intermédio vim
a conhecer a Ana Maria, a senhora Beto Studart, convidada a participar da minha
equipe, uma colaboradora marcada pela simplicidade, competência e integridade,
atributos que a identificam como exemplar servidora pública que foi por muitos
anos. Esposa e mãe, tem sido a parceira solidária no lar e na Fundação, o que
enseja a realização dos projetos comuns. Entre tantos caminhos trilhados pelo
Beto esteve o da política, um breve, mas intenso interstício à vida
empresarial, um insucesso que vivemos juntos. A política perdeu, as empresas
ganharam com o monopólio da sua atenção e energia criadora. A experiência não
foi como possa parecer um evento fugaz, um mero impulso pessoal, mas expressão genuína
de um vocação para as causas coletivas, como demonstra o curso de sua vida.
Em meados do Século
XIX Rudolf Virchow dava contribuição decisiva para os fundamentos da medicina,
ao estabelecer o papel da célula no desenvolvimento da doença. Nascia a chamada
patologia celular. Acontece que o cientista era também político com ativa participação
na vida pública da Alemanha; resumia seu ideal de conciliação entre a medicina
e a política na frase de sua autoria: “A medicina é uma ciência social e a
política não é mais do que a medicina em larga escala”. Com esse conceito
fundava a chamada medicina social.
Tomando por
empréstimo o pensamento de Virchow é razoável admitir que o ambiente
empresarial é um espaço onde se faz a política por outros meios. A empresa
privada é cada vez mais chamada a interagir com o público, a desempenhar um
papel social que deixa de ser responsabilidade exclusiva do Estado, enquanto as
associações de classe se tornaram centros dinâmicos de debates políticos. Se
isso não relativiza o conceito de propriedade impõe-lhe, forçoso reconhecer,
encargos adicionais que exigem postura nova do proprietário. O ensaio do Beto
na política não foi em vão, serviu como oportunidade para apurar seu interesse
pelas demandas das pessoas de interesse geral, ou de cunho particular. Seu
desempenho à frente da Federação das Indústrias a cuja presidência ascendeu por
mérito, revela que continua político numa acepção ampla da palavra, operando em
um cenário adequado à sua objetividade, focada em resultado e qualidade.
Mergulhado nos últimos dias na leitura da
biografia de San Tiago Dantas deparei-me com a revelação do autor de que
o biografado elegera como fio condutor de sua vida a tríade saber, ter e poder.
San Tiago soube,
estudou muito e ensinou na cátedra e em seus escritos; teve, acumulou fortuna
como advogado notável e homem de empresa; pôde pouco, vítima da aversão da
política brasileira aos intelectuais, homens de ideias preocupados em
estabelecer plataformas ideológicas e programáticas orientadoras da ação dos
partidos políticos. Prova maior disso foi a recusa pelo Congresso de seu nome para Primeiro-Ministro no
parlamentarismo da era Goulart.
Aceita a tríade de
San Tiago como roteiro de vida para os que têm legítima ambição, se aplicada ao
nosso agraciado, em seu estrito campo de atuação, constata-se que a realiza
integralmente. Beto sabe, porque aprendeu nos livros e nas duras lições da
vida; Beto tem, porque ganhou pelo esforço do trabalho inspirado no seu tino
empresarial; Beto pode, quanto empreende para gerar riqueza, criar emprego e
apoiar pessoas carentes; atinge o equilíbrio entre ser e ter, a homeostase que
pacifica e conforta o espírito. Sabedoria de ser, tendo; de ter, sendo. Como a
figura da parábola do evangelho, multiplica os talentos que recebeu para
atingir um número cada vez maior de beneficiários.
A expressão
institucional da sua generosidade manifesta-se na Fundação que carrega seu
nome, criada para atender pessoas e entidades carentes de apoio. São
basicamente duas as suas linhas de ação: apoio técnico e financeiro a projetos,
e o programa de concessão de bolsa-talento. Este último, voltado para a geração
de oportunidades que permitam vicejar talentos constrangidos por limitações
econômicas e sociais. A par dessas iniciativas de caráter geral, estende a mão
solidária para atender necessitados no
melhor estilo cristão, quando uma desconhece o que a outra faz. Com os negócios
concentrados nas finanças e na construção civil, da curso à sua inquietude
criativa, apoiando empreendimentos inovadores tal o desenvolvimento de um
coração artificial, ousadia científica de inspiração atávica.
A outorga do título
de benemérito que hoje lhe é conferido em festiva e prestigiada solenidade deve
ser encarada como a celebração do triunfo, o valor do trabalho empregado com louvável
obstinação. Benemerência sistemática, planejada e eficaz lampejo generoso que
conforta e acende o pavio da esperança em tantas almas necessitadas.
Almejo, por fim, que
a honraria que ora recebe ilumine sua história de fida como um capítulo pedagógico
da didática do sucesso, a orientar vocações de empreendedores econômicos e
sociais, para compreender que o êxito individual será incompleto se não considerar
a realização do bem comum e da paz social como um propósito a alcançar.
LÚCIO ALCÂNTARA
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