quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

APRECIAÇÃO LITEROCIENTÍFICA (VM)


ESTA, SIM... (1)
Vianney Mesquita*

Assim como o ferro, sem exercício, se oxida, à semelhança de como a água se putrefaz, e no frio gela, semelhantemente, o espírito humano, não exercitado, se arruína. (LEONARDO DA VINCI – YAnchiano (2), 15.04.1452; Amboise (3), 02.05.1519).

Espesso de continente, denso de teores metodológicos e pressupostos epistemológicos ditados pelo exigente crivo da autora, o ensaio sob glosa exibe admirável profundez pelos enredos e ambages da Ciência Sematológica, rematada pela sobeja pesquisa empírica – um consórcio perfeito para afluir ao propósito da Semasiologia, configurado no saber novo.

Diversamente da magrém de peças de cinquenta e poucas laudas, desprovidas de conteúdo penetrante e bem especulado – no plano teorético quanto no patim empírico, via de regra decorrente da desídia de certos autores e do açodamento de alguns orientadores – o ensaio da Professora Doutora Maria das Dores Nogueira Mendes excele em qualidade – e em quantidade – porquanto deitou cátedra num recheio de 340 páginas.

Em matéria, assim, tão desdobrada, dissecou seu tema, não digo até se exaustar, pois nada existe acabado, porém concedeu aos estudos linguísticos no nosso meio colaboração de monta, inclusive e principalmente, como substrato do saber ordenado para mais estudos do gênero.
   
Trata-se, por conseguinte, da manifestação terminante de que a Ciência, mormente a Semiótica, encontra pelos pagos cearenses receptáculo para seu progresso, haja vista a diligência por ela expressa na execução deste experimento de alevantado merecimento, ao dissecar o investimento vocal, cenografias e ethé (4) em peças compostas e/ou interpretadas vocalmente pelo Pessoal do CearáRicardo Bezerra, Ednardo, Raimundo Fagner, Rodger e Téti, Fausto Nilo e outros por ela estudados.


Conquanto, porém, possa-me não assistir razão, entendo que a Semiótica (Sematologia, Semasiologia ou Semiologia), malgrado quase cem anos de existência oficial (1916, com o Cours de Linguistique Generále, obra post-mortem de Ferdinand de Saussure – 1857/1913), mesmo que este não represente tempo suficiente para um ramo científico se fixar, ainda não desfruta de compreensão pacífica, tampouco experimenta trânsito sereno entre os cultores do ecúmeno científico.

Com tal ideia, salvante mais acurado juízo (até porque sou um quase-visitante do assunto), reporto-me, em específico, ao ambiente brasileiro, onde até agora, desde que ultrapassou o bloco de adeptos e defensores, é um conjunto de fatos científicos  portador de certa inocuidade, hajam vistas as quaestiones vexatae, a insuficiente influência na sociedade, sob o prisma de sua evolução, e outros influxos de aplicação ligeira, conforme sucede com qualquer ramo do saber ordenado recente, razão, aliás, que a pode inocentar em relação ao até agora não operado por esta Ciência.

Com obras iguais a esta da Prof.a. Dr.a Mendes, todavia, ao achegar a audiência até o campo da prova, ferindo tema bem mais comum, como sói acontecer com a música popular – e do Ceará – a linha científica de Roland Barthes, Oswald Ducrot, Dominique Maingueneau, Rogério Bessa e Tzvetan Todorov, decerto, encontrará, paulatinamente, ubérrimo campo para sediar-se entre nós.

Esta, sim, é uma tese de doutoramento, na mais estrita manifestação das palavras!
***
(1) Comentário, ora modificado, escrito no dia 11 de janeiro de 2013, quando dei por finda a revisão da tese de doutorado da Prof.a. Dr.a Maria das Dores Nogueira Mendes, hoje docente do Departamento de Letras Vernáculas – Centro de Humanidades, da Universidade Federal do Ceará, defendida logo depois, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Barros da Costa, também da U.F.C., com a coorientação do Prof. Dr. Júlio César Rosa de Araújo. O trabalho traz por título O Duro Aço da Voz – Investimento Vocal, Cenografia e Ethos em canções do Pessoal do Ceará.

(2) Anchiano é um lugarejo, parte de Da Vinci, comuna italiana da Região da Toscana, Província de Florença.

(3) Amboise – Comuna do Centro, antiga Ambácia, no vale do rio Loire, pertencente ao Departamento de Indre-et-Loire. Depois de Tours, é a mais populosa do Departamento – cerca de 13 mil pessoas . Ali está sepultado Da Vinci. Recentemente, tive a satisfação de percorrer o vale do Loire quase todo, visitando, inclusive o famoso Castelo de Amboise.


(4) Ethos, com plural ethé, é termo da Língua Grega, significativo de caráter, com vários desdobramentos. No senso aqui empregado, porém, denota o exercício do poder de compositores e musicistas, formalmente prontificados em escolas ou na autodidaxia da experiência, para influenciar nas emoções e atitudes, bem assim na moral do seu público aficionado.

*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista



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