segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

ARTIGO (VM)

EXTENSÃO DO ARTIGO 

ERGASIOFOBIA / OTIUM-UNIFOR

AO PROF. DR. FILIPE JESUINO
Vianney Mesquita*


A insolência do vulgo é proporcional à sua ignorância; tudo quanto está fora do alcance da sua inteligência o trata com desdém. (William Carew HAZLITT, autor e editor inglês,Y22.08.1834; 08.09.1913).


Faço remissão ao texto enviado ao Prof. Filipe de Meneses Jesuino, a respeito do Otium – Laboratório de Estudos do Ócio e Tempo Livre, da Universidade de Fortaleza, onde militam vários seus colegas, intitulado Ergasiofobia, lance em que lhe pedi para verificar a propriedade do escrito sob do espectro da Psicologia, temática por ele sustentada com segurança e distinção.

Folgo com ter seu aprovo, na resposta reproduzida na nota de rodapé deste comentário, na qualidade de meu consultor padrão-ouro nesta área, pois contava com a possibilidade de haver algum senão de natureza conceitual, porquanto não é matéria de meu trato acadêmico, mas apenas configura noções apreendidas de leituras e da formação elementar – diga-se, de boa qualidade, que aqueles dos nossos tempos – eu e seu pai, o Prof. Geraldo Jesuíno, “exempli gratia” – experimentamos.

Como, todavia, o saber científico não tem donos, nada demora incursionarmos por ele em todos os quadrantes, principalmente agora, isento que estou de trabalhos docentes vinculados a um só saber lindado por conteúdos programáticos, considerando que a Ciência é horizontal, encadeada, sem extremo de começo nem borda de fim.

Entendo, no âmbito do meu laicalismo insolente – dirão, certamente, alguns – que, em razão das grandes conexões experimentadas hodiernamente pelos tentáculos das centenas de sub-ramos ordenados do conhecimento, restam redimensionados os antigos limites, o começo e o cabo dos seus feitos.

Isto porque, na visão macro de uma Ciência singular, parece ter sido reformatada aquela departamentalização rigorista dos vários terrenos disciplinares, que, ainda hoje, delineia e serve à Didática com vistas à transferência de ideias a quem estuda, mormente no concerto dos teores de graus de ensino propedêuticos ao ensino superior e, mesmo, na graduação.

A determinação desses segmentos curriculares foi, entretanto, por consequência, a fórmula pertinente aplicada para transmutar conteúdos, haja vista a precedência de uns para sossegar o terreno de outras informações a serem recepcionadas na seara escolar, tendo os primeiros como prerrequisitos.

Quem é capaz de admitir Geometria, se não viu Aritmética? Pode-se estudar Teoria Literária sem haver transitado pela Gramática? Improvável, decerto, é existir alguém capaz de acolher regramentos de Gastroenterologia e Cardilogia, por exemplo, sem haver detidamente examinado os haveres de Anatomia e Citologia, matérias inaugurativas, de primeiro semestre, dos cursos de Ciências Médicas.

Convém trazer à colação o argumento de que ainda não deixaram de ter curso pacotes curriculares defeituosos, porém, sob protesto recorrente de pedagogos e psicólogos da Educação, em ensaios e mais experimentos, na demanda de estabelecer um estalão de matérias consentâneo em relação às necessidades educacionais e instrucionais da atualidade.

Daí por que sucede uma constante modificação de grades didáticas na maioria dos cursos, mormente os universitários, tudo isto em virtude do secionamento incessante dos ramalhos da Ciência, de que é exemplo bem próximo a extraordinária evolução da Informática.

Aduzindo mais dificuldade, no entanto, para os raciocínios aqui expendidos, é apropriado trazer agora, assentado em Hugo de Vries, o argumento de que o desdobre dos objetos do conhecimento conduziu a uma gradual distinção das Ciências, com o resultante perigo de estreitar a visão a um restrito domínio técnico e de se perder a perspectiva das “grandes conexões da totalidade do ser”. (In: Walter Brugger – Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Herder, 1969).

No meu entendimento modesto, inexiste um “aqui começa a Química; nem aqui termina a Fisico-Química”; tampouco “O que me compete falei até aqui, agora fica por conta dos geógrafos”.

Quem diria que o Direito deita raízes na Microbiologia aplicada nos cadáveres, até após exumação, para aclarar crimes de morte e, de sobejo, servir a outros pretextos científicos?

