terça-feira, 30 de dezembro de 2014

CRÔNICA (WI)

Um poeta nordestino e o Natal
Wilson Ibiapina*

O alagoano Aldemar Paiva morreu recentemente em Recife, aos 89 anos. Ele nasceu em Maceió, mas, ainda jovem, foi transferido para servir em Recife como oficial do exército.

Começou a carreira na Rádio Clube de Pernambuco, onde foi produtor, apresentador e diretor, substituindo Chico Anysio. Também atuou como jornalista, poeta, escritor, humorista, ator e compositor, com mais de setenta músicas escritas.

Entre as mais conhecidas está "Frevo de Saudade". Escrevia uma coluna no jornal Fatorama, do Jota Alcides sob o título O  "O Causo eu Conto". No rádio, apresentou o programa "Pernambuco, Você é Meu", que começou no início da década de 1950 e foi líder de audiência durante 25 anos.

Os primeiros 18 anos do programa foram na Rádio Clube; depois, na Rádio Jornal, onde o Narcélio Limaverde trabalhou com ele. Na televisão, atuou na TV Tupi, TV jornal e participou como produtor e ator dos programas "Som Brasil", "Praça da Alegria" e "Chico City", da Rede Globo.

O médico João de Paula viu há pouco a televisão reprisar o ator Lúcio Mauro recitar, na Escolinha do Professor Raimundo, um poema de Aldemar Paiva:



MONÓLOGO DE NATAL
Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.

Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente
e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho feio, empoeirado,
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete com atraso,
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.

E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou
ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou
num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.

Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido,
para não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
entrou na cela e o libertou pro céu.


*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ


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