A INVENÇÃO DO BRASIL
Reginaldo Vasconcelos*
Invenção:
Jur. Achado de coisa alheia, perdida pelo dono ou possuidor (Dicionário
Aurélio)
Ainda se aprende na escola que o Brasil foi descoberto em 22 de abril de
1500, e começam daí os disparates. Quem descobriu o que, cara pálida? O
território não estava coberto, e era intensamente habitado por pelo menos 10.000 anos. E, ademais, os irmãos Pinzon, navegadores da Espanha, estiveram aqui bem antes dos marinheiros portugueses.
Portanto, da perspectiva moderna, o Brasil foi “inventado”, após ter sido
o seu território alcançado por navios espanhóis, franceses, holandeses e
portugueses, com o seu consequente apossamento litorâneo, seguindo-se as escaramuças
praianas em que prevaleceram os lusitanos, os quais organizaram expedições para
conquistar a hinterlândia.
Deu-se então a colonização portuguesa, com a aculturação dos autóctones, a
importação de africanos em regime de escravidão, e a exportação intensiva de recursos
naturais para a Europa, notadamente ouro e madeira.
Em seguida vieram as culturas da cana, do café, do cacau e do algodão,
principalmente. Isso é um método inventivo, nunca uma descoberta. A superfície
do continente foi apenas o cadinho das misturas étnicas, dos processos
sociopolíticos e dos resultados econômicos. Somente se descobre algo que já exista, e no ano de 1500 o Brasil mão existia.
Aliás – continuando o despautério – o nome dado ao país não designa um
locativo, remissivo a características geográficas do lugar, mas refere a madeira
que representava um de seus produtos extrativos principais. Já o nosso gentílico
indica uma antiga profissão, e não a nacionalidade original.
“Brasileiro” seria quem lida ou negocia com o vermelho pau-brasil –
pedreiro, padeiro, engenheiro, açougueiro – pois quem nasce aqui deveria ser
dito “Brasilano”, forma correta de designar os nascidos nas regiões colonizadas
– americanos, australianos, africanos, argentinos.
No tempo da colônia, por uma contingência histórica, o Brasil recebeu a
corte de Dom João VI e em seguida tornou-se uma monarquia "meia-bomba", na
verdade um “puxadinho” da Coroa Portuguesa, cheio de anedotas burlescas
protagonizadas pelo príncipe imperador, boêmio e doidivanas.
Mais à frente, continuando a patacoada, fez-se uma revolução militar
pacífica para deportar o velho imperador e tomar conta da nação com uma
república canhestra que vem rolando aos trambolhões, alternando presidentes,
alterando as normas constitucionais, testando formas de governo, variando
inclusive a denominação oficial – Santa Cruz, Vera Cruz, Brasil, Império do Brasil, Estados Unidos, República Federativa do Brasil.
A república brasileira, aliás, jamais se configurou de fato em uma democracia
verdadeira, em que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Democracia, para
nós, se resume no direito-dever de votar, dentre os poucos e sofríveis nomes que
o poder econômico nos impõe, e que pela força da mídia eleitoral, paga pelo
povo, são descritos como deuses.
Saúde, segurança e educação gratuitas e de qualidade para todos,
obrigações da “res publica” entrevistas
nos termos constitucionais da Carta Magna, não se observam de fato. São
serviços públicos prestados de forma tão rudimentar que apenas servem, mal-e-mal, à parcela populacional socialmente excluída – a pobreza que pulula nos guetos,
nas favelas, nos sertões.
Brasileiros que atinjam nível socioeconômico minimamente digno para os
padrões mundiais se sujeitam a pagar do bolso por planos de saúde privados, bem
como por educação e segurança particulares, se quiserem melhor assistência
médico-hospitalar para as suas famílias, e que os filhos compitam em pé de
igualdade no mercado de trabalho, e que a sua vida e o seu patrimônio tenham
melhor proteção contra a criminalidade desvairada.
Tampouco a democracia brasileira mantém a independência entre os Poderes da República, regra basilar do regime político e do sistema de governo. O Executivo reina sobre os outros estamentos, distribuindo cargos ao bel prazer dos titulares, liberando e contingenciando verbas de interesse dos parlamentares, editando normas por medidas provisórias, nomeando os ministros de tribunais superiores, para lhes cobrar lealdade quando deles precisar.
Tampouco a democracia brasileira mantém a independência entre os Poderes da República, regra basilar do regime político e do sistema de governo. O Executivo reina sobre os outros estamentos, distribuindo cargos ao bel prazer dos titulares, liberando e contingenciando verbas de interesse dos parlamentares, editando normas por medidas provisórias, nomeando os ministros de tribunais superiores, para lhes cobrar lealdade quando deles precisar.
Por último, o governo populista atual resolveu identificar e combater o “racismo”
no Brasil, criando até um Ministério para esse fim, o que é outro desvario neste
país mestiço e multiétnico, onde vivem em
harmonia todas as raças, em que palestinos e judeus são amigos fraternos, em
que japoneses, chineses, coreanos, alemães – todos são acolhidos e respeitados
pelo povo.
A única discriminação grave que se observa entre nós é socioeconômica, em
face do grande desnível entre a classes A e a classe E, o que se reflete na aparência mais
cabocla ou mais africana, porque esta prevalece entre os mais pobres, por contingência da Histórica ainda recente, trezentos anos de colonialismo, metade disso sob um inventivo capitalismo imperial. Mas basta adquirir patrimônio e subir na escala social que a aparência
física e a cor da pele perdem inteiramente a importância.
Ademais, no Brasil, esse mal-estar contra mestiço e negros nunca
importou em aversões graves e em violência pessoal, sendo punidas por lei a injúria e a discriminação raciais, ao contrário do que ocorreu
na América do Norte até recentemente, ainda com reflexos na
atualidade. É notar que o grande ídolo brasileiro de todos os tempos é o Pelé,
um negro amado e aplaudido, aqui e alhures.
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