FACULDADES AB
HOC ET AB HAC
Vianney Mesquita*
Os
erros mais curtos são sempre os melhores. (PIERRE CHARRON – bispo, filósofo e teólogo francês – Y 1541 † 1603).
Hoje, em todo
quarteirão, nas quatro esquinas e no meio, dos dois lados, há uma faculdade, às
vezes até somente com duas salas de aula, onde se ministram sem competência as
mais extravagantes graduações, ocorrência geral em todo o País, concorrendo
para conceder canudos a pessoas que, às vezes, nem ler conseguem, quanto mais
entender o que a mensagem intenta conotar.
Esta afirmação, sem
dúvida, hiperbólica, se aproxima por demais da verdade, porquanto o
licenciamento de programas de graduação superior, hoje, é semelhante ao que se
diz, cearensemente, da contagem de
carneiros e bodes em um aprisco, quando um freguês vem comprar do criador: “cinco
minutos de bodes”, “meia hora de carneiros”, isto é, desde que abre a cancela,
a quantidade de caprinos e ovinos negociada corresponde, respectivamente, a
esses tempos de saída dos animais de seu curral, medidos no relógio.
O Ministério da
Educação está com a porteira do seu redil aberta há mais de 20 anos de
faculdades, ou seja, faz todo esse tempo que sai curso do curral, tendo se
instalado poucas excelentes, outras muito boas, aproximando-se do ideal, porém,
grande parte sem a menor qualidade, o que é por demais lamentável,
principalmente, porque o fato mascara, na realidade, as estatísticas nos planos nacional e exterior
em relação ao quantitativo de pessoas detentoras dos diplomas de formação
superior, formal e legalmente (vou deixar, de caso
pensado, este defeito eufônico) certificadas, sob as (des)graças espúrias do
Estado.
O pior é que a desídia
de determinados responsáveis por educação superior e pesquisa no País já se
eleva ao patim da pós-graduação – agora quase lacrimejo – quando, por exemplo,
uma universidade grande daqui, de projeção nacional e internacional, segundo o
Regimento Interno (sic – e eu não sabia que havia regimento
“externo”) concede diploma até de doutorado com “teses” defendidas por um doutorando
que divide três artigos – não uma tese, por definição e necessidade, um
experimento probante de saber novo com autor singular – com até cinco
coautores.
Durma-se com esta dor
de dente!
Pergunto: por que o
título vai para apenas uma pessoa, se os demais subscritores dos textos são
compartes? Decerto, se qualquer um dos cinco pedir na Justiça o mesmo galardão,
não antevejo motivo para o magistrado não determinar a honra do que solicita o
demandante. Isto está bem perto de acontecer, pelo desenrolar dos fatos.
Alô, Magnífico!
Conserte esse viés tão violento, enquanto a U não se submete a uma vergonha
nacional! Corrija esse despautério, que faz Antônio Martins Filho e Ícaro de
Sousa Moreira (principalmente, este) tremerem em seus carneiros!
Sinto de perto o
quanto há de oblíquo nessa legalidade, exageradamente enviesada, de certificar
faculdades e mais faculdades, em alguns casos, de cursos com objetivos
estranhos e possibilidade duvidosa de profissionalização, quase à certeza de
sua inocuidade, às portas de um ofício insubsistente, quando o diplomado vai
dar conta de que choveu no molhado.
Tais manufaturas de
certificados locupletam o mercado – de causídicos semianalfabetos, pedagogos goguentos,
psicólogos que nem Freud explica, jornalistas apedeutas, médicos feitos uma
personagem chicoanisiana, que, de
inopino, faz cirurgia em paciente que a ele se queixou de cefalalgia, e tantos outros
engabelados pela modicidade dos preços ou, mais grave, “beneficiados” com os
programas do Governo Federal que a vivaldina faculdade tem direito de aplicar.
Experimento esta
insossa realidade, por exemplo, quando, procedente de um programa de Especialização
de uma dessas escolas – pós-graduação em sentido estreito – me vem para
corrigir monografia da área do Direito, na qual, em meio aos absurdos
escorregos na Gramática e absoluta desorganização reflexiva, o neoadvogado –
que o exame da OAB, certamente, vai embarreirar – chamou de infanticídio o assassinato de um garoto
de 16 anos por um bandido em um assalto, quando até os leigos de boa leitura
conhecem o ilícito infanticídio como
ato criminoso próprio da mãe sob a influência do estado puerperal.
Também não ocorreu
apenas duas vezes o fato de alguém me procurar para revisar sua mamografia de conclusão de curso,
significando dizer que jamais vira escrita a palavra monografia, pois somente
ouvira, repetidas vezes. Tive, então, vontade de lhe indicar um bom mastologista,
porém, não o fiz por urbanidade e dó da sua indigência acadêmica e vocabular.
Entrementes, outra
senhorita me indagou qual a primeira decisão para começar uma mamografia. Em vez de lhe dizer que a
providência inicial era desvestir o soutien,
informei os passos próprios para linear o escrito da monografia, como escolher
o tema, reunir a literatura a estudar, eleger o docente-orientador et reliqua.
Muito recentemente, um
amigo professor recebeu cópia de trabalho de conclusão de curso de
Especialização em uma dessas dificuldades,
faculdade de araque, com nota suma cum
laude, um dez vermelho e grande na capa, da autoria de uma amiga sua, que
lhe pediu para ler.
Na sua leitura, ele
divisou a experiência relatada pela autora já na Introdução, ao dizer que,
depois de formada, havia lesionado em
escolas de bairro, depois lesionou em
estabelecimentos particulares e pretende, doravante, lesionar em faculdade, pois, para chegar até aí, se prepara para se
submeter a um concusso. Disse-me ele
que, em meio a tantas lesões, até o orientador restou lesionado, pois cometeu “concussão de autoria” praticada no exercício
de seu ofício magisterial, atribuindo máxima com louvor a um trabalho que sequer
teve a desventura de ler.
Quando eu estudava no
terceiro ano colegial, no João Pontes, da Campanha Nacional de Escolas
da Comunidade, havia um senhor, já anoso, meu colega, procedente de um curso
“elefante”, o qual havia sido aprovado em exames de madureza ginasial. Ocorreu que, conforme a nova redação
concedida ao art.99 da Lei n. 4024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), ex-vi do Dec.Lei 709/69, o
estudante contando mais de 16 anos poderia submeter-se a tal exame sem cumprir
regime escolar e, com 19 anos, poderia fazer madureza colegial. Então, muito
obtuso, broco à exaustão, disse que somente voltaria ao interior, de onde
proveio, depois de se formar engenheiro-agrônimo
.
Hoje, malgrado distância
temporal imensa dessa ocorrência, de 1969 para cá – 46 anos – os egressos
dessas faculdades de que cuido, ainda agora, dizem uns que querem ser adevogados, outros tencionam o diploma
de psicológicos, ao passo que alguns
pretendem os certificados de sociólugos
ou de pedagougos.
Nisso é que dá a
instalação, sem rígidos critérios, de faculdades, ab hoc et ab hac, a torto e a direito.
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