A propósito, me lembro da dissertação de mestrado do médico e advogado, Dr. Renato Evando Moreira Filho, por mim revisada (2008), sustentada junto ao Mestrado em Microbiologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, intitulada Micologia Forense: a dinâmica da microbiota fúngica na investigação do período post-mortem, sob a orientação da minha consulente, há muitos anos, para revisão de textos, Doutora Sâmia Nogueira Brilhante, cujo conteúdo muito me impressionou pelas relações intimistas dos dois grupos de Ciência – a Biologia e o Direito – para constituir a Jusmedicina e a Jusbiologia.

Aproveito o ensejo para informar que o Prof. Dr. José Júlio Costa Sidrim, escritor de Microbiologia acreditado e muito consultado internacionalmente, componente da Banca do Dr. Renato Evando, bem como a Prof.a Dr.a Tânia Vicente da Silva, minha colega da UFC e mulher do agora referido M. Sce., também a mim recorrem para aprestar, gramatical e estilisticamente, suas produções científicas.

No Nuntia Morata (MESQUITA, Vianney. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2014, p. 181) – mui honrado com o fato de o psicólogo clínico Dr. Filipe lhe haver puxado as orelhas, magnificamente delineadas – me reportava ao argumento de a Ciência parecer se reencaminhar na convergência para a Filosofia, da qual divergiu há tempos bastante transatos. Ali, também (ID.IBID.), me referia a C. H. Lars, ao exprimir a opinião de que não existe o saber particular e, com arrimo na Escolástica, externava esse sacerdote jesuíta a noção de ser impossível individualizar tudo, reunindo detalhes e circunstâncias, ou seja, analogamente ao moto desse pensamento cristão da Idade Média, tendo como mentores Pedro Abelardo, Gulherme de Occam e Bernardo de Claraval, entre mais: non datur scientiae de indivíduo – não há saber do particular – acolitado por outra divisa, conforme a qual o todo individualizado é inexprimível (Omne individuum ineffabile).

Evidentemente, no arremate dessas vaniloquências (assim, alguém pensará), asseguro ao destinatário principal destas notações que não tencionei adentrar de chofre o tema, só circulei, consoante argutamente percebeu, ao modo de galo fazendo pé-de-roda a fim de colher uma galinha para, em frações de minuto, com ela coabitar.

Pode ser que, na carona analógica desse colhudo do terreiro, eu tenha até pensado na ideia de TODO NOVO PROCEDER DE UM OVO, como o mundo é possível derivar-se de mera gota de coacervato, segundo uma das múltiplas ideações da origem da Terra, esta esposada pelo russo Antonin Ivanovich Oparin, lida por mim em um opúsculo, salvante engano, A Origem do Universo, no ano de 1971, e nunca mais revisitada.

Reconheço, Prof. Dr. Filipe – em afirmação extensiva, é claro, ao leitor, a verdade de que às vezes me comporto como o sapateiro ao criticar a pintura de Apeles: transpondo a opinião sobre as sandálias e intentando apreciar o restante do afresco, sem atentar para o que ralha comigo o pintor – Ne sutor ultra crepidam – inserta numa das obras de Plínio, o Antigo.

Pouco se me dá, porém, pois me concedo este direito. Se não logro possuir cancha intelectual, e aqui recorro ao enorme Karl Raimund Popper – para quem todos “somos cegos convencidos de que saber e ignorância são vizinhos” – guardo uma boa idade para divertir-me até com o que ainda não sei, circunstância, aliás, eternamente provisória para todas as pessoas.

Grande abraço, professor Filipe M. Jesuino. Admiro-o, como dizem em Minas Gerais, demais da conta.

NOTA

1 Caro professor,

Aprendi, inclusive consigo, a não me deixar converter em fatia da salami science e, não tomar meu ponto de vista como estandarte de um intelecto exclusivamente preparado para combater. Tento batalhar pelo estilo, nos termos de Goethe, que o compreende como aquilo que reúne o espírito conhecedor (universalizante) e a imitação da natureza, ou o vínculo com os viveres individuais. Sei que muito dos meus pares pensam diferente.

Buscam apenas uma bandeira universal e se esquecem de que são apenas individualidades de uma universalidade bem mais ampla. Tornam seu ponto de vista um dogma e, por isso, se melindram.

Se no campo do estilo me considero neófito, ao menos já consigo tirar alguma aprendizagem do que escrevem os mestres, categoria em que o incluo. Um dia eu chego lá.

Grato pela interlocução 

Cordialmente 

Filipe Jesuino.


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista


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