segunda-feira, 20 de agosto de 2018

CRÔNICA - A Primeira Impressão (AM)

A PRIMEIRA IMPRESSÃO
Assis Martins*


No meu primeiro dia de trabalho na Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará – dia 2 de fevereiro de 1984 – entrei como todo noviço, tímido e hesitante. A figura sisuda do diretor, Anselmo de Albuquerque Frazão criou na minha mente futuras dificuldades no nosso relacionamento, principalmente quando disse, logo de cara, ao me apresentar aos veteranos integrantes do departamento de arte, Elísio Cartaxo e José Maria Braz:

Pessoal, vê se esse baixinho aqui dá no couro...

A primeira impressão (sem trocadilho com a gráfica) não é sempre a que fica e o tempo mostrou que a cara carrancuda era apenas uma fachada. A sua autenticidade e franqueza rude, às vezes pegava as pessoas de surpresa com algumas tiradas irônicas.

Durante muitos anos trabalhei diretamente com ele na diagramação do jornal do Rotary Clube Alagadiço, o que me deu a oportunidade de conhecê-lo bem. Logo percebi que era de bom alvitre falar a verdade ao me desculpar pelas faltas ao trabalho. Era comum um servidor pedir uma guia médica e comunicar:

Seu Frazão, vou ao serviço médico... 

Ele, ao notar que o cara estava de ressaca, sapecava logo uma piadinha. Eu preferia abrir logo o jogo:

Chefe, faltei porque bebi muito no fim de semana e, o senhor sabe, um desenhista ainda tonto só atrasa o serviço. 

Por isso ele sempre gostou de mim.

O gabinete do Frazão ficava localizado numa posição estratégica à esquerda de quem entra na IU, com as laterais de vidro, o que lhe dava uma visão periférica do ambiente, principalmente do salão, onde a movimentação era intensa na década de 1980.

O movimento editorial era grande, com toda a azáfama de uma importante gráfica: o equipamento inteiro em atividade o dia todo e quase sempre entrando pela noite. Nessa época ganhávamos horas extras, que eram pagas pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura; o bom é que se faziam muitos trabalhos alheios (o famoso “macaco”)¹ e alguns ganhavam, às vezes em um mês, mais do que o salário. O governo José Sarney (1985/1990) acabou com essa brincadeira.

Assim, ele ficava postado lá como se estivesse na gávea de um navio, de onde podia observar de bombordo a estibordo, tanto o desenrolar dos trabalhos como a entrada e saídas de funcionários. Alguns davam uma escapulida na hora da merenda para resolver algum serviço extra, e foi numa saidinha dessas que o irmão, jovem tipógrafo assaz esperto saiu cerca de 9 horas da manhã e comunicou:

Seu Frazão, vou merendar e já volto. Lá pelas 11 horas, eis que o irmão vai entrando sorrateiramente e o Frazão, sentinela atenta, perguntou:

Menino, tu foi merendar curimatã?!

No dia em que saiu a nomeação do Prof. Roberto Cláudio Frota Bezerra (pai do atual prefeito de Fortaleza) para o reitorado da UFC no período 1995/2003, eu estava no departamento de arte tranquilamente concluindo um trabalho quando ele entra de repente e lasca:

Assis, parabéns!

Ué!, parabéns!? Meu aniversário é lá pro fim do ano...
  
É que o reitor escolhido também é baixinho.

Claro que era mais uma gozação sobre a minha baixa estatura, coisa que fazia costumeiramente.
       
Minha presença foi solicitada no seu gabinete para mostrar a arte da capa que fiz para um livro de uma professora bastante antipática e orgulhosa. O livro já estava impresso e em fase de acabamento.

O Frazão foi bem explícito:

Professora, veja como tudo já está quase pronto. Taqui a capa que o Assis fez e se a senhora quiser dar uma olhada no livro já costurado, pode ir ao setor de acabamento, o chefe lhe mostra. O nome dele é Adão.

Dito isso, ela foi para o referido setor e no meio do caminho parou e perguntou de lá:  

Como é mesmo o nome do chefe?

A resposta veio rápida e incisiva:

É ADÃO, mas pode ir que ele não está nu!

Escritor residente no Crato (creio que já faleceu) vinha várias vezes acompanhar o desenvolvimento da impressão de um livro seu, sempre acompanhado de um jovem radialista. Na última vez em que estiveram lá, aconteceu o seguinte diálogo na minha presença:

Frazão, agora que já está tudo nos conformes, a capa feita e o acabamento adiantado, acho que não há necessidade da minha presença. De hoje em diante esse rapaz aqui será o meu procurador. Ele tem poderes para resolver qualquer coisa. 

Como se notava de leve que eles tinham tomado alguns uísques, o Frazão arrematou:

– É, assim que vocês entraram eu notei logo que ele era seu procurador, só pelo bafo!
       
Lá pelos anos 80 veio fazer alguns trabalhos na Imprensa o artista Bill Figueiredo. Não sei se era baiano ou paulista, mas recordo que ele tinha um portfólio bem diversificado com incursões pela pintura, fotografia e, principalmente, na dança. Era um tipo bem simpático e de boa comunicação.

O Frazão nunca se entusiasmou muito com o mundo das artes e isso talvez tenha motivado a resposta que deu a um comentário do artista quando lhe mostrava uma série de gravuras e esbanjava conhecimentos:

Veja aqui, seu Frazão, esse é Luis XIV, rei da França e de Navarra entre os anos 1643 e 1715. Foi o maior dos reis absolutistas da França num dos reinados mais longos da história, construiu o Palácio de Versalhes e era grande apreciador de festas e etiquetas. A resposta, em cima da bucha:

Égua macho, naquele tempo já tinha baitola?!
       
Na minha vida profissional nas diversas agências de propaganda, nos jornais e na televisão em que trabalhei, convivi com chefes de atitudes díspares, mas com algo em comum: todos admoestavam os funcionários com diplomacia, maneiramente, com bastante “vaselina”.

Em quase duas décadas de convívio, aprendi a admirar o Frazão, não só pela sua experiência como gráfico, mas como pessoa humana e integridade.


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