A CRISE DO MECANISMO
Rui Martinho Rodrigues*
O poder político repousa sobre fórmulas que se
desgastam com o tempo. Bem-estar, liberdade, virtude cívica e segurança são
peças do mecanismo de legitimação da convivência na pólis. A análise semiótica
tem aspectos sintático, semântico e pragmático.
O discurso político atribui diferentes funções
sintáticas, variados sentidos semânticos e arranjos pragmáticos aos seus
mecanismos de legitimação. Bem-estar é um bordão cuja função sintática tem sido
usada pelas correntes ditas populares. A semântica do alegado bem-estar
enfrenta o problema pragmático da realização de promessas e da compreensão do
que seja tal coisa. A política não pode fugir indefinidamente ao exame da realização
das suas promessas.
A Filosofia da linguagem procura ressignificar
palavras e modifica a função sintática delas na política. Modificam a
semântica a serviço do mecanismo de poder, revolucionando também a sintaxe
política.
A moral conservadora passou à condição de
preconceito, desqualificando os seus seguidores. Isso pode deslumbrar
estudantes, sejam ou não estudiosos. Professores, clérigos, comunicadores –
autonomeados novos gestores da moral – foram assim formados.
O bem-estar foi semanticamente reconfigurado.
Deixou de ser acesso aos bens e serviços ligados ao conforto e realização de
desejos. Estes foram rebaixados a consumismo. Virtude passou a ser a defesa de
valores antagônicos à moral tradicional e ao consumismo, substituídos pela
solidariedade social, cujo ônus poderia afastar adesões. Mas, uma vez estatizada, não recai sobre os seus defensores. É uma cômoda demonstração de virtude.
A crítica ao consumismo, porém, não consegue
burlar o lado pragmático da análise semiótica. Sobrevive com a observação
seletiva. É agradável a sensação de ser virtuoso, discursar sobre solidariedade, enquanto não faz outra coisa além de lutar pelo poder; criticando como exclusão
a não participação no famigerado consumismo.
É fácil apelar para a Filosofia da linguagem e
dizer que um círculo deveria ter quatro lados iguais delimitados por quatro
ângulos internos de noventa graus. O pragmatismo, porém, não se seduz pela
embriaguez do virtuosismo verbal. O bem-estar, cedo ou tarde, apresenta a
conta. Quem paga diretamente o que usa sabe que o quanto paga e quem está
embolsando o pagamento. Quem tem a ilusão de não pagar ignora tudo isso. A
conta chega. E é salgada.
O mecanismo entra em crise. É a hora do
pragmatismo. Os não envolvidos pela nova semântica e pela revolução sintática
da linguagem política despertam diante do desastre financeiro e do
desmascaramento da virtude e da sabedoria falsas. É a ruptura com o mecanismo. A
crise ideológica do mecanismo é incontornável. Partidos, líderes, intelectuais,
Congresso e tribunais estão sofrendo a crise do mecanismo. Só o tempo sabe o
que virá.
Porto Alegre, 06 de agosto de 2018.
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