quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

ARTIGO (RV)

A INVENÇÃO DO BRASIL
Reginaldo Vasconcelos*

Invenção: Jur. Achado de coisa alheia, perdida pelo dono ou possuidor (Dicionário Aurélio)

Ainda se aprende na escola que o Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500, e começam daí os disparates. Quem descobriu o que, cara pálida? O território não estava coberto, e era intensamente habitado por pelo menos 10.000 anos. E, ademais, os irmãos Pinzon, navegadores da Espanha, estiveram aqui bem antes dos marinheiros portugueses.

Portanto, da perspectiva moderna, o Brasil foi “inventado”, após ter sido o seu território alcançado por navios espanhóis, franceses, holandeses e portugueses, com o seu consequente apossamento litorâneo, seguindo-se as escaramuças praianas em que prevaleceram os lusitanos, os quais organizaram expedições para conquistar a hinterlândia.  

Deu-se então a colonização portuguesa, com a aculturação dos autóctones, a importação de africanos em regime de escravidão, e a exportação intensiva de recursos naturais para a Europa, notadamente ouro e madeira.

Em seguida vieram as culturas da cana, do café, do cacau e do algodão, principalmente. Isso é um método inventivo, nunca uma descoberta. A superfície do continente foi apenas o cadinho das misturas étnicas, dos processos sociopolíticos e dos resultados econômicos. Somente se descobre algo que já exista, e no ano de 1500 o Brasil mão existia.

Aliás – continuando o despautério – o nome dado ao país não designa um locativo, remissivo a características geográficas do lugar, mas refere a madeira que representava um de seus produtos extrativos principais. Já o nosso gentílico indica uma antiga profissão, e não a nacionalidade original.

“Brasileiro” seria quem lida ou negocia com o vermelho pau-brasil – pedreiro, padeiro, engenheiro, açougueiro – pois quem nasce aqui deveria ser dito “Brasilano”, forma correta de designar os nascidos nas regiões colonizadas – americanos, australianos, africanos, argentinos.

No tempo da colônia, por uma contingência histórica, o Brasil recebeu a corte de Dom João VI e em seguida tornou-se uma monarquia "meia-bomba", na verdade um “puxadinho” da Coroa Portuguesa, cheio de anedotas burlescas protagonizadas pelo príncipe imperador, boêmio e doidivanas.  

Mais à frente, continuando a patacoada, fez-se uma revolução militar pacífica para deportar o velho imperador e tomar conta da nação com uma república canhestra que vem rolando aos trambolhões, alternando presidentes, alterando as normas constitucionais, testando formas de governo, variando inclusive a denominação oficial – Santa Cruz, Vera Cruz, Brasil, Império do Brasil, Estados Unidos, República Federativa do Brasil.

A república brasileira, aliás, jamais se configurou de fato em uma democracia verdadeira, em que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Democracia, para nós, se resume no direito-dever de votar, dentre os poucos e sofríveis nomes que o poder econômico nos impõe, e que pela força da mídia eleitoral, paga pelo povo, são descritos como deuses.  

Saúde, segurança e educação gratuitas e de qualidade para todos, obrigações da “res publica” entrevistas nos termos constitucionais da Carta Magna, não se observam de fato. São serviços públicos prestados de forma tão rudimentar que apenas servem, mal-e-mal, à parcela populacional socialmente excluída  a pobreza que pulula nos guetos, nas favelas, nos sertões.

Brasileiros que atinjam nível socioeconômico minimamente digno para os padrões mundiais se sujeitam a pagar do bolso por planos de saúde privados, bem como por educação e segurança particulares, se quiserem melhor assistência médico-hospitalar para as suas famílias, e que os filhos compitam em pé de igualdade no mercado de trabalho, e que a sua vida e o seu patrimônio tenham melhor proteção contra a criminalidade desvairada.


Tampouco a democracia brasileira mantém a independência entre os Poderes da República, regra basilar do regime político e do sistema de governo. O Executivo reina sobre os outros estamentos, distribuindo cargos ao bel prazer dos titulares, liberando e contingenciando verbas de interesse dos parlamentares, editando normas por medidas provisórias, nomeando os ministros de tribunais superiores, para lhes cobrar lealdade quando deles precisar.  

Por último, o governo populista atual resolveu identificar e combater o “racismo” no Brasil, criando até um Ministério para esse fim, o que é outro desvario neste  país mestiço e multiétnico, onde vivem em harmonia todas as raças, em que palestinos e judeus são amigos fraternos, em que japoneses, chineses, coreanos, alemães – todos são acolhidos e respeitados pelo povo.

A única discriminação grave que se observa entre nós é socioeconômica, em face do grande desnível entre a classes A e a classe E, o que se reflete na aparência mais cabocla ou mais africana, porque esta prevalece entre os mais pobres, por contingência da Histórica ainda recente, trezentos anos de colonialismo, metade disso sob um inventivo capitalismo imperial. Mas basta adquirir patrimônio e subir na escala social que a aparência física e a cor da pele perdem inteiramente a importância.

Ademais, no Brasil, esse mal-estar contra mestiço e negros nunca importou em aversões graves e em violência pessoal, sendo punidas por lei a injúria e a discriminação raciais, ao contrário do que ocorreu na América do Norte até recentemente, ainda com reflexos na atualidade. É notar que o grande ídolo brasileiro de todos os tempos é o Pelé, um negro amado e aplaudido, aqui e alhures.

Enfim, o racismo brasileiro é mais uma invencionice de um país estranho, que se diz descoberto, mas que e em suma foi realmente inventado. 
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
          Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ   

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